Música

Como os clubbers reinventaram a noite e a moda jovem de São Paulo

Este é um conteúdo publieditorial criado pela VICE em parceria com Absolut Vodka.

Quem não testemunhou a quebra de paradigmas que a cena clubber paulistana trouxe para a moda a partir do início dos anos 90 pode não entender o impacto que significou a tendência da chamada “montação”. Era esse o termo usado pelos clubbers para definir o jeito elaborado ou simplesmente expansivo de se vestir, inspirado na gíria que saiu do universo gay.

Se montar — que para os travestis de rua significava vestir-se de mulher — no meio clubber passou a significar extravagância, vanguarda fashion e originalidade. No Madame Satã, o visual era dark, às vezes dândi. No Nation, a galera trucava com peças da Vinte e Cinco de Março, compondo looks com pelúcia, paetê, plataformas e boás de pena. No Massivo, as perucas viraram o estilo. No Krawitz, a coisa era mais descontrolada, unindo montação clubber com fantasia: o pessoal usava até modelos em prata e pluma. As referências mais fortes vinham de revistas gringas como a The Face e a i-D, que noticiavam a irreverência dos “club kidz” nova-iorquinos. O visual club kid, em 1998, era marcado pela androginia, o glamour e a teatralidade.

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Uma galera muito influente e envolvida com moda era o povo que frequentava o after-hours Hell’s Club. Lá, andava-se bastante de preto, e as mulheres, principalmente, inovavam. Quem conta é a jornalista Gaia Passarelli, que frequentou assiduamente a festa: “Uma coisa importante dessa cena é que, pras meninas, especialmente, por ser um ambiente muito misturado e muito gay, existia uma grande liberdade no modo se vestir que expandia muito os horizontes. Eu lembro de uma amiga minha que foi pro Hell’s sem blusa. Porque estava tudo bem, ninguém ia mexer com ela, ninguém ia encher o saco. Era muito livre.”

Adriana Recchi e Kaká Toy: cortes de cabelo modernos, acessórios e make: Foto por @clubbers_anos90

Uma tendência que se sobressaiu muito no Hell’s Club foi o pioneirismo no uso de piercing facial. Trazida à voga pelo então DJ que se tornaria um célebre body piercer André Meyer, a prática dominou a noite. “Tinha muito piercing, muita tatuagem, muita roupa preta”, relembra Gaia. “O André abriu estúdio na Ouro Fino, e, depois dele, apareceram outras pessoas. Ele foi a primeira pessoa que eu conheci que já tinha estado em Goa, na Índia. Ele já tinha várias referências.”

Quando o Prodigy e o Chemical Brothers explodiram na mídia, surgiu uma nova geração, com um novo visual: os cybermanos. Eles saem principalmente das periferias de São Paulo para ocupar as pistas de baladas como o Hell’s, o Nation, o Retrô e a Sound Factory. Usam bermudas, bonés de couro, sneakers, peças camufladas, mochilas e cintos de nylon, bolsas transversais, calças de vinil e camisetas e jaquetas de marcas que vendiam no Mercado Mundo Mix. Também se usava muito as peças da Triton e da Zapping. A Gaia compara: “Eles eram mais novos do que a gente e nós éramos mais underground. A primeira geração do Hell’s era mais séria, consumia muita revista gringa, viajava muito, era uma galera muito bonita, mesmo, com muita informação de moda, de música. Ninguém aderiu ao moicano natural pintado de verde limão dos fãs do Prodigy. A gente levava muito à sério. Eu passava a semana inteira pensando no que eu ia vestir no Hell’s na semana seguinte, criava umas coisas e tudo.”

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Mas tinha pelo menos uma peça de roupa que tanto a velha escola do Hell’s Club como os cybermanos curtiam: a jaqueta de nylon, preta, com zíper, que trazia o logotipo do after nas costas. Um item que se tornou até clichê. de tanta gente que usava na região central da cidade. A grife Hell’s Club, que vendia a jaqueta, nasceu das customizações de camisetas que o povo fazia pra usar na noite. Às vezes, todo mundo usava a mesma camiseta. Elas traziam mensagens ou o logo do Hell’s. Com isso veio a marca e a famosa loja na Galeria Ouro Fino, que ficava bem ao lado, no subsolo, do estúdio de body piercing do André Meyer. Foi quando os aluguéis baratos do espaço estimularam, em meio às lojas de cabides, de roupas de balé e salões de beleza, a emergência do primeiro ponto de encontro clubber e aglomeração de lojas hype num só complexo, como a Será O Benetido, Escola de Divinos, A Mulher do Padre, Slam!, Futurama (cabeleireiros alternativos) e Third World.

Anna Gelinskas: tattoos, cabelo pintado, tubinho, bota e meia rastão. Foto por clubbers_anos90

“O Pil Marques [DJ] começou brincando com essas camisetas, ele distribuía pros amigos. Lembro da vez que ele fez uma com tinta que brilhava no escuro. E o logo do Hell’s acabou virando uma coisa tão forte que um monte de gente tinha tatuado, inclusive gente que nunca foi no Hell’s”, conta Gaia. E frisa, brincando: “Eu não tenho, tá!? Nunca tatuei o logo do Hell’s.”

Se no Hell’s e nas baladas frequentadas pelos cybermanos o som era mais techno, no Manga Rosa, que apareceu em 1999, a proposta era acolher também outras vertentes, como o drum’n’bass, o trance psicodélico e a house. Uma trilha sonora que atraiu um público avesso aos inferninhos e à “causação” do underground. Na época da inauguração, os convidados e primeiros clientes eram socialites, povo da moda, empresários, donos de restaurante e bares frequentados pelos bacanas da capital.

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“O Manga começou como um clube estritamente de música eletrônica e que tinha cheiro de fashion alternativo”, descreve a então hostess e atualmente DJ profissional Renata Kleber, que vive na Europa. Em seu tempo de hostess, da primeira fase do Manga até meados de 2001, ela usava o sobrenome do meio, Carrocelli. “Com o tempo fomos definindo bem as noites, focando no público mais adepto à cultura clubber e tendo a música eletrônica como estilo de vida.” Assim, as noites, cada uma dedicada a um subgênero específico, passaram a contar com seu público bem definido.

Johnny Luxo desfila sua elegância dândi, ao lado do DJ Felipe Venâncio. Foto por @clubbers_anos90

“Eu, como hostess, acompanhava o estilo de cada noite, me produzindo, às vezes me montando mesmo, e o público também”, lembra Renata. Segundo ela, nas noites trance/Goa, todos sempre usavam e abusavam das cores flúor. Rolava muita cor e muitos acessórios. Nas noites techno, que eram mais longas, pois tinha after que seguia pelas manhãs de sábado, as roupas eram confortáveis, cheias de metal, piercing, tatuagem, cabelos coloridos, sobrancelhas finas para as meninas e muita bota e tênis plataforma. Já os adeptos do drum’n’bass sempre foram os mais cibernéticos, usando um pouco de tudo, misturando todos os estilos em um só, com muitos piercings fluorescentes e acessórios, tanto os homens como as mulheres. “E, quase sempre, com mochila nas costas”, observa ela.

Mas a Renata confirma, também, a política de balada playboy-friendly, do Manga. Incompatíveis com a fauna under, o pessoal que a DJ classifica como “playboys do bem” queriam experimentar algo novo e estar em contato com aquela coleção de referências diferentes e interessantes. Era fácil identificá-los: roupas mais arrumadinhas, mais clássicas, as meninas com vestidos tubinho com botinha, e, os caras, de calça jeans com sapato e camisa. “O mais incrível era ver a cena eletrônica crescendo, ganhando novos adeptos a cada semana e, as pessoas, cada vez mais tentando usar o visual como forma de identificação, formando um estilo de vida alternativo e super inovador”, assinala Renata.

Essa galera caprichou no look só pra causar na gaiola do Massivo. Foto por @clubbers_anos90

O DJ Jac Junior era o residente das noites de house e techno do Manga. No período em que tocou lá, da inauguração até 2006, ele diz que o público teve duas fases. “No começo o pessoal tinha um look mais raver e clubber. Naquela época havia também o B.A.S.E., que atraía o mesmo tipo de público. Mas o Manga Rosa sempre atraiu mais a galera playboy, com roupas típicas de balada, que passou a ser maioria a partir de 2001. Não era um tipo de roupa que os identificasse como uma tribo”, explica. Ainda segundo suas memórias, “isso era muito nítido porque na mesma época eu tocava na Sound Factory e circulava por outros clubes, e dava pra sacar o perfil dos frequentadores pelo visual: os cybermanos iam na Sound Factory, os clubbers iam muito n’Alôca, e tinha o pessoal de preto, óculos escuros, o povo da moda mesmo, que frequentava o Hell’s.”

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Tudo isso acabou influenciando um monte de editoriais de moda e matérias na tevê e no impresso. As pautas destacavam o jeito clubber de se vestir como o futuro. Logo, a moda que saiu dos clubes se popularizou e se tornou comum nos armários de jovens e modernos de todas as classes, até dos mauricinhos e patricinhas. “Eles são [os clubbers] o termômetro do que está in e out, do que é moderno e novo, do que está e do que terá. Nada mais natural que essas tendências sejam absorvidas pelo mainstream, o que se traduzirá numa proposta que vai atingir a maioria dos consumidores”, disse o estilista Tufi Duek, dono da Forum/Triton, em depoimento à Erika Palomino (Babado Forte) sobre a chegada do visual notívago às passarelas, a partir da temporada de 1997.


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