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​Um Designer do Vale do Silício Quer Mudar a Forma como Tocamos Piano

A notação musical ocidental — aqueles pontos, curvas e hastes numa pauta — é um sistema usado por todos os instrumentistas desse nosso lado do hemisfério. Ainda assim, tem muita gente que não curte o método. Em geral porque, convenhamos, a curva de aprendizado não é lá muito generosa. Demora-se muito para tirar um solinho mais complexo.

Com isso mente, o apressado Alex Couch, músico casual e designer dos arredores da Baía de San Francisco, próximo ao pólo tecnológico do Vale do Silício, nos Estados Unidos, tentou inovar e facilitar a música para piano ao criar um novo tipo de sistema de notas.

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“Quero torná-la mais simples para ‘gente normal’, tipo, quem está atrás de um hobby, iniciantes, intermediários, gente que gosta de música e quer tocar piano”, me disse Couch. “Pra mim isso significa mostrar a elas como tocar uma música, onde colocar seus dedos, em vez de tentar lhes ensinar como ser um músico clássico logo de cara.”

A aparência é de uma tablatura modernosa. Crédito: Medium

O resultado se assemelha a uma espécie de Guitar Hero para Piano ou o sistema de ensino para piano, Synthesia, apesar de que Couch me disse que seu sistema foi projetado para ser muito mais simples. “Sei que esses dois existem, mas eles são compostos por interações ‘4D’ que exigem hardware e software. Busquei criar algo mais flexível, simples, portátil, mais bidimensional”, declarou.

Peguei meu teclado velho de guerra e dei uma chance ao sistema de Couch. Nunca consegui tocar piano e não tentei por tempo o bastante para saber de modo intuitivo onde minhas botar as mãos — e, vamos ser sinceros, Paul McCartney usa oitavas demais. Por mais que eu tenha lidado com partituras minha vida inteira com outros instrumentos, achei o método de Crouch bem menos intimidante do que pegar uma folha cheia de símbolos.

O sistema de Couch é melhor descrito como uma espécie de tablatura. A notação diz onde posicionar os dedos e não que nota deveria ser ouvida, como no caso da notação ocidental ou suas alternativas, como o Hummingbird, produto desenvolvido em 2013 por outros empreendedores de San Francisco. Pode ser algo limitado, mas o sistema de Couch tem mais a ver com tocar logo e se preocupar com teoria depois, se é que isso viria a ser uma preocupação. É bem possível nunca ligar para isso.

“Digamos que você vá viajar para o México e quer saber como perguntar, em espanhol, onde fica o banheiro. O que você quer aprender é a frase ‘donde está el baño’”, comentou Couch. “Você não precisa entender as origens daquelas palavras ou como ‘está’ se conjuga em diferentes sujeitos e que ‘el’ é a forma masculina do artigo. Você só quer usar o banheiro! Penso que a notação ocidental é algo poderoso, mas ela presume que você se dedicará possivelmente anos de trabalho de base para que se torne eficaz.”

Enquanto as tablaturas remetem à música de órgão do século XIV, os guitarristas são os que mais as usam hoje. Desde o começo da internet existem sites que ensinam, em ASCII, como tocar a intro de “Enter Sandman” do Metallica junto de qualquer outra música de guitarra ou arranjada para o instrumento.

Eis um exemplo das tablaturas com as quais lidei a vida toda. Crédito: Ultimate-Guitar.com

A guitarra e o violão são instrumentos folclóricos, de certa forma, abertos para amadores, então não é surpresa nenhuma que tablaturas tenham feito sucesso. Claro, não é um método perfeito e muitas vezes “músicos de verdade” as veem com desdém e mais vezes ainda uns cara dirão com arrogância que as tablaturas não mostram o andamento da música, nem são específicas ou que Jimi Hendrix não precisava delas ou sei lá o quê. Elas são como o Lado Negro da música — mais rápido, mais fácil, mais sedutor.

Crédito: Guitarist.com

Por outro lado, posso afirmar por experiência própria que ler partituras de guitarra é um saco. Uma nota pode dizer o tom da música, mas esse mesmo tom se repete cinco vezes na guitarra. Peças clássicas para violão levam tempo para se memorizar onde colocar as mãos ou então tem um monte números tipo de tablatura próximos às notas para indicar que dedo ou corda usar. E o violão/guitarra é um instrumento ocidental feito para uma escala de 12 tons! Para instrumentos projetados para outras escalas — tons de quartos ou desiguais típicos da música russa ou árabe — a coisa piora.

Já o piano foi criado com a notação ocidental em mente e tudo funciona de forma menos complicada. Está tudo ali na sua frente: uma tecla por nota. Não que ler música para piano seja fácil. Não é. Culturalmente parece que encaramos pianistas como pessoas com padrão superior de conhecimento musical. Couch quer que o instrumento fique um pouco mais aberto.

O designer explicou que, antes mesmo da primeira nota, a notação ocidental faz referência a um enorme corpus de conhecimento, citando a “comunicação codificada” no começo de um tema que explica o ritmo, bem como tempo e tonalidades.

“Educamos cada estudante de piano como se fosse um especialista e, ao fazê-lo, criamos uma barreira para quem quer começar”, afirmou Couch. “Acho que isso acaba excluindo um monte de gente que curtiria tocar um pianinho sem virar especialista.”

Couch afirma ter recebido algumas sugestões úteis depois de ter escrito sobre o sistema no Medium semana passada, incluindo aí o uso de coisas como formas e cores. “É legal saber onde as pessoas se confundem.”

Mas assim como ocorre com as tablaturas, houve reações negativas, em grande parte daqueles que tiram um tempo para aprender a ler partitura. Couch ressalta que não tem pretensão alguma de substituir o método tradicional.

“Não tenho como alvo maestros aqui, meu lance é com o fã de Coldplay que quer tocar ‘The Scientist’ pros amigos”, disse.

Por bem ou mal, goste de Coldplay ou não, a notação ocidental continuará a ser o padrão enquanto os instrumentos do cânone ocidental forem utilizados. É flexível e é produto do “teste com usuários” feitos na época de Pitágoras. Todos aqueles pontos e traços passam mesmo muita informação de forma sucinta. Porém, além de guitarristas, alguns outros músicos, especialmente aqueles que compõem em seus computadores, estão deixando para trás. Isso pode ser muito bom, afinal, se você quiser tocar um Elton John ou, deus nos livre, Train, a única coisa que deve te impedir não é o bom gosto.

Tradução: Thiago “Índio” Silva