Nada como um parkour em Guaianazes pela manhã

Num sol de rachar coco, o instrutor de parkour Rodolfo Rodrigo Bispo dos Santos, de 23 anos, prepara o salto. A missão: saltar da mureta da Subprefeitura de Guaianazes para o muro do supermercado Extra. O vão entre eles chega a quase 3m e tem ao menos 2,20m de altura. “Fui!”, diz ele, após errar a aterrissagem. A destreza e os intensos treinos que já chegaram a durar seis horas diárias fazem ele conseguir se segurar no muro com as mãos, após ter quase ultrapassado no muro e caído morro abaixo. “A primeira vez que fiz isso demorei quase uma hora me concentrando antes de pular”. Da mesma forma que se segurou para não cair, ele subiu novamente no muro e voltou para a subprefeitura. “Já fiz mil vezes. O parkour é segurança.”

Rodolfo é autodidata dando seus pulos no parkour, mais ou menos como a grande maioria dos moradores de Guaianazes. A diferença é que ele faz disso um esporte. Popular na França, onde foi criado, e também na Inglaterra, o parkour nem sempre é bem visto nas quebradas. Arranca risos e piadas por onde passa.

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“Que isso, mano? Esses cara foram treinados pela Al-Qaeda!”, falou um pivete na passarela que dá acesso ao mercado de Guaianazes, quando Rodolfo e seu time mandavam as manobras por lá.

Eles ouvem as groselhas, mas não estão nem aí. Ele enche o peito de orgulho para dizer que já teve aula com instrutores gringos. “Sempre peguei informações com o pessoal do Centro, fiz estágios na Trace, em Pinheiros, que é a primeira academia de parkour do Brasil.”

Foto: Felipe Larozza/ VICE

“Na primeira aula, sempre demonstro as possibilidades, os movimentos. Ensino dash, vault, mas também muito o treinamento físico”, resume Rodolfo, orgulhoso da capacidade e do tom professoral. Para os praticantes, as pessoas que nunca fizeram o parkour fazem um julgamento completamente diferente da realidade. “No parkour você treina o movimento até ele ser normal. Por exemplo, todo mundo caía quando andava. Então, a gente trabalha os movimentos para ter 100% de certeza que vamos acertar. Você precisa pensar sempre numa escapatória. Não tem essa de ‘se errar, vou morrer’.”

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Denis Maimoni, 32, é bibliotecário e professor de Ciências. As duas graduações não lhe garantiram um emprego e ele segue na correria no momento. Como a maioria do Brasil, conheceu o parkour pelo filme B13. Passou pelo jiu-jitsu, pelo judô, pedalava, mas não conhecia o parkour. “Conheci no filme. Tem o David Belle, que é um tipo de fundador do parkour. Comecei com um parceiro que fumava e outras coisas mais… Aí ele não me acompanhava.”

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Foi aí que Denis escreveu um projeto didático para entrar no CEU, em 2012. Lá também conheceu o Rodolfo e da parceria criaram a Simeos Parkour, que oferece aulas na periferia e fora dela. “Meu parkour é mais raiz. O Rodolfo é free running. Ai, ó. Daí ele faz isso aí [enquanto Rodolfo dá um mortal digno de Daiane dos Santos]”.

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Um dos alunos da dupla é o Pedro Henrique Gomes Gonçalves, 17, que não quis ficar mal com os professores. “Se for para definir, fico com os dois”, resume, sem querer criar ciumeira nos mestre. “Gosto muito de mandar as precisões, fazer os movimentos, mas mando muito giro também. O giro em si, quando você está no ar, é muito louco, muito impressionante. Quando você está no ar… é inexplicável”. Pergunto então para o Pedro qual movimento que arregaça? “Ah, sou rei do front (salto mortal para frente). É front e precisão (quando sai do ponto A e chega no ponto B cravado), como estava fazendo ali na gangorra.”

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Outro aluno do bonde parkour de Guaianazes é o Renato Moreira da Costa, 29, analista de e-commerce, formado em Design Gráfico. Treina há 4 anos e começou para combater o sedentarismo. “Sempre fui magro, mas com barriga. E não tinha fôlego nem para subir uma escada”, conta ele. “Não tinha coordenação motora nenhuma. Era um dos piores alunos. Mas é repetição e ir progredindo”, lembra. Como qualquer esporte, o parkour depende de entrar de cabeça e de muito treino, físico e mental. “Chega um momento que você se joga ou não faz o movimento. É um abismo que você não tem consciência do que vai acontecer. Daí você pensa: ‘Ou me jogo ou não faço o movimento’. Você não tem referência, não tem segurança. É se jogar para você se tem capacidade de fazer.”

Tombos continentais

Zé povinho é zé povinho. Rodolfo lembra o momento em que a zica dos populares foi demais. “Um indivíduo começou a falar: ‘Ah, você vai cair. Aí é muito alto’. Quando cai, ele ainda falou: ‘Chama a ambulância porque já era’”. O capote, que deixou Rodolfo sem ar por instantes, foi registrado por Renato e parou no YouTube. “Ele bateu no ferro e caiu de costas, sem ar”, lembra Renato. “Tinha que mandar para o Faustão”, brinca Denis, rachando o bico. “O capote saiu num vídeo internacional de parkour feio”, Rodolfo fecha a conta.

É lógico que o parkour envolve quedas, arranhões e fraturas. Se o movimento dá errado, as consequências chegam. “O corpo naturalmente te protege”, defende Renato, outro que sofreu com um boca santa dos populares também. “Passei de duas barras e na terceira percebi que não chegaria. Caí de joelho no cimento puro de uma altura de quase dois metros. Me protegi com o braço, mas fui com tudo com o joelho. Não conseguia ficar em pé, fiz radiografia e deu um calo no joelho.”

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“Quando você pensa : ‘Já consegui e vou fazer’. É nessa que você se quebra. Como tudo na vida”, conta Denis sobre o acidente que sofreu em ambiente controlado, com colchões, proteções e tudo mais dentro do CEU e que o deixou de molho por meses.

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Silvânia Severo Alves do Carmo, 34, trabalha com ginástica multifuncional no SESC e está no último ano de educação física. Ela é outra que passou a tarde no parkour de Guaianazes. “Comigo foi ridículo. Estava no solo para fazer impulso para subir e mandei a mão no corrimão. Fiquei uma semana achando que não era nada. Quebrei o quinto metacarpo e precisei engessar, fazer fisioterapia. Às vezes, quanto mais simples o movimento, maior é a chance de dar errado.”

A TRETA COM O CEU DE GUAIANAZES

A treta que está pegando mesmo é com o pessoal que chegou para comandar o CEU Jambeiro meses atrás. É que depois de quase cinco anos dando aulas de graça para a criançada, Rodolfo, Denis e o Simeos Parkour acabaram limados de lá sem explicação nenhuma. “A gente chegou a ter 100 alunos brincando no CEU Jambeiro. Hoje temos em torno de 20 pessoas ativas no parkour em Guaianazes”.

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Em 2012, Rodolfo e Denis viram nos colchões e nas instalações do centro comunitário uma forma de explorar a arte francesa dos pulos. “Eles só cediam o espaço e já estava bom”. A ideia vingou plenamente até meados deste ano, mas com a troca de gestão, o parkour acabou proibido no CEU. “Jogaram nossos equipamentos todos na chuva, da noite para o dia”, conta Denis, meio puto. “Foram cortando nosso tempo, não tínhamos mais horário e foi acabando”. Paletes, caixotes e equipamentos todos desenvolvidos por eles mesmo. Das 8h até 17h, todos sábados e domingos. “Todo mundo acha bonito, mas ninguém patrocina nossa causa, né?”.

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As coisas no CEU, depois de meses de ansiedade e criançada longe os pulos, parece começar a melhorar. O comando da unidade foi trocado novamente e o Simeos já tem conversa agendada para tentar voltar para lá. A Subprefeitura também já confirmou de receber Denis e Rodolfo para um papo reto.

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Sentado almoçando batendo um PF no Mercadão local, Renato e Rodolfo lembram que as divergências e eternas divisões de classe não são exclusividade do CEU Jambeiro. “Tem tipo direita e esquerda no parkour”, brinca. “É! É verdade mesmo”, confirma Renato. “É que tem uma galera que acha que o eu faço não é parkour, porque tem movimentos de mortal, de giro, que o parkour clássico não admite. É todo dia essa encheção de saco no Facebook”, explica o professor. Então, se for assim, você é o anarquista do parkour de Guaianazes, instigo ele. Rodolfo para, pensa e resolve. “Por aí mesmo.”