Não há jogo limpo no relatório sobre corrupção nas Copas de 2018 e 2022

Um dia depois de um repórter do jornal alemão BILD declarar ter obtido uma cópia completa do relatório de Michael Garcia sobre a investigação das alegações de corrupção nas votações para as Copas do Mundo de 2018 e 2022, a própria FIFA publicou o relatório na íntegra. Garcia, presidente da Câmara de Investigação do Comitê de Ética da FIFA, deixou o cargo em protesto quando a FIFA publicou um sumário de apenas 42 páginas de seu relatório de 430, redigido em três partes, inocentando a candidatura da Rússia para 2018 e do Catar para 2022. Na época, Garcia disse que o sumário apresentava “os fatos e suas conclusões de forma substancialmente incompleta e errônea”. Agora que temos acesso ao relatório na íntegra, podemos entender que distorções são essas.

A FIFA publicou três documentos: o relatório principal, que cobre sobretudo a candidatura do Catar para 2022, e documentos individuais sobre a a candidatura da Rússia para 2018 e a candidatura dos Estados Unidos para 2022. As candidaturas da Rússia e dos Estados Unidos provaram-se autênticas, mas outras ainda são suspeitas. Começaremos com o Catar e a Austrália.

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O governo do Catar e a negociação de gás natural

A investigação sobre o envolvimento do governo catariano, que começa na página 164 do relatório principal, revela uma aparente ligação entre a venda de gás natural liquefeito e o apoio da Associação Tailandesa de Futebol à candidatura de Mohamed Bin Hammam, presidente da Confederação Asiática de Futebol, para a presidência da FIFA em 2011, e a candidatura do Catar para a Copa do Mundo de 2022. Bin Hammam abandonou a corrida presidencial em maio de 2011, em meio a acusações de suborno, e foi banido da FIFA por toda a vida.

O relatório aponta para uma relação estreita entre o governo catariano e a candidatura do país para 2022, com um comunicado do governo demandando que “todos os ministérios, instituições governamentais, organizações e fundações públicas cooperassem com o comitê da candidatura do Catar, incluindo assistência para o comitê superar qualquer obstáculo”. Embora a investigação não tenha se deparado com alegações críveis de influência direta do governo, revelaram-se casos de empresas estatais envolvidas no processo de candidatura.

O relatório se estende bastante sobre a conduta de Joe Sim, suposto “assessor-chefe” de Worawi Makudi, presidente da Associação Tailandesa de Futebol e membro do comitê executivo da FIFA. Embora o título oficial de Sim não seja muito claro, o relatório afirma que ele mantinha uma relação próxima com Makudi e volta e meia o acompanhava nas reuniões oficiais da associação, onde era apresentado como assessor. A investigação apresenta fortes indícios de que Sim estava envolvido nas negociações com a Qatargas, empresa estatal, para estipular um preço reduzido para o gás natural liquefeito em troca do apoio da Associação Tailandesa de Futebol à candidatura do Catar.

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Tradução da imagem: Em um e-mail datado de 18 de agosto de 2010, Joe Sim, que então se identificou como Presidente do Grupo Venture, escreveu para o Vice-Primeiro-Ministro de Energia & Indústria, Sua Excelência Abdullah Bin Hammad Al-Attiyah, que à época era Presidente da Qatar Petroleum:
Foi uma grande honra para mim ter uma audiência com Sua Excelência no dia 16 de agosto de 2010.
A minha equipe gostaria de agradecer a Sua Alteza por sua gentil colaboração ao promover cooperações em atividades e empreendimentos futebolísticos entre a Associação Catariana de Futebol e a Associação Tailandesa de Futebol.
Caso seja concedida a permissão de Sua Excelência, estabelecerei contato com o CEO da Qatargas para marcar uma reunião e acompanhar o passo a passo da venda de gás natural liquefeito.1039
Sim também colocou em cópia oculta no e-mail um assistente de Bin Hammam.
Mais tarde, Sim contou para os investigadores de Garcia que o objetivo do e-mail era discutir um possível patrocínio da seleção tailandesa por parte da Qatargas, e que nada tinha a ver com vendas de gás natural liquefeito. Contudo, depois, os relatórios indicaram que a PTT, empresa estatal tailandesa, estava pensando em renegociar um contrato com a Qatargas.

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Tradução da imagem: Ao Sr. Sim foi solicitado que fornecesse detalhes sobre os tópicos citados nos e-mails: as reuniões com o Presidente da Qatar Petroleum e o CEO da Qatargas; cooperação em empreendimentos futebolísticos; e a venda de gás natural liquefeito.1083 O Sr. Sim confirmou que ele e o Sr. Teo se encontraram com S.E. Al-Attiyah na sede da Qatargas dia 16 de agosto de 2010, e que tiveram uma reunião de acompanhamento com S.E. o Sheik Khalid na Qatargas dia 2 de setembro de 2010.1084 Quanto à venda de gás natural liquefeito e as partes envolvidas, o Sr. Sim declarou:
A “venda de gás natural liquefeito” (…) envolvia uma prospecção de compra de gás da Qatargas pela ALCO. A ALCO, uma empresa operante no setor de petróleo e gás, pertence a um amigo meu, o Sr. Brian Teo. O Sr. Teo estava interessado em importar gás do Catar à China, e o propósito
NOTA 1081: FWC00179206; ver também FWC00179208. Informações disponíveis para o público indicam que, em fevereiro de 2008, a PTT e a Qatargas entraram em acordo, no qual a PTT assumiu o compromisso de comprar um milhão de toneladas de gás natural liquefeito por ano, com a entrega marcada para ter início no fim de 2011, quando o terminal de gás natural liquefeito de Bangkok entraria em funcionamento. FEC00179190. Em maio de 2010, foi relatado que a PTT procurou editar o acordo com a Qatargas para efetuar a compra ao preço vigente, em vez de um preço fixo, dada a queda recente dos preços de gás natural liquefeito. Ver FWC00179191. Em junho de 2011, a Qatargas efetuou sua primeira entrega de gás natural liquefeito à Tailândia ao preço vigente. FWC00179193. Contudo, dia 7 de setembro de 2011, a PTT cancelou seu acordo de fevereiro de 2008 com a Qatargas por conta do aumento do preço e assinou contratos com outros fornecedores. Ver FWC00179201. Segundo a Qatargas, a PTT realizou diversas compras ao preço vigente com a Qatargas depois da primeira entrega, de julho de 2011. FWC00179194. Em dezembro de 2012, a Qatargas e a PTT fecharam um acordo de longo prazo de compra e venda de gás natural liquefeito, com a entrega marcada para ter início em 2015. Ver FWC001794194.

Conforme aponta a nota 1081, apenas três meses antes de Sim enviar o e-mail, a PTT estava tentando renegociar um acordo por conta de uma queda nos preços do gás natural liquefeito. A PTT queria usar a taxa vigente no lugar do preço previamente acordado. Sete meses após a Copa do Mundo ser concedida ao Catar, o Catar cedeu o gás natural liquefeito à PTT pelo preço vigente.
Por conta disso e diversas inconsistências entre as principais partes envolvidas, a investigação concluiu: “ao que parece, o e-mail de agosto de 2010 do Sr. Sim para o Presidente da Qatar Petroleum, com o assistente do Sr. Bin Hammam em cópia oculta, dá a entender que um contrato de gás natural liquefeito estava sendo negociado por meio de canais futebolísticos”. Ademais, o relatório julgou necessária uma investigação mais aprofundada sobre Makude, dado seu papel como presidente da Associação Tailandesa de Futebol e membro do comitê executivo de votação.

A Austrália levou uma rasteira de “infiltrados” da FIFA

A candidatura da Austrália para 2022 era a única sem representação no comitê executivo, o que a deixava em desvantagem. Então tentaram comprar espaço, segundo alega o relatório de Garcia. Uma seção do relatório atesta que a equipe fez de tudo para convencer Franz Beckenbauer, membro do comitê executivo da FIFA de 2007 a 2011, a se aliar à candidatura; chegaram a contratar Fedor Radmann, a mão direita de Beckenbauer, como consultor. Por vezes, Radmann é descrito pelas fontes internas da FIFA como amigo de Beckenbauer; em outras instâncias, como parceiro de negócios, assistente, porta-voz, ou até mesmo companhia frequente em viagens. De qualquer forma, o relatório deixa claro que Radmann foi contratado por conta de sua relação com Beckenbauer.

Antes disso, Radmann vendia “serviços” de consultoria em candidatura, conforme os representantes dos Estados Unidos e da Inglaterra contaram aos investigadores de Garcia. Os representantes das candidaturas dos Estados Unidos e da Inglaterra se recusaram a contratá-lo para não pegar mal. Ou seja, pelo menos algumas pessoas da FIFA sabiam que contratar o melhor amigo de um membro do comitê executivo como consultor prejudicaria a imagem da federação.

A Austrália também compreendia o quadro, ao passo que tentou abafar o caso, de acordo o relatório. A equipe da candidatura australiana contratou Radmann como terceirizado por meio de outra empresa, processo que o Relatório Garcia interpreta como uma tentativa de mascarar sua ligação com a candidatura (embora a equipe australiana tenha dito aos investigadores que o procedimento foi um pedido de Radmann por conta de “motivos fiscais”). Com ou sem evasão fiscal, é certo que a equipe usava codinomes nos e-mails internos e se referia ao duo pelas iniciais (“F&F”) e outros códigos de uma letra só, determinados por uma lista de alcunhas protegida por senha. “Não pretendo me deparar com os meus e-mails nos jornais”, Peter Hargitay, estrategista e confidente de Sepp Blatter, escreveu a um colega.

Ao longo das negociações, Hargitay manteve Radmann em cópia oculta nos e-mails pertinentes (mas, curiosamente, avisou que o fez em apenas alguns dos e-mails). Em outubro de 2009, outro membro da candidatura da Austrália acidentalmente copiou Radmann em aberto, e todos os recipientes puderam ver que ele estava presente na troca. Segundo o relatório, “o Sr. Hargitay respondeu com severidade: ‘Por favor, não listem Fedor entre os recipientes!!!!! NÃO FAÇAM ISSO, de jeito maneira. Sabem por quê? Porque assim colocam tudo em risco.”

Embora o relatório não se resguarde ao condenar a associação de Radmann com a candidatura como suspeita, é pouco conclusivo quanto ao impacto efetivo da contratação de Radmann sobre o voto de Beckenbauer. Beckenbauer costumava maldizer em público as candidaturas da Inglaterra e dos Estados Unidos — países que, claro, haviam se recusado a contratar seu amigo —, mas o relatório oferece poucos indícios de lobby de fato. Beckenbauer negou a promessa de voto para a Austrália, que recebeu apenas um voto. Ele também se recusou a informar ao Relatório Garcia em quem votou.

Já Hargitay execrou a candidatura do Catar em e-mails pessoais para Blatter, e encaminhou correspondências confidenciais em nome do comitê executivo para os australianos para mostrar que tinha acesso interno, mas há poucos indícios de fato que comprovam a conversão disso em votos, visto que a Austrália ganhou apenas um.

Jack Warner descola um emprego para o filho de seu banqueiro

Uma das anedotas mais ridículas de todo o relatório é um oferecimento Jack Warner, o homem que costumava ser uma das figuras mais influentes do futebol.

Em 25 de maio de 2009, Warner enviou um e-mail para o barão David Triesman, presidente da Associação Inglesa de Futebol e dirigente da candidatura da Inglaterra para 2018, para pedir justamente o tipo de favor que o regulamento da FIFA reprovava:

“Preciso da sua ajuda. O filho do meu banqueiro, Richard Sebro, está estudando na Inglaterra e precisa urgente de algum trabalho que o ajude a pagar as mensalidades e afins. Não costumo pedir favores a você, mas o garoto trabalhava comigo aqui na T&T antes de estudar fora, e é uma figura tremenda. Gostaria de ajudá-lo, e solicito a sua assistência sob essas circunstâncias. Tenho certeza de que, caso haja ressalvas para contratá-lo imediatamente, você será capaz de fazer o maior esforço possível para superá-las e, por isso, endereço a você o meu agradecimento pela sua gentileza e compreensão do meu pedido.”

O fato de um membro do comitê executivo da FIFA ter enviado um e-mail que lembra vagamente aqueles e-mails de trambiqueiros nigerianos é digno de nota. Warner sequer faz cerimônia. O atrevimento é gritante, digno de paródia.

Dia 7 de junho, aparentemente depois de não obter respostas, Warner persistiu e encaminhou o e-mail para Andy Anson e Jane Bateman, ambos executivos da campanha da Inglaterra para 2018.
“Presidente, mais uma vez gostaria de informá-lo sobre meu interesse em Richard Sebro e a necessidade urgente de uma assistência positiva para ele”, escreveu Warner, que incluiu ainda uma nota dizendo que já havia prometido a Sebro que ele seria contatado pela Associação Inglesa de Futebol.

A associação respondeu e disse que em breve marcaria uma reunião com Sebro em Wembley. Warner escreveu de volta uma semana depois para saber do andar da carruagem. Todo esse infortúnio resultou em um bico de verão para Sebro em Tottenham. Em seguida, Warner aparentemente agradeceu, mas “pressionou a equipe da candidatura da Inglaterra para 2018 para continuarem monitorando a situação empregatícia do Sr. Sebro”.

Conforme aponta o relatório, “a gratidão do Sr. Warner não durou muito”. Menos de duas semanas depois, Warner enviou um e-mail birrento para Triesman, que copiarei aqui na íntegra, porque é um dos e-mails mais memoráveis que li nos últimos tempos:

“Presidente, gostaria de registrar meu profundo desapontamento com a associação pela incapacidade de auxiliar Richard Sebro com um emprego remunerado de período prologado, conforme solicitei. A promessa de uns dias aqui e uns dias acolá não é o que eu tinha em mente, Presidente, e mesmo esse processo tem sido demorado. Embora meu desapontamento seja imenso, e eu talvez não devesse estar tão surpreso, entenderei se o meu pedido for complicado demais por qualquer motivo que seja.”
Curiosamente, Bateman respondeu que Sebro estava perfeitamente contente em seu novo trabalho, ao que Warner rebateu: “Se Richard está contente, então também estou.”

Quando o trabalho de Sebro em Tottenham terminou, a associação ofereceu a ele um novo bico em Wembley. Sebro, que à época era estudante na Universidade Wolverampton, escreveu uma carta de agradecimento a Warner:

“Mais uma vez, agradeço por me ajudar com a oportunidade de um ter um trabalho interessante e transformador no verão. Os meus colegas de Wolverhampton com qualificações semelhantes estão batalhando por horas extra no McDonald’s, e valorizo o privilégio de não [] ter que passar por isso.”
Um ano depois, em outubro de 2010, poucos meses antes da votação da Copa do Mundo, o processo todo se repetiu. Warner pediu um emprego para Sebro na área de “Wolverhampton/West Midlands”, de “20 horas por semana” e um mínimo de “10 libras por hora”. Ninguém escreveu de volta, e Warner continuou insistindo. “Preciso aceitar a realidade de que… no que cabe a Richard Sebro, vocês não têm como ajudar.”

Mas deram um jeito. Dia 15 de novembro de 2010, Sebro arrumou um emprego no Aston Villa. No mesmo dia, um membro da comissão da candidatura da Inglaterra para 2018 enviou um e-mail a Werner. “Oi, Jack. Espero que esteja tudo bem com você. A pressão está aumentando, faltam só 17 dias”, uma clara referência à votação da Copa do Mundo. Depois, ainda no mesmo e-mail, o oficial mudou de assunto. “Imagino que Richard já tenha contado as novidades.”

A “conduta questionável” de Sandro Rossell com a candidatura do Catar para 2022

Sandro Rossell, ex-representante da Nike no Brasil preso recentemente por um esquema de lavagem de dinheiro envolvendo os direitos audiovisuais das partidas no país, era um recurso de confiança para a candidatura do Catar por conta de sua rede global de contatos, incluindo uma amizade próxima com Ricardo Teixeira, membro do comitê executivo da FIFA. Rossell foi usado (a 2.000 euros por dia trabalhado) para ajudar a determinar a viabilidade do sucesso da candidatura do Catar para 2022. Tecnicamente, ele não era um consultor, mas ofereceu um “aporte estratégico” para o alto escalão do Catar.

O relatório de Garcia destaca diversas instâncias em que Rossell trabalhou com Hassan Al-Thawadi, CEO da candidatura do Catar para 2022, com Andreas Bleicher, administrador da Aspire, academia esportiva financiada pelo governo, e outras figuras para tratar “de questões futebolísticas que parecem não ter relação direta, ou mesmo indireta, com a candidatura do Catar para a Copa do Mundo”. O relatório continua:

“O Sr. Rosell foi eleito presidente do Barcelona FC em junho de 2010 — durante a campanha, o Sr. Bleicher o descreveu para o Sr. Al-Thawadi como ‘o candidato mais promissor até então’1183 — e nos meses seguintes se encontrou diversas vezes com o próprio Al-Thawadi, com o Sr. Bleicher e outras figuras para negociar um acordo lucrativo de patrocínio com a Qatar Foundation.

“O caráter das questões empresariais que as autoridades da candidatura do Catar para 2022 discutiram com o Sr. Rosell durante a eleição não está claro. No fim de 2009, Sr. Rosell enviou e-mails separados — que depois ele encaminhou para o Sr. Bleicher — para o presidente e o CEO da candidatura do Catar para 2022, agradecendo a eles a “transferência do Catar” que ele havia “acabado de receber”. Os comunicados não especificam o motivo da “transferência”. Em uma nota para o presidente da candidatura, Sua Excelência o Sheik Mohammed Bin Hamad Al-Thani (“Sheik Mohammed”), o Sr. Rossell escreveu: “isso significa que poderei investir esse montante em meu interesse, que espero eu que coincida com o seu”, e “isso significa que você valoriza o meu compromisso com o seu país e o seu povo, começando com você e sua família”. O e-mail para o CEO Hassan Al-Thawadi pontuou: “Espero que todas as nossas empreitadas sejam benéficas para todos nós, em todos os sentidos. Sem dúvidas, dedicarei todos os meus esforços para transformar nosso sonho em realidade[].”

A investigação concluiu que o caráter mutável das negociações e a falta de transparência sugerem que Rossell e o Catar podem ter trabalhado juntos na candidatura. Isso é “problemático, tendo em vista a conduta questionável do Sr. Rossell”, o que inclui uma transferência bancária de 2 milhões de dólares para a filha de Ricardo Teixeira. Blecher contou para os investigadores que isso foi feito para evadir certas implicações fiscais na negociação de um imóvel privado envolvendo Rossell e Teixeira. O relatório observa que não há documentação ligando a transferência bancária à candidatura do Catar para 2022, mas dado que Rossell era uma autoridade do meio futebolístico na época desses eventos todos, “medidas investigativas pertinentes serão tomadas”.

As bolas japonesas de 1.200 dólares (e outros mimos)

Durante as eleições para 2018 e 2022, a FIFA estipulou uma regra contra presentes caros para membros do comitê executivo. Pouquíssimos candidatos obedeceram.
Em suma, a regra da FIFA estabelecia que os candidatos poderiam dar somente “presentes ocasionais de valor simbólico ou incidental”. Com isso em mente, eis o que o relatório revelou sobre a candidatura do Japão (graças à cooperação da equipe candidata com os investigadores, incluindo o fornecimento das notas fiscais para todos os itens abaixo):

  • uma bola de madeira feita de cedro japonês, avaliada em 1.200 dólares, foi presenteada a Blatter e aos membros do comitê executivo Hany Abo Rida, Amos Adamu, Jacques Anouma, Franz Beckenbauer, Julio Grondona, Issa Hayatou, Nicolas Leoz, Worawi Makudi, Michel Platini, Rafael Salguero, Ricardo Teixeira e Angel Maria Villar Llona;

  • um pingente de aproximadamente mil dólares foi presenteado às esposas de Grondona, Leoz e Teixeira;

  • um pingente mais barato, de 700 dólares, foi presenteado às esposas de Beckenbauer, Michel D’Hooghe, Hayatou, Marios Lefkaritis, Makudi, Geoff Thompson e Platini;

  • e uma câmera digital de 1.200 dólares foi presenteada a Chuck Blazer, Grondona, Hayatou, Leoz, Platini, Teixeira, Temarii, Thompson e Jack Warner.

Se considerarmos o quadro geral, essa não é a revelação mais importante do relatório. Contudo, quando os investigadores questionaram os membros do comitê executivo sobre os presentes, as respostas revelaram descaramento total.

Jacques Anouma, antigo membro marfinense do comitê executivo, contou para os investigadores que se lembrava de ter recebido “uns presentinhos”, mas “nada” com a intenção de influenciar seu voto. Temarii comentou qualquer coisa sobre um “trofeuzinho de madeira” (ele se referia à peça japonesa de madeira, de 1.200 dólares), mas não se lembrava da câmera digital de 1.200 dólares. Makudi contou que ganhou uma “bola japonesa”, conforme descreveu, mas não disse nada sobre o pingente que a esposa ganhou.

O relatório conclui que “há várias explicações possíveis para as declarações dos membros do comitê executivo, todas elas problemáticas”. A explicação mais convincente, para mim, é a última da lista do relatório: “talvez alguns ou todos os membros do Comitê Executivo tenham se esquecido dos presentes que receberam quatro anos atrás. Nesse caso, o recebimento dos itens em questão não representa algo fora do comum e não deixou marcas duradouras.”

Imagine como deve ser o estilo de vida de alguém assim, que não se lembra de visitar o Japão para estudar uma candidatura à Copa do Mundo e receber uma peça de madeira de 1.200 dólares, uma câmera de 1.000 e/ou um pingente de 700 para a esposa. Imagine só alguém que considera quase 3.000 dólares em presentes um “valor simbólico ou incidental”. Pare e pense nisso um segundinho e tudo que envolve a FIFA fará sentido.