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Não, um guionista da “Rua Sésamo” não disse que “Egas e Becas” são um casal gay

Este artigo foi originalmente publicado na VICE USA.

No último domingo, 16 de Setembro, o website LGBTQ Queerty publicou uma entrevista a Mark Saltzman, um ex-escritor da série Rua Sésamo, que teve uma vida fascinante e tem grandes histórias para contar – sobre o programa, sobre ser um homem gay nos anos 80 e sobre a sua relação, outrora secreta, com o realizador Arnold Glassman. É uma óptima leitura, mas as pessoas focaram-se especialmente neste bocadinho:

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Na sala de guionistas, eram todos adultos. Pensavam em Egas e Begas [Bert & Ernie na versão original] como sendo um casal gay? Essa questão alguma vez foi debatida?

Lembro-me de, uma vez, ter saído numa coluna no The San Francisco Chronicle a história de uma criança em idade pré-escolar que perguntou à mãe: “O Egas e o Becas são amantes?” E isto, vindo de uma criança do infantário, foi engraçado. E isso sim lemos todos, rimo-nos e seguimos em frente. Eu sempre senti, mas sem segundas intenções, que quando escrevia para Egas & Becas, eles eram um casal. Pessoalmente, não tinha outra forma de os contextualizar. Para além disso, mais de uma pessoa se referia a mim e a Arnold como “Bert & Ernie”.

Uns dias depois de ser publicada, a entrevista explodiu na Internet, com dezenas de sites de entretenimento a declararem que Saltzman tinha dito que Egas e Becas eram um casal gay. Pouco depois, o twitter oficial da Rua Sésamo entrou no debate para dizer, basicamente: não, não são.

Mas, apesar de o Queerty ter tentado “virar” a entrevista como sendo a “resposta” à “pergunta” se Egas e Becas eram um casal gay no título do artigo, Saltzman não disse realmente o que toda a gente anda a dizer que ele disse. Ele alimentou-se da sua própria relação para escrever os personagens e, tal como muitas pessoas, pessoalmente pensava neles como sendo gay, mas era só isso que ele estava a comentar – como é que ele os via, não como eles eram de facto no guião e no ecrã (o Twitter, sim, esteve bem quando recompilou um “momento” chamado “escritor de Rua Sésamo diz que pensa em Egas & Becas como um casal gay”).

Claro que Egas e Becas se tornaram quase ícones gay ao longo dos anos, mas não foram concebidos como personagens gay e, assumir que eles o eram realmente, acaba por dar à Rua Sésamo – um programa de televisão extremamente progressista e inclusivo em muitas coisas – mais mérito do que realmente merece. Noutra parte da entrevista, Saltzman conta como tentou convencer o chefe a incluir histórias gay durante a crise do HIV. “Lembro-me de fazer um pitch de conteúdo gay ao departamento de educação, os guardiões do curriculum, para limpar a minha consciência”, diz. E salienta: “E lembro-me de a resposta ter sido tal, que me apercebi que era uma causa perdida”. Mais adiante na entrevista, acrescenta: “E, por ser sempre diversidade, diversidade, é uma pena que a Rua Sésamo não estivesse na linha da frente”.

Se calhar, a dada altura, a Rua Sésamo devia ter feito Egas e Becas um casal gay. Mas não. Em vez disso, decidiram fazê-los amigos assexuados. O lendário Frank Oz, criador das personagens, defendeu no Twitter uma tese bastante imparcial:

Esta publicação deu azo a um efeito ricochete de gente a dizer que Oz estava a minimizar as experiências dos homossexuais e a ignorar o que Egas e Becas significavam para os espectadores. Graças, em parte, à escrita de Saltzman, Egas e Becas tiveram um papel, ainda que subtil, no espalhar da aceitação de relações entre pessoas do mesmo sexo. Ao mesmo tempo, nunca foram verdadeiramente homossexuais, pelo menos não na medida em que marionetas de televisão possam ser verdadeiramente o que quer que seja.


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