Nas ondas da Praia do Norte, as equipas de segurança também são gigantes

Este artigo foi originalmente publicado no JORNAL DE LEIRIA e a sua partilha resulta de uma parceria com a VICE Portugal.

Hugo Vau é o único português nomeado para a maior onda do Mundo em 2017, mas, neste texto, falamos dele por causa da equipa que forma com Garrett McNamara e da mota-de-água que conduz quando o havaiano está no mar, em Portugal. A técnica que permite cavalgar as vagas monstruosas da Praia do Norte, provavelmente as mais perigosas do mundo, chama-se tow in. Por cada surfista, um piloto, que o reboca até à crista da onda e resgata no fim da viagem.

Videos by VICE

Além de Hugo Vau, que vive nos Açores, mas passa boa parte do ano na Nazaré, Garrett McNamara confia a segurança a um segundo piloto, também ele surfista, o britânico Andrew Cotton. São apoiados, a partir de terra, por dois spotters instalados no Forte de S. Miguel, habitualmente Nicole Macias (a namorada de Garrett) e outro colaborador, que têm a missão de chamar para as melhores ondas que vêem formar-se no horizonte e de ajudar a localizar o surfista, quando este cai à água. Tudo via rádio.


Vê também: “Surfar às cegas: um treinador muito especial


Agora que a temporada de Inverno já lá vai, ficam as nomeações para os Big Wave Awards: 4 ondas surfadas na Praia do Norte, incluindo Hugo Vau, em 5 finalistas na categoria XXL, reservada às maiores entre as maiores, dão uma ideia dos perigos que os surfistas ali enfrentam. Cabe aos pilotos das motas-de-água resgatá-los da escuridão do oceano e devolver-lhes a esperança à superfície.

“Ponho a minha vida em risco, para os tirar de uma situação de perigo, e no fundo é essa confiança que nos dá alguma segurança e nos faz ter conforto para arriscar”, afirma Hugo Vau, explicando o que está em causa quando se dá o peito aos disparos do canhão da Nazaré, o desfiladeiro submarino que amplia a agitação do mar. “Um erro aqui paga-se muito caro e tem três tipos de custo: o primeiro custo, que é o que menos interessa, é o material, uma prancha partida ou uma mota afundada, depois o segundo custo é uma lesão grave ou mesmo irreversível, e o terceiro é pagar com a vida”.

Há pelo menos dois casos em que os surfistas perderam os sentidos e foram retirados da água já inconscientes. Maya Gabeira em 2013 e, este ano, no mês de Fevereiro, outro atleta. Quando são sovados na Praia do Norte, entram noutra dimensão, da qual é difícil escapar. “É como se estivéssemos nas mãos de um gigante, que nos está a apertar e a torcer, e sentimos a pressão das mãos desse gigante em todo o milímetro quadrado do nosso corpo”, descreve Hugo Vau. “Parece que estamos a ser completamente esmagados, torcidos. A água aqui tem muita areia, uma pessoa quando abre os olhos é tudo completamente escuro e é uma viagem para o desconhecido, a pessoa nunca sabe se volta”.

Tudo acontece numa questão de segundos. No máximo “12 a 16 segundos” entre uma onda e outra, explica Hugo Vau. “E no momento em que se agarra o surfista temos sempre menos de 10 segundos para sair daquela situação. Às vezes são só dois ou três, às vezes somos engolidos pela espuma e conseguimos sair e às vezes somos engolidos pela espuma e não conseguimos. Faz parte do jogo”, descreve.

A par do treino físico e mental, fundamental, tal como as pranchas e fatos especiais, o respeito pelo mar é a primeira condição para sobreviver. Depois, importa a capacidade para dissipar a ansiedade e o medo, e transformar as emoções negativas em foco e concentração. Finalmente, faz falta coragem, sangue-frio, conhecimento do lugar e jeito para decidir bem na hora, sublinha Éric Rebière, que faz a segurança do surfista alemão Sebastien Steudner na Praia do Norte. “Temos de fazer o máximo possível para o encontrar o mais rápido possível. Não é fácil. Se ele está na zona de impacto, com ondas de 20 metros, são momentos tensos. Estamos lutando contra a natureza para salvar a vida de uma pessoa que depende de nós. Deixa-te bastante nervoso, são segundos eternos”, reconhece.

Éric, que nasceu no Brasil e vive na Galiza, já correu mundo em cima da prancha de surf, a desafiar as maiores vagas. Mas agora, por causa dos filhos, não se mete em avarias. Quando o mar está gigante, fica na mota-de-água, a garantir a segurança de Steudner. E garante que como a Nazaré não há mais nada: “Muitas pessoas experientes em várias ondas do mundo chegam ali e falam meu deus eu não quero chegar nem perto. A diferença da Praia do Norte para qualquer outro lugar de onda grande no mundo é que, como é uma praia, o risco de resgate, como o risco de desaparecer o surfista, é muito grande, porque não tem nenhuma zona de água parada”, argumenta.

Mais do que a fama, ou um novo recorde, a recompensa são os momentos vividos no mar. “É uma sensação indescritível, são segundos que ficam marcados para a vida”, afirma Hugo Vau.

“Acaba por ser quase uma honra e uma bênção, a pessoa ter a possibilidade de apanhar uma onda que viajou dois ou três mil quilómetros a atravessar um oceano. E nós estamos em conexão com essa onda nos últimos segundos da sua existência, e vamos fazer com que nunca desapareça, pelo menos da nossa memória. Portanto estamos quase a imortalizar essa manifestação tão única e tão pura da natureza”.

No próximo Outono regressa a temporada de ondas gigantes da Praia do Norte. Até lá, está tudo sintonizado nos Big Wave Awards, os prémios mais importantes do circuito de ondas grandes, da World Surf League, a divulgar já no próximo 20 de Abril, em que o domínio da Nazaré é avassalador: 11 nomeações em 40 possíveis. Só para os mais corajosos.

Surfistas retirados do mar inanimados

Em 2013, o acidente da surfista Maya Gabeira tornou reais os riscos que a Praia do Norte representa quando os surfistas desafiam as maiores ondas do ano. Hugo Vau recorda que a brasileira ficou presa no footstrap, dispositivo que prende os pés nas pranchas, o que lhe provocou uma fractura. “Depois disso veio a levar com oito ou nove ondas gigantes até chegar à areia”, descreve.

“Ainda estava consciente, mas, [com] a exaustão, quase em desespero agarrou a corda do reboque e ficou debaixo de água. O Carlos Burle acabou por resolver bem a situação, conseguiu resgatá-la e reanimá-la”. A brasileira, nascida em 1987 no Rio de Janeiro, já tinha vencido os Big Wave Awards por cinco vezes.

Equipa de apoio em acção. Foto via Jornal de Leiria, cortesia Câmara Municipal da Nazaré

Já em 2017, no mês de Fevereiro, outro incidente grave. Éric Rebière estava presente na Praia do Norte nesse dia e explica que o surfista foi atingido pela prancha depois de cair à água, escapando “por pouco” ao pior destino.

Retirado do mar com o auxílio de uma mota-de-água e reanimado na praia, o atleta seria transportado para o hospital, de onde teve alta bem de saúde. O município da Nazaré emitiu depois um comunicado em que agradecia “a destreza” do brasileiro Alemão de Maresias no resgate “e a prontidão de resposta dos meios em terra”.


Hugo Vau

Nasceu em 1977 na Costa da Caparica e tem residência fixa nos Açores, onde mantém actividade na área da pesca e do turismo. Hugo Vau está há vários anos na equipa de segurança e resgate do norte-americano Garrett McNamara, com a missão de conduzir uma das motas-de-água.

Mas é também ele próprio um surfista de ondas grandes, com várias nomeações desde 2014 nos mais importantes prémios mundiais. Em 2017, é mesmo o único português finalista na categoria XXL dos Big Wave Awards da World Surf League. Graças a uma onda surfada na Praia do Norte, claro.

Éric Rebière

Atleta de elite, é o que se pode escrever sobre Éric Rebière. Nasceu no Brasil, viveu em França e reside actualmente na Galiza, Espanha. Pelo meio, correu os oceanos em cima de uma prancha de surf. Duas vezes campeão europeu, competiu também entre os melhores do mundo no circuito profissional da ASP.

Nos últimos anos, especializou-se em ondas gigantes. Nascido em 1978, integra, ao volante de uma mota-de-água, a equipa de segurança e resgate do surfista alemão Sebastian Steudner, presença habitual na Nazaré durante o inverno.

Cláudio Garcia é jornalista do JORNAL DE LEIRIA.