Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US.
Estamos vivendo a era da crise de ansiedade. Segundo estimativas mais conservadoras, cerca de 20% dos norte-americanos sofrem de transtorno de ansiedade e mais ainda experimentam ataques de ansiedade em algum ponto da vida. Existe até uma economia própria para ajudar as pessoas a se acalmarem. Nos últimos 80 anos, os norte-americanos se tornaram mais e mais ansiosos — sobre trabalhar ou não, sobre mandar mensagens de textos ou não, sobre viver e morrer e tudo no meio disso.
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Mas na verdade, nosso cérebro sempre foi impulsionado pelo medo, segundo Dean Burnett, neurocientista e autor de Idiot Brain: WhatYour Head Is Really Up To. O livro, lançado nos EUA no final de julho, é um passeio estilo Osmose Jones pelo cérebro humano: aqui, à esquerda, você tem a razão para o nosso cérebro sentir enjoo num barco. Aqui, a razão por que você lembra de informações suficientes sobre a pessoa para escrever o verbete dela na Wikipédia mas esqueceu o nome dela. E aqui, a razão por que cantar num videokê num bar coloca algumas pessoas à beira de um ataque de pânico.
Falei por Skype com Burnett de sua casa em Cardiff, no País de Gales, sobre como o nosso cérebro evoluiu para ter medo de tudo — e por que, na era moderna, isso está criando uma verdadeira epidemia de ansiedade.
VICE: Por que nosso cérebro é tão predisposto a ter medo?
Dean Burnett: Você tem que pensar que o cérebro evoluiu durante milhões de anos. A tendência de ter medo de qualquer coisa incomum soa paranoia para os padrões modernos, mas é algo muito bom no sentido evolutivo. Um galho se partindo na floresta ou uma sombra se aproximando pode ser, para uma criatura mais simples, uma ameaça ou um predador real. Então um sistema consciente ou inconsciente que está sempre dizendo “O que é isso? É perigoso? E aquilo? É perigoso?” é uma boa estratégia de sobrevivência.
Com o tempo, o cérebro evoluiu para manter esse nível de apreensão e alerta. Temos um sistema de detecção de ameaças que usa as informações sensoriais e rotula qualquer coisa incomum, desconhecida ou potencialmente perigosa, baseado em memórias e instinto biológico, como assustadora. Foi isso que nos manteve vivos por milhões de anos. Mas nos tornamos tão sofisticados que dominamos nosso meio ambiente. E agora ele funciona em exagero.
“Na natureza, quem é rejeitado geralmente morre logo. Então somos muito conscientes do julgamento dos outros sobre nós.”
Certo. Então não existe uma boa razão para eu ter medo de insetos, mas tenho. Você também menciona como algumas pessoas têm muito medo de cantar no palco de um karaokê — o que, pensando bem, é idiotice.
Eu realmente não gosto de falar no telefone. Se estou discando para alguém, sinto que vou incomodar a pessoa, e isso me desanima de ligar. Ansiedade social é o tipo mais comum de fobia, porque há muitas maneiras disso se manifestar. Não parece um mecanismo evoluído, mas é. Humanos são criaturas tribais muito sociais. Evoluímos em comunidades muito unidas, o que é uma força evolutiva. Quando estamos trabalhando juntos, podemos competir contra qualquer outro animal. Podemos viver juntos em cidades gigantescas, com milhões de pessoas vivendo umas sobre as outras, como no Cairo ou Deli. Mesmo insetos não conseguem rivalizar com esse nível de densidade populacional sem se matar.
Na natureza, quem é rejeitado geralmente morre logo. Então somos muito conscientes do julgamento dos outros sobre nós. A ideia de ser envergonhado ou rejeitado — mesmo que apenas cantando num karaokê — o cérebro não gosta dessa ideia. Pense nos Hells Angels: eles rejeitaram as regras da sociedade, mas todos se vestem do mesmo jeito. Então eles ainda têm uma forte compulsão por ser parte de um grupo, porque o incentivo dos colegas é algo que o cérebro gosta muito. Qualquer coisa que coloque isso em risco é desagradável para o cérebro.
Como o cérebro reconcilia alguma coisa que sabemos que não devemos temer mas que temos medo mesmo assim?
Bom, em se tratando de fobias reais, isso é por definição um medo irracional. Você pode ter medo de palhaços e também saber que um palhaço não vai sair de um boeiro e te matar. Não é isso que os palhaços geralmente fazem, fora dos livros do Stephen King. Então se você vê um palhaço e nada de ruim acontece, o cérebro deveria aprender: “Eu vi um palhaço, nada aconteceu, então palhaços não são assustadores”. Mas como já existe uma ligação com o medo, você tem a resposta de fuga ou luta. O cérebro se enche de adrenalina; você treme e fica tenso, e o seu coração dispara. Há uma resposta física forte quando você tem medo, e ela não é agradável. Então o cérebro associa encontrar a coisa de que você tem medo com essa resposta, o que faz o cérebro pensar que o medo é justificável. É um sistema de feedback que só intensifica a ansiedade.
Eita. E como você supera isso?
Dessensibilização sistemática é um jeito. Esse tipo de terapia te apresenta gradualmente à coisa de que você tem medo, assim seu cérebro não dispara a resposta de fuga e luta. Se você tem medo de aranhas, [um terapeuta] poderia te mostrar uma foto pequena de uma aranha. Aí uma aranha de plástico. Depois um vídeo de uma aranha viva, uma pequena aranha numa caixa, depois uma caixa com tarântulas, até você chegar a segurar uma aranha viva. Você fica no seu nível máximo de stress mas por pouco não chega à resposta de fuga ou luta.
“As coisas hoje são tão complexas que não é mais uma questão de sobreviver ou encontrar alimento suficiente, mas sobre progredir na carreira, ser apreciado pelos amigos ou até ter seguidores suficientes no Twitter — coisas com que as pessoas se importam agora e de que podem acabar tendo medo.“
Isso faz muito sentido para um meio ambiente primitivo e ameaçador. Mas como essa inclinação para o medo se encaixa no mundo moderno?
Bom, o problema é o nosso ambiente atual. Somos capazes de muitos pensamentos abstratos como planejar, imaginar, racionalizar, fazer previsões — e tudo isso pode desencadear nossa resposta de medo. Por exemplo, muitas pessoas têm medo de perder o emprego, principalmente se você ouve falar em crise econômica. Isso não é algo que te ameaça fisicamente — não há ameaça de morte ou ferimento, e não há garantia de que isso vai realmente acontecer, mas, ainda assim, as pessoas têm muito medo. Podemos extrapolar até a extensão que essas previsões loucas disparam o mesmo tipo de resposta de medo que uma ameaça física real.
As coisas hoje são tão complexas que não é mais uma questão de sobreviver ou encontrar alimento suficiente, mas sobre progredir na carreira, ser apreciado pelos amigos ou até ter seguidores suficientes no Twitter — coisas com que as pessoas se importam agora e de que podem acabar tendo medo. Há tantas coisas com que se preocupar que estamos constantemente preocupados.
Então a sobrecarga de informação se tornou uma sobrecarga de ansiedade?
Exatamente. O mundo moderno oferece muita informação. Especialmente com a internet, e parece que o mundo está cada vez pior, apesar de estatisticamente estar melhorando. Agora que temos muito mais exposição a outras pessoas e coisas acontecendo no mundo, achamos que as coisas estão indo mal.
No livro, você descreve ataques de pânico como “o cérebro cortando o intermediário e induzindo reações de medo na ausência de qualquer causa real”. Há uma razão evolucionária para isso?
O cérebro não evoluiu para fazer as coisas que faz para um propósito específico. É mais uma consequência da maneira como ele se arranjou. As pessoas perguntam: “Por que o cérebro tem dois hemisférios?” e não há um motivo real; isso aconteceu por acaso. A evolução não acontece porque essa é a melhor opção; é só uma questão do que faz o trabalho bem o suficiente.
Com os ataques de pânico há muitas teorias: isso pode começar com uma tendência forte para fobias. Você pode ter um sistema de resposta de medo superdesenvolvido, ou talvez uma parte subdesenvolvida do cérebro, como o córtex pré-frontal, que anula as respostas mais básicas e poderia suprimir uma resposta de medo. Pode ser uma experiência traumática que te dá uma memória terrível [e induz um ataque de pânico]. Ou pode ser um glitch numa área do cérebro onde, se você já é propenso à resposta de medo, você não precisa de nada específico para desencadear o ataque devido à química do próprio cérebro. Parece que o que estou dizendo que o cérebro dá um tiro no próprio pé, mas obviamente é mais complexo que isso. Mas basicamente, não há uma razão real para ataques de pânico. Eles não servem um propósito. Eles acontecem quando o sistema de medo se torna imprevisível e não associado com um gatilho ou resposta real de medo.
“[Na internet] tem pessoas constantemente desnudando suas neuroses. Se mais alguém chegou a essas conclusões e seu cérebro as aceita até certo ponto, com o tempo isso pode criar uma ansiedade de nível baixo.”
Parece que muito mais gente está sofrendo de transtornos de ansiedade e ataques de pânico que, digamos, 50 anos atrás. A ansiedade é socialmente contagiosa?
Há potencial para isso, sim. Absorvemos tanta coisa das outras pessoas. É por isso que você tem algo como uma mentalidade de bando. Alguns anos atrás, houve uma revolta em Londres onde um garoto jogou um extintor de um telhado. Isso podia ter matado alguém. Ele não teria feito isso de outro jeito, mas como estava entre um grupo descontrolado, ele se tornou parte do bando. Então se você está constantemente experimentando pessoas expressando ansiedade, quer concorde logicamente com isso ou não, seu cérebro subconscientemente armazena essas informações. Isso é especialmente verdade com a internet, onde você tem pessoas constantemente desnudando suas neuroses. Se mais alguém chegou a essas conclusões e seu cérebro as aceita até certo ponto, com o tempo isso pode criar uma ansiedade de nível baixo.
Se nosso cérebro evoluiu para temer, você acha que é possível que ele evolua para relaxar?
Dizer que ele pode evoluir assim é difícil. A evolução leva muito tempo, especialmente com algo que não te mata, e ansiedade não é necessariamente uma coisa que vai te matar. Mas o cérebro é muito bom em se acostumar com coisas. É a chamada habituação. Tudo que é constante e confiável, o cérebro para de prestar atenção ou de dar peso a isso. Por exemplo, soldados conseguem dormir em zonas de guerra. Se eu ou você caíssemos numa zona de guerra agora, estaríamos em pânico constante. Então se chegarmos a um ponto onde o ritmo da tecnologia se torne mais consistente, posso ver um mundo no qual vamos nos acostumar, e as coisas que nos dão ansiedade hoje não serão mais um problema.
Enquanto isso, o que as pessoas podem fazer para deixar o cérebro menos ansioso?
Cada cérebro é tão diferente do outro que dar uma solução geral não ajuda muito. Mas a resposta é óbvia: se algo está te perturbando ou assustando, então se desassocie disso por um tempo. Algumas pessoas dizem que ler o feed do Twitter ou Facebook as deixa deprimidas; bom, se esse é o caso, saia das redes sociais por um tempo. O cérebro também se estressa com a perda do controle — real ou imaginária. É daí que vêm as superstições. Elas te dão a ilusão de estar no controle do mundo. Então faça alguma coisa que te dê a sensação de estar no controle de novo.
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