Eu sempre achei que o brasileiro só se liga em política em época de eleição, e esquece totalmente dos políticos até a próxima eleição. Bem, talvez no geral seja assim mesmo, mas desde a última e disputadíssima eleição presidencial o clima de não relaxou. Pelo contrário, se acirrou ainda mais, mostrando um Brasil altamente polarizado, entre a esquerda da situação e a direita da oposição. Um cenário pra lá de curioso que tem rendido mil tretas, infelizmente não só na internet mas também nas ruas em vários episódios lamentáveis como num asqueroso estupro ocorrido no meu alvinegro bairro de Botafogo.
Punhos e teclas tocam a patrulha ideológica que sustentam essa polarização, e tudo vem ficado cada vez mais complicado para todos os lados.
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No dia da execução do Marco Archer, eu comentei pelo fêici que o governo brasileiro não ia fazer porra nenhuma porque aqui temos uma politica antidrogas tão mau parida quanto a da Indonésia. Mas foi só eu reclamar do “governo” pra brotar um monte de amigos enchendo o saco falando que Lula isso e Dilma aquilo, sem entender que minha crítica foi ao estado policial em que vivemos onde o crime de tráfico de drogas é um dos que mais encarcera no país. Embora por aqui não tenhamos pena de morte na teoria, na prática somos campeões mundiais de autos de resistências e execuções. Porra, essa galera não se toca que quem manda nesta porra desde pelo menos 1985 é o PMDB?
Mas o que que isso tem a ver com o aumento das tarifas? Se segura que eu já chego lá. Lembremos que, diferentemente de São Paulo, em 2013 o Rio de Janeiro estava recebendo a Copa das Confederações, o test-drive da Copa do Mundo, e que para entregarem o Maraca pro evento, eles tiveram de desocupar a Aldeia Maracanã. Nesse doloroso processo, índios, punks, anarquistas, estudantes, militantes partidários e até um deputado sentiram juntos o bafo de pimenta e ácido dos novos brinquedos “menos letais” da polícia do Cabral. Quando as Jornadas de Junho chegaram o povo já estava muito de saco cheio e botou pra quebrar, e enquanto em SP o coxismo verde-e-amarelo deu uma esfriada no movimento depois do dia 20 de Junho, o Rio de Janeiro ficou pintado de vermelho e preto e não foi por causa do Flamengo. Na sequência houve a visita do Papa, a ocupação na Câmara Municipal e todo o movimento “Fora Cabral”. As escandalosas denúncias de corrupção do governador Cabral sustentaram o apoio popular e midiático ao movimento até um morteiro arremessado por manifestantes matar o cinegrafista da Band, Santiago Andrade. Em tempo recorde, Fábio Raposo e Caio Silva foram caçados, presos, julgados e condenados, o movimento todo deu uma enfraquecida e quando ameaçou uma retomada durante a Copa do Mundo, mais de 20 manifestantes foram presos preventivamente às vésperas da final por supostamente estarem planejando um atentado violento. Uma delas, Eloisa Quadros, a Sininho, foi presa a 1500km do estádio.
Voltando ao aumento das tarifas… Um quarto ato foi marcado para às 17h em frente ao Tribunal de Justiça, onde desde às 14h, eram julgados os 23 réus acusados por articular protestos violentos. Três deles estão presos. Fabio e Caio condenados no processo pelo homicídio do cinegrafista da Band, o outro é Igor Mendes, que junto da Sininho, e Karlyne Moraes, a Moa, teria desrespeitado as medidas cautelares de seus habeas corpus ao comparecer a uma manifestação. Sininho e Moa estão foragidas desde então, enquanto os demais 18 ativistas respondem em liberdade.
O ato saiu pela Primeiro de Março, devidamente envelopado pela PM, contornou a Igreja da Candelária e desceu a Rio Branco, trazendo à sua frente uma faixa pedindo a liberdade dos presos, assinada pelo MEPR (Movimento Estudantil Popular Revolucionário, grupo do qual Igor Mendes faz parte, que levanta bandeiras vermelhas e cita Lenin, Stalin e Mao em seu site).
Achei o maluco da gaita de fole, que não fotografei no último ato. Novamente ele tocava “A Las Barricadas”.
O ato estava menor que os anteriores, pelo menos a metade. Senti falta de faixas da FIP (Frente Independente Popular), OATL (Organização Anarquista Terra e Liberdade) e outros grupos anarquistas, mas pude identificar algum punhado de militantes anarcos e BBs à frente do ato junto da galera do MEPR. Atrás viam bandeiras de partidos e coletivos como o R.U.A. e o “Vamos à Luta”.
O bloco todo ia seguindo em impecável harmonia e evolução, cercado por uma corda humana de PMs, entoando desde as palavras de ordem clássicas a adaptações em ritmo de funk. Quando a manifestação alcançou a Cinelândia, a ala da esquerda radical que puxava o bonde resolveu virar na Rua Araújo Porto Alegre em direção à Av. Primeiro de Março, onde fica o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Enquanto isso, a ala dos partidos empacou, quebrou a corrente e começou a se dirigir em direção à praça, sob o coro de “pelegos” da rapaziada que queria seguir rumo ao TJRJ.
Foi inevitável lembrar do dia 17 de junho de 2013, quando naquela mesma esquina, anarquistas seguiram para o confronto com a PM na ALERJ enquanto o resto do pessoal tocava seu carnaval na Cinelândia.
Como sempre, tinha polícia pra cacete.
Enquanto fechavam o trânsito o pessoal gritava “Ô motorista, ô trocador, me diz aê se seu salário aumentou!”. Um motorista (ou trocador) desceu do seu busão pra dizer que não.
A essa altura a galera dos partidos já tinha ido pra praça, e ocupavam os degraus da Câmara de Vereadores.
Uma galera continuou fechando a Av. Rio Branco, alguns deitaram no asfalto enquanto aguardavam a esperada saída rumo ao TJ.
Após um tempo bloqueando a rua, a galera mais radical acabou recuando para a Cinelândia.
Lá eles ficaram encarando a galera dos partidos por um tempo, cantando “Eleição é farsa, não muda nada não, o povo organizado vai fazer revolução”.
Uma galera dos partidos até puxou o coro “Presos políticos, liberdade já, lutar não é crime, liberdade já!”, mas quando foi puxado o bonde rumo ao TJ, não vi ninguém dessa ala embarcar.
A operação reuniu pelo menos 600 policiais, e segundo a PMERJ, apenas 180 manifestantes. Nas minhas contas, tinham uns 500 manifestantes no início, e uns 200 após o “Racha”.
No caminho rumo ao TJ uma mina de biquíni ficava à frente do cordão da PM, dizendo tentar organizá-los, porque “harmonia e evolução são muito importantes”. Notei que ela carregava um spray e perguntei se era lança-perfume, ela respondeu que aquilo poderia ser uma arma de destruição em massa. Na hora eu lembrei do Rafael Braga, encarcerado desde 2013 por portar um “molotov” de Pinho Sol. Acho que a ideia era essa.
Além de todos os PMs que nos escoltavam, já tinha um monte de viatura parada em frente ao fórum. Mal chegamos já chegaram uns carinhas da Choque preparando as armas “menos letais” e olhando feio pra galera.
A porta dos fundos, por onde saem os réus do processo, também estava vigiada por seguranças, tartarugas ninja, e até um PM com aquele veículo de guardinha de shopping.
Enquanto o ato em frente ao fórum miava, de pouco a pouco, manifestantes iam se dirigindo para a porta dos fundos, permanecendo a uma distância respeitosa para aguardar a saída dos réus. Por volta das 21h30 eles começaram a sair. Como a liberdade condicional dos réus os proíbe de participar de manifestações, eles se reservavam a mandar um salve enquanto a galera entoava coros como “Ir ao combate sem temer, ousar lutar, ousar vencer”.
É claro que seria ridículo alguém ser preso por “participar” de um ato pela sua liberdade na saída de seu julgamento. Mas mesmo assim toda cautela é pouca, e no máximo rolaram uns abraços. Aliás, tirar uma foto dessas na real é um tremendo risco ou vacilo, mas acho que a esta altura o processo está tão surreal que prender mais gente por uma foto dessas está fora de questão.
A maioria dos acusados são professores de segundo ou terceiro grau, havendo também estudantes, uma jornalista e uma advogada. Eles vêm de militâncias e ideologias distintas e a maioria não se conhecia até as prisões.
O processo, com milhares de páginas é construído em cima de transcrições de conversa via telefone, sms, Facebook, WhatsApp e Telegram. Elas incluem também testemunhos de um infiltrado (que segundo minhas fontes curtiu bastante o astral de amor e drogas livres das ocupações antes de entregar geral) e o ex-peguete de uma das réus, que parece não ter entendido o amor livre e reagiu da pior maneira que um dito “corno” pode agir. Essas informações foram então costuradas num quebra-cabeças insano e uma das estratégias da defesa tem sido trazer testemunhas citadas nessas escutas para explicar as situações transcritas e ir desconstruindo as acusações.
O último a deixar o fórum foi o Dr. Marino D’Icarahy, debaixo do coro “Servir ao povo de todo coração, tropa de choque da revolução”. Acompanhado de sua equipe e puxando um carrinho com o pesado processo, ele foi otimista e declarou que “hoje ganhamos de 7×1”.