O Alexandrino obrigou-nos a ir falar com ele outra vez

Acreditar não é saber. É este argumento que o professor Alexandrino repete vezes sem conta, enquanto manda a religião para o caralho. Encontrei-me com ele num café próximo da Igreja de São João de Brito, em Alvalade, para tentar perceber o que vai na cabeça deste ex-bruxo. Por favor, não acredites nesta entrevista.



VICE: Por que é que é rejeitas a religião?
Alexandrino: Eu não rejeito a religião. Rejeito a crença. Não quero ser crente de coisa alguma.

Mas porquê?
Porque acreditar não é saber. Ensinei novas tecnologias na Escola António Arroio. E, uma vez, a subir a escadaria, ia uma miúda com umas trancinhas à pipi, a dizer para outro: “Pá, vive sem confiança nem desconfiança. Porque é que acreditas? Não acredites. Vive noutro propósito. Não se pode ficar condicionado só em acreditar e não acreditar.” E eu fiquei com isto na cabeça. Por que é que se há-de ficar só numa perspectiva de acreditar ou não acreditar?

Foi esse episódio que deu origem à tua ideia?
Sim.

Mas houve alguma altura em que tivesses sido católico, ou budista?
Sim, fui católico. Andei nesta igreja [aponta na direcção da S. João de Brito] na catequese. 

Curioso.
Fui crismado, fui padrinho de crisma de umas 18 pessoas; fui baptizado, fui padrinho de baptismo de umas 14 pessoas… Ia a Fátima, os meus pais iam a Fátima com muita frequência. Mas também iam a sessões espíritas. Portanto, a pessoa quando crê, é por osmose: vai atrás de tudo o que crê. 

Mas tu acreditavas?
Nessa altura, acreditava. Quando tinha 16 anos, acabei um curso industrial e tive de fazer um estágio. O meu mestre na oficina para onde fui fazer o estágio era jeová. Mas era uma excelente pessoa. Então, convidava-me a ir, de noite, para os bairros de lata, para praticar o testemunho da Bíblia. E sempre fui com ele, mas nunca acreditei em nada.

Hm.
Quando a miúda disse à outra para viver sem acreditar, eu vivia, nessa altura, com uma psiquiatra, que era chefe de serviços no Júlio de Matos. Tinha problemas de relacionamento com ela. Comecei a bater mal.

Foi esse o tal desgosto de amor que tiveste?
Essa é a mulher do desgosto.

Isso esteve relacionado com o teu afastamento da religião?
Não, já tinha perdido a Igreja. Eu próprio me obrigava, com 14/15 anos, a pensar sempre no conteúdo do terço enquanto rezava. Se eu chegasse quase ao fim e desse por mim a pensar noutra coisa que não fosse o terço, obrigava-me a rezá-lo do princípio. Até que percebi que aquilo que estava a dizer era uma grandessíssima… Estava a bajular os deuses.

Foste-te afastando da religião?
Ainda tive um casamento pela igreja.

Casaste mesmo pela igreja?
Sim. Tenho três filhos.

Tiveste uma namorada testemunha de jeová, não foi?
Sim. Achei interessante mergulhar a fundo dentro dos salões dos jeovás. Sou um estudioso da área e tenho de aprofundar tudo. E, então, fui viver com a brasileira. Ela dançava samba ao vivo na minha casa, assim com os pezinhos… Epa, um gajo, quando é pobre, se não pode ir ver ao Brasil, pelo menos tem o Carnaval ao vivo, em casa.

Tens um Carnaval só para ti, não é? Até ajudas à festa!
Ya [risos].

E ali não há matrafonas!
Pois. Não precisa de esconder nada, ‘tá toda nua [risos]. Mas os jeovás são uns cabrões que andam para aí. Eu ia lá a casa pregar duas vezes por semana e, depois, íamos ouvi-los ao salão, ao Domingo, em Sintra. E os gajos pregavam que o mundo ia acabar, aproveitavam as notícias todas… Os gajos que estavam no salão é que iam ser salvos; os outros iam todos para o caralho [risos].


O Alexandrino de costas voltadas para a igreja.

Quando eras católico, a Igreja não te ensinou nada?
Não, aquilo que a Igreja ensina é que a gente patine para o lado deles. Eles precisam é de clientes.

Consegues compreender por que motivo é que as pessoas se tornam religiosas?
É por ignorância! Já fiz duas capelas, como escultor. Fizeram uma capela e disseram-me: “Agora enche a capela. Faz daqui uma capela para casamentos. Põe santos, põe altar, põe aquela trapalhada toda.” E eu faço e ponho! E, por vezes, fabrico oratórias, para as pessoas irem rezar. E, ao fazer isto, crio um contra-senso.

Pois!
Posso ganhar um tostão com a crença dos outros, para depois ficar com dinheiro para combater a crença desses e de outros.

Mas, ao fazeres isso, estás a contribuir para que as pessoas continuem a acreditar!
Mas estou a granjear dinheiro para continuar a minha luta.

Estás a fazer dinheiro à conta da religião.
À conta da parvoeira, sim! Mas há tantos; sou mais um!

Só que não estás a combater aquilo que contestas.
Sim, mas, quando vendo uma oratória, digo à criatura: “Qual é o seu papel a rezar?” É como o papel daqueles fulanos que se estão a afogar e não sabem nadar. Tentam procurar a solidez na água e não conseguem. Um indivíduo a rezar é a mesma coisa.

Tentas abrir os olhos às pessoas enquanto lhes vendes aquilo que elas querem?
Depois de ter o dinheiro no bolso [risos]. E depois olham para aquilo como uma merda que compraram. Aprenderam uma lição, e eu sou professor.

Não me parece que eles tenham aprendido nenhuma lição…
Aprendem. Ficam com um desgosto sobre o oratório. Vou-te contar uma história. Já fabriquei santos. E, uma vez, fui às missões consolata, em Fátima, que, na altura, eram lideradas pelo padre Rossini. Propus-lhe que me comprasse dois modelos de imagens de Fátima, de 70 centímetros. Mas eu criei uma Fátima com um ar mais de mulher afegã. E, de vez em quando, ia a Fátima, com as novas formas de carinhas. E o padre punha-se a dizer para mim: “Ó senhor Alexandrino, você põe as mulheres com cara de prostituta, de lasciva!” Ele queria que eu fizesse a santa com aquela cara de senhora acabada de sair do instituto de beleza francês. E eu não conseguia! Punha-lhe os lábios muito grossos.

Não houve aí um bocadinho de provocação da tua parte?
Não, não, eu estava empenhado. Só que o padre dizia que eu punha a mulher muito sensual. Uma cara de lasciva, de sensual [risos]. Os cabrões é que… O padre, provavelmente, ouvia aquelas pessoas e sabia bem o que era uma gaja com cara de Senhora de Fátima. E eu não sabia. Até que acertei. E ele encomendou-me 400 imagens de cada. Só que, quando cheguei lá com a camioneta carregada, ele quis-me pagar metade. E eu carreguei-as e andei a vender pelas lojas restantes. Mas sou o dono do modelo. De maneira que posso pegar numas quantas santas e parti-las na rua com um machado. Fiz isso em frente ao CCB para chocar com os católicos, com os crentes, para que pensassem: “Afinal, aquilo é só um boneco.”

Foi mesmo por causa disso ou foi porque não as conseguiste vender?
Fiz porque é meu. Para pregar o “acreditar não é saber”. Houve uma altura em que estive vários dias em greve de fome em frente à televisão [antigas instalações da RTP], na 5 de Outubro. Estive lá a partir santas de Fátima com um machado e a descascá-las da cintura para baixo. Mas só os meus modelos! Fui a um programa de televisão no Herman, que era o “Jantar dos 13”, em que levei escondida, debaixo daqueles capotes de bruxo, uma santa de Fátima nua da cintura para baixo. 

Por que é que fizeste isso?
Para chocar as pessoas! Para pregar o “acreditar não é saber”!

Foste à TVI dizer que a Bíblia só servia para limpar o rabo…
É muito importante comunicar, acordar as pessoas.

Mas tens de explicar às pessoas porque é que a Bíblia é boa para limpar o rabo.
Não tenho! Eu também não me tenho preocupado em explicar tudo do princípio porque, há uns anos, não sabia tanto como sei hoje. Então, estive na 5 de Outubro, a protestar contra a missa ao domingo na televisão. Eu não queria!

Não percebo como é que consegues fazer dinheiro com a crença das pessoas.
É porque os outros acreditam. A mim, só me interessa o lucro.

Também podias vender a tua ideia.
Não é fácil. Porque a gente acorda as pessoas para serem verdadeiras, pelo menos, com elas mesmas, e as pessoas não querem, porque acreditar é muito cómodo. Ainda há pouco tempo, uma filha-da-puta de uma juíza, em Portimão, condenou-me, e fez um documento à convicção: “Eu condeno-o à convicção.” Eu sou condenado à convicção dela!

Uma ideia é uma ideia. Quando estás a dizer mal da religião, estás a dizer mal de uma ideia. Eles, se quiserem, também podem dizer mal da tua.
A ideia de Deus é uma merda.

Ok.
Mas Foram muito giros esses diálogos com o padre Rossini. Até lhe chamei filho-da-puta na cara [risos]! Pá, sou amigo de alguns padres. Sou amigo de um padre do Algarve. Quando morava no Algarve, fui uma vez a uma festa. E a minha mulher era uma “ganda” boazona. “Muita” linda, uma boca… E nós ficámos sentados na mesa do jantar, em frente a um padre com duas boazonas de cada lado. Um padre já velhote. Com duas gajas… Eia, boas para caralho! Ficámos amigos do padre, ele foi lá a casa… O padre, com aquela santidade dele, como a minha mulher percebia de computadores, disse: “Tenho um portátil. Se a senhora não se importasse, eu vinha aqui e a senhora ajudava-me a trabalhar com o computador.” Mais tarde, encontrei o padre e disse-lhe assim: “Ó ‘ganda’ filha-da-puta, tu querias era comer a minha mulher, não era [risos]?” E ficámos grandes amigos! Eu e o padre, às vezes, íamos jantar e falávamos de gajas. Do confessionário, e não sei quê, que era um espectáculo. Então, pela Páscoa e pelo Natal, as gajas faziam uma bicha para se confessarem e o gajo delirava com as histórias de confessionário! Até que ele um dia me disse: “Ó senhor Alexandrino, você anda aí com boazonas, as minhas galinhas já estão muito velhas; quando eu for a Lisboa, você arranja-me uma?” Então, arranjei-lhe ali uma puta em Benfica [risos].

O que achaste da renúncia do Papa?
Caguei no Papa. Até acho estranho andarem a comentar a renúncia. Pá, isso é tudo uma cambada de filhos-da-puta! Gordos, pá! Comem as mulheres…