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O ambientalismo precisa reconhecer seu histórico racista

Ecologie racisme

Quando eu era estudante na Columbia em Nova York havia duas grandes campanhas de desinvestimento no campus: uma para prisões privadas e outra para corporações de combustíveis fósseis. Apesar de compartilharem táticas e objetivos similares, seus participantes eram muito diferentes entre si. A primeira era liderada por estudantes negros. A segunda era predominantemente branca.

Um dos organizadores da campanha de desinvestimento de Columbia agora é um líder no Black Youth Project 100, uma organização importante no movimento Black Lives Matter. Um dos líderes da campanha de desinvestimento dos combustíveis fósseis foi um dos primeiros apoiadores do Sunrise Movement, uma organização liderando a pressão por um Green New Deal. Divisões raciais no campus, mesmo entre ativistas, espelham as divisões na sociedade.

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Essas divisões são especialmente aparentes entre ambientalistas, que herdaram uma história problemática de colonialismo, racismo e exclusão. As instituições de poder ambiental – oficiais eleitos, burocracia governamental, ONGs, leis e tudo mais – foram, quase por regra, criadas por homens brancos e muitas vezes continuam dominadas por brancos. Nos EUA, desde a era dos Direitos Civis, ativistas não-brancos vêm assegurando vitórias suadas por justiça racial e ambiental. Mas o legado do racismo continua a assombrar o movimento e minar seu progresso.

Os pais fundadores do ambientalismo eram das variedades clássicas de racistas e eugenistas. Henry David Thoreau, o naturalista e abolicionista cujos textos inspiraram Mahatma Gandhi e Martin Luther King Jr., entre outros, tinha visões problemáticas e típicas sobre o desaparecimento dos nativos americanos. Em seu ensaio influente de 1862 no AtlanticWalking”, ele escreveu: “Acho que o fazendeiro que desloca um índio mesmo quando ele recupera a pradaria, se torna mais forte e em alguns aspectos mais natural”.

“As origens do ambientalismo estão mais próximas em espírito dos safáris e troféus de caça que de marchas e protestos.”

John Muir, um cofundador do Sierra Club e discípulo de Thoreau, escreveu sobre a indolência dos “Sambos” negros. Ele descreveu os Miwok, o povo indígena do Yosemite, como “sujos” e “completamente hediondos”. “Eles parece não ter um lugar certo na paisagem”, ele escreveu.

Madison Grant, um proeminente conservacionista e contemporâneo de Muir, escreveu em 1916 o livro The Passing of the Great Race. O texto influenciou o Immigration Act de 1924, que limitava a migração do Sul e Leste Europeu e África, e bania migrações da Ásia. Adolf Hitler chamou o livro de sua “bíblia” numa carta de admiração para o autor. Hoje, ecos de Grant podem ser ouvidos no discurso de ódio de nacionalistas brancos como Richard Spencer.

Diante dessa história, talvez não seja surpresa que quando Muir e Theodore Roosevelt foram para talvez a viagem de acampamento mais cheia de consequências da história americana em 1903, o presidente conservou 230 milhões de acres de terras públicas – uma área maior que o Texas – através da expulsão de povos indígenas e pessoas pobres da área rural. Apelidada de “a melhor ideia da América” pelo documentarista Ken Burns, esses parques se tornaram um santuário principalmente para cavalheiros anglo-saxões. Na verdade, então, as origens do ambientalismo estão mais próximas em espírito dos safáris e troféus de caça que de marchas e protestos.

O movimento dos Direitos Civis – e lixo – tiveram um grande papel em tornar o ambientalismo dos EUA mais diverso. Em 1978, Linda McKeeven Bullard recrutou o marido, o Dr Robert Bullard, então um estudante de sociologia na Texas Southern University, para atuar como testemunha especialista no primeiro caso de discriminação ambiental sob as leis de direitos civis. O processo, Bean v. Southwestern Waste Management, buscava uma liminar contra a construção de um lixão em Northwood Manor, um subúrbio negro de classe média em Houston.

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Dr. Robert Bullard é considerado um pai da justiça ambiental, mas ainda se descreve como um “ambientalista acidental”. Foto por Marvin Joseph/The Washington Post via Getty Images

Bullard ficou encarregado de produzir mapas e conseguir estatísticas para provar que raça era um fator decisivo comandando a localização do lixão. “Cresci no sul, e conheci a segregação e o poder do racismo para privar bairros de seus direitos”, disse Bullard. “Os mapas que criamos mostravam, sem sombra de dúvida, que raça tinha um grande papel em onde a cidade posicionava seus riscos ambientais.”

Em 1983, depois do caso Bean, o Congressional Black Caucus conduziu um estudo de instalações de gerenciamento de lixo no sul dos EUA, e descobriu que 75% delas ficavam em bairros negros mesmo que os negros representassem menos de um quarto da população.

Bullard continuou estudando injustiça ambiental no Cinturão Negro do Alabama, no predominantemente negro “Beco do Câncer” na Louisiana e na Virgínia Ocidental, compilando a pesquisa para seu primeiro livro, Dumping in Dixie. Em 1987, a Comissão por Justiça Racial da Igreja Unida de Cristo levou a tese dele para toda a nação em seu relatório vanguardista “Lixo Tóxico e Raça nos EUA”. Enquanto muita gente considera Bullard o pai da justiça ambiental, ele ainda se descreve como um “ambientalista acidental”.

Onde dados, mapas e litígios abriram caminho, um movimento se seguiu. Em 1982, os moradores do predominantemente negro, pobre e rural Warren County, Carolina do Norte, se organizaram para lutar contra a derramada de óleo da PCB em sua comunidade. Crianças foram presas por deitar na frente de caminhões carregando óleo. Organizações nacionais como a NAACP, Igreja Unida e Congressional Black Caucus interviram. “Vendo algumas das fotos e filmagens, vendo o que estava acontecendo em Standing Rock – aquilo era uma versão em microcosmo ou menor das pessoas dizendo não”, disse Bullard. Protestos similares contra casos de racismo ambiental começaram a se amalgamar pelo país.

Em 1991, Bullard ajudou a convocar a Primeira Cúpula Nacional de Liderança Ambiental de Pessoas de Cor em Washington, D.C. Em Minnesota, Winona LaDuke, ambientalista Ojibwe e candidata a vice-presidente pelo Partido Verde, encorajou Tom Goldtooth, um organizador Diné e Dakota e diretor do programa de proteção ambiental da Red Lake Nation, a participar. (Mulheres recrutando homens para a causa parece uma tendência comum na história da justiça ambiental.)

Na conferência, Goldtooth e outros indígenas formaram um caucus para ajudar a escrever os 17 princípios da justiça ambiental com mais mil líderes diversos de movimentos de base. No preâmbulo, os princípios enfatizavam a necessidade de “construir um movimento nacional e internacional de todas as pessoas não-brancas para lutar contra a destruição e tomada de nossas terras e comunidades”. Alguns desses organizadores fundaram o Fórum de Liderança de Justiça Ambiental e a Aliança de Justiça Climática para atualizar essa visão.

Cinco anos depois, muitos desses mesmos líderes, incluindo Goldtooth e sua nova equipe, a Rede Ambiental Indígena (IEN), convocaram uma reunião em Jemez, Novo México, para criar outro conjunto de princípios destacando como organizações de base e ONGs mais bem financiadas historicamente brancas deveriam trabalhar juntas.

Hoje, a maioria dos “Big Greens”, incluindo o Sierra Club, endossou pelo menos nominalmente os Princípios de Justiça Ambiental e os Princípios de Jemez. “Sempre tivemos a intenção de construir solidariedade com ONGs brancas, mas também nos levantar e ser mais assertivos”, disse Goldtooth. “Precisa haver alguma solidariedade e igualdade em como eles nos levantam.”

Em 1994, esse movimento próspero conseguiu uma vitória marcante: o então presidente dos EUA Bill Clinton emitiu uma ordem executiva obrigando todas as agências federais a “tornarem alcançar a justiça ambiental parte de sua missão” abordando impactos desproporcionais de saúde e ambientais em comunidades de baixa renda e de pessoas não-brancas.

Enquanto oleodutos, minas e lixões continuam desproporcionalmente localizado nessas comunidades, advogados, lobistas e legisladores brancos representam desproporcionalmente o movimento ambiental em Capitol Hill. Segundo o relatório Green 2.0 de 2014, pessoas não-brancas representam 36% da população americana, mas correspondem a apenas 12% das equipes de organizações ambientais. Uma atualização de 2019 mostra que a diversidade na verdade declinou nos últimos anos.

Acesso, enquanto isso, tem feito pouco para avançar o bem ambiental. Mesmo que grupos verdes tenham um orçamento coletivo anual de mais de US$ 500 milhões – significativamente mais que a rede Koch de US$ 400 milhões – eles são largamente superados por indústrias poluidoras e a direita.

Com as mudanças climáticas emergindo como a principal questão ambiental no século 21, líderes de justiça ambiental – predominantemente pessoas não-brancas – muitas vezes são relegados às margens das grandes lutas federais. Dez anos atrás, comunidades de justiça ambiental foram em grande parte excluídas da redação do Waxman-Markey, um projeto de lei que limitava o comércio aprovado na Câmara dos Representantes, mas que nunca chegou ao Senado para ser votado.

Com menos acesso a Capitol Hill, essas comunidades tendem a se voltar para organização comunitária e táticas de ação direta como fizeram em Warren County em 1982. Às vezes essas campanhas, como os movimentos contra os oleodutos Dakota Access e Keystone XL, rederam manchetes nacionais.

Hoje, apesar de estarem empolgados com a linguagem de inclusão racial, econômica e de justiça ambiental da resolução do Green New Deal, líderes da justiça ambiental com quem falei temem que a mesma exclusão e tokenização aconteça novamente – ou pior, que as legislações climáticas causarão dano real intensificando a poluição e os custos para suas comunidades.

Numa convocação em março para começar a elaboração de um Green New Deal, líderes da Aliança de Justiça Climática falaram sobre suas preocupações que a plataforma climática progressista não esteja sendo desenvolvida de acordo com os Princípios de Jemez e os Princípios da Justiça Ambiental. “Não estou dizendo que não há alguns movimentos positivos e alguma incorporação de justiça ambiental com organizações brancas”, disse Goldtooth, cuja organização, a IEN, é parte da Aliança de Justiça Climática. “Mas os desafios ainda estão ali com o Green New Deal.”

E essas preocupações têm fundamento. Em junho, o estado de Nova York aprovou o Climate Leadership and Community Protection Act, um modelo estadual para um Green New Deal, e uma das leis de clima mais abrangentes já escritas. Organizações de justiça ambiental fizeram parte da coalizão que liderou a pressão para a nova legislação.

Mas quando a política virou lei, o governador Andrew Cuomo cortou exigências de priorizar investimentos em comunidades não-brancas e proteções para trabalhadores sindicalizados, entre outras provisões de justiça ambiental.

“Na minha geração está se tornando mais comum ver pessoas negras, pardas e indígenas – particularmente mulheres – liderando o caminho.”

Nossa geração precisa fazer melhor. “Agora temos pessoas jovens passando para esses espaços e ligando os vários movimentos”, me disse o Dr. Bullard. “Os argumentos de interseccionalidade que muitos jovens em suas organizações e movimentos estão unindo, seja pessoas que trabalham no clima, energia, Black Lives Matter, justiça criminal, segurança alimentar… você começa a juntar as peças do quebra-cabeça – isso é algo novo e vai compensar a longo prazo.”

O ambientalismo não é mais um santuário branco. O negócio complicado de sociedade, poder e raça está em todo lugar e é interconectado. Pessoas não-brancas têm feito perguntas de quem – quem vai liderar, quem é representado e quem merece justiça – inevitáveis. Na minha geração está se tornando mais comum ver pessoas negras, pardas e indígenas – particularmente mulheres – liderando o caminho.

“Vemos o legado de um movimento climático que falhou profundamente com pessoas não-brancas em muitas, muitas questões”, disse Aru Shiney-Ajay, um jovem de 21 anos filho de imigrantes indianos que tirou um ano de folga no Swarthmore College para ajudar a treinar outros jovens para o Sunrise Movement. “Acho que é por isso que quero realmente investir em líderes não-brancos, e vi quanto as pessoas investiram em mim e quanto o Sunrise tem sido um processo de crescimento que muda vidas. Quero dar isso para outras pessoas.”

Mas uma verdade inconveniente continua: as mudanças climáticas não respondem ao racismo, políticas ou até justiça – pelo menos não diretamente. Seus únicos princípios são química e física. E essa pode ser a grande crueldade aqui. O poder agora está tocando os dedos de pessoas não-brancas pela primeira vez. Mas enquanto finalmente conseguimos agarrá-lo e mudar um movimento ambiental enraizado num passado racista, a ciência pode ter outras ideias.

Julian Brave NoiseCat é diretor de estratégias de Green New Deal para a think tank Data for Progress e diretor de mudança de narrativa do Natural History Museum, um coletivo de artistas e ativistas. Ele também é correspondente do Real American with Jorge Ramos e editor colaborador da Canadian Geographic . Siga-o no Twitter.

Pessoas indígenas e não-brancas são afetadas desproporcionalmente pela nossa crise climática global. Mas no movimento verde mainstream e na mídia, elas muitas vezes são esquecidas ou excluídas do diálogo . Tipping Point é uma nova série da VICE que cobre histórias de justiça ambiental sobre e, quando possível, escrita por pessoas das comunidades experimentando a dura realidade do nosso planeta em mutação.

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