O racismo não teria alcançado tantas pessoas no país e no mundo, não fosse o apoio das grandes mídias para levá-lo às massas, afinal como escreveu Jessé Souza “a mídia não produz conhecimento. Ela apenas distribui…”.
Com essa distribuição ela conecta as crenças científicas ou ideologias políticas das elites que detém o seu controle com as pessoas mais comuns. Basicamente se você tem o controle dos grandes veículos, você domina a narrativa que chega nas casas da maior parte dos brasileiros. Por isso todos os ditadores tentam silenciar, controlar, censurar ou ocupar a mídia nos seus governos.
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A discussão sobre o controle das narrativas na imprensa ganhou um novo recorte nos últimos anos, com o pensamento bipartidário que inundou o país, as pessoas passaram a apontar veículos e (principalmente) jornais como militantes de esquerda ou de direita. Com as atenções voltadas para a dicotomia política, as pessoas deixam passar despercebidas, que uma das maiores tradições dos veículos jornalísticos brasileiros é a defesa e a prática da superioridade numérica branca. Segundo levantamentos do Manchetômetro, atualmente, 96% dos colunistas da Folha são brancos, O Globo tem 91% e o Estadão alcança 99%.
Eu gostaria de acreditar na ocasionalidade desses números, criados pela disparidade da existência de jornalistas negros, não fosse o fato da própria Associação Brasileira de Imprensa e de jornais como O Globo e o Estado de São Paulo (Estadão), terem oficialmente contribuído para o projeto racista do movimento eugenista no Brasil, com agradecimentos oficiais no próprio Boletim da Eugenia, na 3º Edição de 1929 – logo no início da Comissão Central Brasileira de Eugenia.
Apesar das sociedades racistas produzirem publicações próprias, como o Boletim da Eugenia, elas sempre foram as vozes potentes ouvidas por grande parte da sociedade e estiveram envolvidas nos círculos mais influentes do país – seja na universidade ou na política.
Um dos jornais mais importantes da época, O Jornal do Comércio publicou na edição 46 de 1930 a transcrição da palestra do médico e professor Leonídio Ribeiro, em que ele começa defendendo “uma das maiores conquistas da humanidade seria a de suprimir da superfície da Terra todos os homens incapazes e doentes que na vida das sociedades representam os elementos negativos”
As frequentes publicações de intelectuais que defendiam as teses de hierarquia racial, importadas pela elite brasileira de Francis Galton, foi lembrado por Renato Kehl, maior divulgador da eugenia brasileira em seu boletim. Para ele, elas eram provas de que existia na sociedade um interesse na organização desse pensamento. Kehl, entendia que para seu desejo de implantar a eugenia fosse concluído no país ele precisaria do maior apoio que pudesse ter da imprensa. Aliás, foi exatamente após o Jornal do Comércio publicar os resultados de sua conferência sobre essa autodeclarada ciência bio-social que o Doutor conquistou um dos seus maiores aliados, Monteiro Lobato.
A década de 30, me parece, o período mais intenso da defesa do racismo em nosso país. Pesquisando em bibliotecas digitais e acervos você vai encontrar inúmeros artigos sobre a higiene da raça ou raça nacional nessa época. Em 1936 O Globo repercutiu, por exemplo a discussão sobre a Esterilização que Renato Kehl levantava como solução para impedir a degeneração da “raça brasileira”.
O pai da eugenia era figura recorrente neste jornal que também noticiou o lançamento do seu livro, Tipos Vulgares, em uma nota com vários elogios: “Verificamos que ele escreve com clareza e perfeita elegância… Estimulando-nos o espírito de tolerância, o Senhor Renato Kehl nos arma as faculdades de análise.”
Ao passar dos anos as declarações públicas de ideais eugenistas foram se arrefecendo, o que não significa que o racismo diminuiu, apenas se vestiu de novos termos e eufemismos para afastar do país a imagem de uma nação monstruosa, como a revelada na Alemanha. Os termos como “Preservação da Raça” foram caindo em desuso, porém, a defesa da eugenia se manteve entre as elites médicas do país, que ganhavam repercussão da mídia. O próprio Renato kehl passou a atuar no jornal a Gazeta”, durante mais de 20 anos.
Em 1954 o Estado de São Paulo divulgava o concurso de eugenia, intitulado “Prêmio Imperatriz Leopoldina” promovido pela Academia de Medicina de São Paulo.
Esses concursos duraram um bom tempo, através dos estereótipos de beleza promovidos por várias instituições, o Diário de Notícias do RJ também divulgou o 21° Concurso de Eugenia Oral para crianças, que aconteceu em 1968
A imprensa apoiou amplamente a propaganda dos preconceitos e estereótipos culturais criados por eugenistas e outros nomes do racismo brasileiro por todo o século passado. Foi essa atuação que ajudou a silenciar e apagar da memória popular nomes de jornalistas negros que fizeram nossa história. Agora é fácil simular uma guerra política de dois lados, evitando que a população mais pobre perceba que são apenas duas faces da mesma moeda, que produz a exclusão da população negra nos espaços massivos de debate.
Em sua coluna pra VICE, o autor de sci-fi & fantasia afro-americana e pesquisador Ale Santos traz os contextos das causas raciais em questões culturais, políticas e até do entretenimento de nosso país. Esta coluna é um esforço de compartilhamento de conhecimento numa época em que o negacionismo cresce e influencia diretamente o imaginário das pessoas. Bem vindo ao Guia Historicamente Correto do Brasil.
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