O arqueólogo americano Andrew Reinhard já trabalhou em escavações por todo mundo, mas seu mais recente projeto não precisa de pás, pincéis ou cinzéis. Tudo que precisa é de um controle de videogame.
Reinhard faz parte de uma casta renegada de autodenominados arqueólogos “punks” que trabalham às margens da academia. Eles estão escrevendo um artigo sobre um sem-fim de games de Atari encontrados em um lixão e estudando os hábitos migratórios de alojamentos nos campos petrolíferos de Bakken, nos Estados Unidos. Mas seu último projeto não se dá em um deserto no Novo México ou nas florestas gélidas da Dakota do Norte – e sim nos games.
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“Estou afirmando algo que alguns podem considerar loucura: não há diferença entre culturas em ambientes reais ou virtuais”, disse Reinhard.
O “Archaeogaming” envolve a arqueologia dentro e fora dos games. Reinhard, de 43 anos, cunhou o termo dois anos atrás e criou um blog para discutir de tudo desde o uso dos games no ensino de arqueologia ao intrincado design das moedas do universo de Elder Scrolls. Dono de um público considerável, a área deixou de ser um passatempo meio nerdalho para se tornar uma busca acadêmica intensiva.
Reinhard é mestre em arqueologia pela Universidade de Missouri-Colúmbia, nos Estados Unidos, desde os anos 90. Ele passou anos trabalhando em Atenas, na Grécian e conduziu escavações por todo o mundo.
“Sempre me interessei por civilizações perdidas e outras culturas, não pelas pessoas, mas pelo que elas deixaram para trás”, afirma. “Adicione a isso um amor por histórias clássicas de ficção científica e aventura e eu estava já me programando para a archaeogaming, por mais que não soubesse disso na época”.
Como muitas outras crianças nascidas nos anos 80, ele cresceu com Space Invaders, Asteroids e Atari. Quando entrou na faculdade, já era um gamer hardcore de PC e se deleitava com games como Wolfenstein e Doom.
Reinhard sempre gostou de jogos com culturas antigas. Mas foi só quando descobriu a expansão Cataclysm de World of Warcraft que incluía a habilidade de Arqueologia que percebeu um potencial para fazer estudos arqueológicos de verdade dentro dos games: pesquisar novas paisagens, mapear como surgiram tais ruínas e estudar o uso dos mais variados itens por parte das culturas de dentro do jogo.
Ele percebeu como a cerâmica de Elfos Sangrentos e Elfos Noturnos era diferente e, mais tarde, registrou diversos itens encontrados em sepulturas e notou como se relacionavam entre si. Reinhard também começou a estudar como itens adquiridos e artefatos eram vendidos em leilões e como eles afetavam a economia do game e do mundo real.
Posteriormente, o arqueólogo começou a observar o universo de Elder Scrolls, sua versão mais recente em Skyrim e a surpreendentemente profunda história de World of Warcraft. Sua filha de 12 anos tem lhe mostrado as minúcias de Minecraft, que para Reinhard se tornou especialmente intrigante desde a expansão que incluiu mitologia grega.
“Estes primeiros passos em archaeogaming parecem ser mais teóricos que práticos”, diz. “O archaeogaming buscava por questões que a arqueologia poderia responder”.
Atualmente as coisas estão mais avançadas. Reinhard quer “continuar criando este novo tipo de arqueologia em que escavações podem ser feitas no nível do código fonte, observando o DNA de qualquer game”. “Daí vira física quântica, um pouco de química, com um tiquinho de alquimia.”
A metodologia atual é mais avançada e varia bastante. Alguns archaeogamers estão interessados na cultura virtual e como ela muda; outros querem saber como os arqueólogos são vistos dentro dos games.
“No meu ponto de vista, games são criações humanas, logo são artefatos por si só, mas também contam com um mundo de história e objetos que podem ser aplicados ao pensamento arqueológico”, afirma Reinhard.
E agora ele está levando essa sua paixão a um novo nível dentro da academia. Neste ano ele foi aceito no programa de Patrimônio Digital do Departamento de Arqueologia da Universidade de York, no Reino Unido, e começará sua pesquisa em tempo integral em 2016.
Ele espera fundamentar o estudo futuro de games que incluirá desde a tipologia em cerâmica da raça Nórdica de Skyrim até mesmo documentar grandes eventos em jogos online do tipo MMO e como eles afetam a economia e política em games como Eve Online.
“Arqueólogos tem que tirar suas cabeças da areia e entrar nos espaços de silício dos games”, diz. “Eles são tão ricos e diversos quanto qualquer coisa que a humanidade já criou.”
Logo ele e outros archaeogamers enfrentarão seu maior e mais empolgante desafio até o momento: o jogo No Man’s Sky.
“Exploraremos culturas que nunca vimos antes, que nunca foram pensadas”, explica. “Teremos que visá-las, catalogá-las, e ver se conseguimos tirar dali alguma verdade universal sobre culturas criadas por máquinas ou inteligência artificial e comparar com o que sabemos da Terra.”
Não há data de lançamento oficial para o game, mas Reinhard espera ansioso por sua vez. Ele quer usar No Man’s Sky como uma espécie de caso de teste para provar a importância do ‘archaeogaming’ como área de estudo legítima.
“Quero ir lá e ver coisas que ninguém nunca viu, e fazer coisas que ninguém nunca fez”, fiz. “Estes novos ambientes nestes mundos permitem fazer isso do conforto da sua poltrona”.
Tradução: Thiago “Índio” Silva