Estou passando por uma galeria de monstros quando, de algum canto, sou surpreendido por um bicho agarra-rostos que salta de um ovo carnudo. Retiro os óculos de realidade virtual e suspiro aliviado. Estou de volta à aula inaugural da Escola Chronos de Programação em RV, no Brooklyn, nos Estados Unidos.
Acabo de experimentar uma demo de arte em 3D de alta fidelidade. É obra do paulistano Ricardo Parker, ex-desenvolvedor web e agora empreendedor em tecnologia que vislumbra uma sociedade transformada completamente pela realidade virtual. A Chronos, seu atual projeto, alega ser a primeira escola do mundo voltada para formação em RV.
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Enquanto outras pessoas pensam nos rumos dos jogos e experiências com a nova tecnologia, Parker está focado em uma espécie de vida transcendental por meio dos óculos virtuais. Ele busca garantir que o mundo futuro esteja mais próximo do paraíso do que seu oposto.
Mesmo os adeptos precisam reconhecer que a RV, em seu estado atual não passa de uma novidade.
Poderíamos dizer que ensinar os princípios da RV hoje, quando mal entendemos de fato o funcionamento da coisa, seria como tentar abrir, dois séculos atrás, uma escola de cinema antes de obtermos conhecimento em edição, iluminação ou movimentação de câmera. Basta filmar o esqueleto dançante com uma câmera estática, senhores! Cinema é simples!
Será que esse futuro é obra da imaginação de um visionário ou o delírio de um ingênuo?
Para descobrir as respostas, fui parar numa sala de aula da Chronos, no sétimo andar do oitavo arranha-céu mais alto de Seattle, onde me encontrei com os criadores do monstro agarra-rostos.
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Parker prevê um mundo em que o Oásis — um universo virtual, superior — será um lugar interligado, compartilhado, onde as pessoas passarão bastante tempo. Todo mundo vai querer fazer parte, diz ele. Uma nova economia será instaurada. Dentro do Oásis, as pessoas poderão gerir negócios como danceterias, por exemplo, e poderão lucrar com isso no papel de administradores.
Mas o fator-chave é garantir que o grande Oásis seja livre e acessível para todos. Caminhar nas ruas virtuais e respirar o ar digital não deveria ser um serviço pago, diz Parker, que espera estabelecer bases para evitar que isso aconteça com a Chronos.
Previsões de futuro muitas vezes são proferidas por gente querendo vender algo. Há quem diga, sem hesitar, que a RV não passa de história para boi dormir. Mesmo os adeptos precisam reconhecer que a realidade virtual, em seu estado atual, não passa de uma novidade. As aplicações práticas a curto prazo, tirando games simplistas e desajeitados (ou jogos acessíveis apenas em salas de exibição especiais), são no mínimo nebulosas.
Parker admite, sem rodeios, que grande parte de seus conceitos futurísticos foi inspirada por ideias encontradas na ficção científica, especialmente nas obras que ele costuma chamar de “bíblias”: Snow Crash, que conta a história de um “Metaverso” virtual compartilhado, recém-fundado; e Jogador Número Um, que descreve um mundo virtual que, assim como o mundo do próprio Parker, não é restringido pelas limitações físicas da Terra.
A escola é apenas um dos pilares das intenções de Parker com a Chronos. Ele planeja desenvolver games também. A ideia para o primeiro jogo é criar uma realidade virtual semelhante a Minecraft — “onde dá para criar e destruir, e fazer muita coisa além disso” —, e ele também vê potencial em aplicativos com propósitos mais práticos. Segundo Parker, é capaz que alguns desses apps ajudem até a “reduzir guerras e resolver desafios com recursos naturais”. Mas um dos objetivos essenciais ainda consiste em “ser uma grande força” para dar vida ao Oásis/Metaverso.
Atualmente, Parker trabalha com a cabeça nesse futuro distante, antecipando o desenvolvimento de interações mais sofisticadas da tecnologia de RV atual. Ele fala em teletransporte, troca de corpos, carros voadores — todas as velhas alegorias da ficção científica —, mas não se refere a elas como coisas que surgirão na Terra cotidiana, e sim em um mundo virtual, indissociável em nossas mentes do mundo real.
Os sete alunos presentes na primeira aula, sobre o pacote de softwares para desenvolvimento de jogos Unreal Engine, parecem satisfeitos com o andar da carruagem. (As outras duas cadeiras que a Chronos oferece tratam de animação e arte em games; os cursos consistem em aulas de quatro horas, uma vez por semana, à noite, durante oite semanas, e custam 1.250 e 1.050 dólares, respectivamente.) Eles exalam entusiasmo enquanto guardam os laptops e óculos na mochila.
“Seria incrível dizer que fiz parte de um momento pioneiro da História, na primeira aula de realidade virtual”, diz Alexander Aversano, aluno da Chronos.
Parker e sua equipe de três professores não parecem muito preocupados com o caráter limitado da tecnologia atual de RV, tampouco com a própria experiência limitada em programação no campo. A nova onda de realidade virtual está tão fresca, que é impossível alguém ter mais de dois ou três anos de experiência em programação na área — os primeiros óculos modernos de RV não estavam disponíveis para desenvolvedores até janeiro de 2013. E, dado que os óculos exclusivos de RV ainda não se encontram no mercado, ninguém trabalhou, ainda, com a distribuição comercial de aplicativos para a tecnologia.
“Estamos muito empolgados com a realidade virtual e o Metaverso.”
Parker e os três professores dizem que essa falta de experiência pode ser uma vantagem nesse território virgem.
É uma “mudança de paradigma”, conforme Parker afirmou em um discurso celebrando a abertura da Chronos, em abril. “Nada que fizemos antes se aplica a este novo paradigma. Para as pessoas que querem entrar na indústria é muito empolgante.”
“Você prefere aprender algo com um professor que leciona há dez anos e não trabalha em projetos de verdade há dez anos?”, elabora ele, quando questionado acerca da falta de experiência, tanto em desenvolvimento em RV quanto em educação dos três professores da escola. “Ou prefere aprender com alguém que estava trabalhando em um projeto ontem e agora traz conhecimento à sala de aula?”
Parker é um homem alto e esguio, com leve sotaque brasileiro. Depois que ganhou um Atari e um PC aos dez anos de idade, ficou obcecado com computadores e games como Doom. Em uma revista de computação, comprada em um supermercado de São Paulo, ele avistou uma foto da placa de entrada da Microsoft com o campus em segundo plano. Foi quando teve a ideia de se mudar para Seattle para tentar carreira em tecnologia.Em 1996, ele conseguiu um emprego na Microsoft.
Hoje, no papel de empreendedor em RV e inspirado pela ficção científica, o problema que Parker enfrenta ao embarcar na jornada para criar o Metaverso é que não há uma grande oferta de pessoas que sabem programar na área. Daí surgiu a Escola Chronos de Programação em RV, onde ele pode pregar a palavra de uma nova era de realidade virtual que ele insiste que está para chegar,
“Estamos presos a um modelo antigo”, me disse Parker em sua apresentação, na abertura oficial da Chronos. “O modelo antigo não funciona. Lá as pessoas fazem o seu trabalho e têm medo de perder o emprego, e oferecem parte de si e parte de suas vidas em troca de alguns anos de conforto. Enquanto isso, há CEOs ganhando quantias absurdas de dinheiro. Não sou exatamente contra isso, mas acho que deveríamos tentar um modelo diferente, pois precisamos de um modelo que funcione para todos. E acho que agora é a hora.”
Dias antes da sessão de abertura da Chronos, quando a sala de aula estava vazia, avistei Parker no mesmo lugar, observando os demais arranha-céus de Seattle pela janela, enquanto tecia suas visões surpreendentes acerca de um mundo por vir, regado à felicidade, que nasceria — pelo menos, em parte — na Chronos.
“Estamos muito empolgados com a realidade virtual e o Metaverso”, disse ele.
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Na primeira aula, o professor Victor Brodin passou quatro horas discorrendo sobre a interface do Unreal Engine 4. Ele incentivava os alunos a levantar questões e como otimizar a RV. Assim que a explanação, perguntei à aluna Andrea Molina se estava satisfeita.
“Nossa, sim”, ela respondeu. “Aprendi bastante. Brodin realmente disseca a matéria, tipo, quais são os elementos do jogo? Tem o jogador, o ambiente, os objetos.”
Então o professor de arte em 3D Tyler Sorg me mostrou a galeria de monstros que havia criado. Numa visita prévia à escola, o corpo docente não foi capaz de me oferecer qualquer demo de realidade virtual de desenvolvimento próprio que provasse suas capacidades. Mas admito: desta vez fiquei impressionado. Por acaso, eu tinha acabado de sair do festival de filmes em RV Kaleidoscope e tudo que vi lá foi categoricamente inferior à demo da Chronos, tanto em termos de técnica quanto estética. A Chronos está mesmo apostando todas as suas fichas.
Encontrei Parker conversando com outro punhado de alunos. Ele parecia contente, mas não empolgado. Explicava que ainda precisava se empenhar para preencher as lacunas dos outros dois cursos, que provavelmente começariam nas semanas seguintes. Para atingir um ponto de equilíbrio financeiro, ele precisa de quatro alunos por curso. Quando conversamos, ele disse que, até então, tinha apenas dois alunos matriculados em cada.
Tradução: Stephanie Fernandes