Hoje comemora-se o Dia da Mãe, uma data dedicada a homenagear o acto da maternidade e a pessoa querida que nos fez nascer. Em Portugal, o dia em que abraçamos as nossas mães com mais força celebra-se no primeiro Domingo de Maio, ao passo que no Brasil, por exemplo, o Dia da Mãe é recordado no segundo Domingo do quinto mês do ano. Ou seja, ao contrário de efemérides como o Dia do Trabalhador, esta data não é igual para todo o mundo.
O Dia da Mãe está, normalmente, ligado às memórias mais ou menos felizes da infância, ao enaltecer de uma pessoa que não só nos pôs no mundo, como nos educou. Mas o que muitas vezes nos esquecemos é que existe sempre quem se recuse a ser mãe. Por variadíssimas razões: falta de condições económicas, falta de preparação mental, falta de condições laborais que permitam que se crie um filho — tarefa obviamente difícil —, entre muitas outras. Aliás, se analisarmos a Taxa de Natalidade portuguesa facilmente percebemos que, em alturas de crise como a que atravessamos, esta tem tendência a baixar ainda mais. Um dia destes, seremos um país de velhos para velhos.
O que me leva ao aborto. Em 2007, e depois de intenso debate público sobre a temática, a interrupção voluntária da gravidez foi aprovada em referendo nacional. Lembro-me de ter ido votar com a minha mãe e de deixarmos, estrategicamente, o meu pai em casa, que iria votar contra algo que me poderia (ou poderá, não sei) vir a ser útil. Não me esqueço daquilo que a minha mãe me disse na altura: “Voto por ti. Imagina que, por um azar, em alguma altura importante do teu futuro, tens um deslize. Não quero que uma gravidez te arruíne a vida.” Os deslizes acontecem, é um facto. Há inúmeros motivos para isso e não é preciso uma lição de planeamento, ou de métodos contraceptivos. E é justo que exista quem não queira ser mãe.
Uns meses depois desta conversa que tive com a minha progenitora às portas de uma cabine de voto, a minha melhor amiga engravidou. O tal deslize com o namorado de longa data. Ainda a estudar, sem hipóteses de colocar uma pausa num futuro que se previa auspício, a Joana (nome fictício) decidiu que não queria ser mãe. Eu apoiei-a, claro. Começámos por ir juntas às consultas preparatórias. Se alguém nos encontrasse ali, eu fazia o papel de grávida, para ela passar insuspeita. Não havia grande preconceito, apesar de estarmos a usufruir de uma lei recém-aprovada. A Joana foi observada e deram-lhe várias vacinas, de prevenção, julgo eu. E, como se fosse agora, recordo-me de irmos para uma esplanada (estava sol, como hoje) e de alguém se virar para ela e dizer: “Oh Joana, estás grávida? As tuas mamas estão maiores!” O meu ar de terror (apenas eu e um grupo restrito de pessoas é que sabíamos da sua condição) contrastou com a calma com que ela agradeceu, a rir-se, o “elogio”.
O dia chegou. Eu só saía do trabalho perto da meia-noite, mas os procedimentos já tinham arrancado. E por procedimentos leia-se tomar uma dose de comprimidos que o centro de saúde, gratuitamente, havia cedido. A caminho de casa dela, perguntei-lhe o que precisava da rua. “Água das Pedras.” Devidamente abastecida, lá cheguei, para a encontrar no WC, a contorcer-se com dores. Branca como nunca a tinha visto, com olheiras até ao umbigo. Ia ser uma noite difícil, percebi logo.
A Joana não estava a aguentar com dores. Saltitava entre a sanita e a cama, com vómitos e suores. A certa altura, enfiou-se na banheira, para colocar um fluxo de água quente sobre o ventre. Se a memória não me falha, foi mais ou menos por esta altura que tomou a segunda dose dos tais comprimidos prescritos. E foi, novamente, a correr para a sanita. De volta ao quarto, ficámos as duas na cama. Eu na minha, de supervisão. Ela, na outra, a contorcer-se, enquanto pequenas gotas de sangue lhe manchavam o divã. A minha preocupação não era mensurável. “E agora, o que se faz?” Ou: “Será que isto é normal, não é melhor chamarmos um médico?” Acabámos por adormecer, pela madrugada dentro. Não presenciei o momento em que o feto saiu do corpo dela, mas de manhã cedo uma Joana cansada, pálida e cheia de fome continuava em repouso. Foi assim durante dois dias.
A Joana optou por não ser mãe. Interrompeu a gravidez antes da décima semana de gestação. Hoje em dia, olho para ela com orgulho, satisfeita por ver onde é que a vida a levou e é impossível dizer se o dia-a-dia dela teria sido o mesmo do que é actualmente com uma criança ao colo. A maternidade também é isto: é poder escolher que não queremos educar alguém, é saber admitir as nossas limitações a certa altura. Hoje tenho vontade de ligar à Joana e de lhe dizer: “Feliz Dia da Mãe!” Sim, porque saber que não se vai ser uma boa mãe também merece ser comemorado.