O galo nasceu primeiro que o Milhões

Por estes dias, e por culpa do Milhões de Festa, só se fala em Barcelos, o que é fixe porque antes a cidade só era conhecida pelo galo de Barcelos. Vamos falar um bocadinho sobre esse ícone da cultura portuguesa? Para não ser tudo sempre sobre a mesma coisa. Por trás do conhecido galo preto com pintas às cores, bastante folclórico, existe uma lenda que remonta ao século XVI. É tudo meio improvável de ter acontecido, mas, por outro lado, estamos a falar do tempo em que existiam dragões, bruxas, gnomos e adamastores, por isso quem sou eu para pôr em causa o galo de Barcelos?




Pessoal do século XVI a fazer merdas do século XVI.

Reza a lenda que era um dia de taina — tudo começa e acaba na taina, já vão perceber — entre os gordos e ricos da cidade, predominavam os pseudo-intelectuais de risos astutos e ecoantes, prestes a pintarem os lábios de vinho tinto verde depois de comerem papas de sarrabulho e outras iguarias minhotas.


Não tenho a certeza se a comida era mesmo papas de sarrabulho, mas as roupas deviam ser assim.

Quando iam curtir a primeira malha do baile, já depois da comezaina, eis que dão pela falta da louça fina, que era de prata. Iniciou-se a investigação em busca do perpetrador, mas sem sucesso. Isto também viria a tornar-se tradição (denunciando!). Já estava tudo esquecido quando um galego, que ia a caminho de Santiago de Compostela, decidiu pernoitar em Barcelos (má ideia, meu) e acabou por ser acusado do crime (estava-se mesmo a ver). Na bisbilhotaria habitual de uma cidade pequena, não tardou que os rumores chegassem ao juiz e que o homem fosse condenado à forca — quando não havia ciganos, a culpa era sempre do galego.


“Foi o galego!”

Desesperado (e quem não estaria?), o galego foi a casa do magistrado, que por acaso estava a comer um galo assado, para tentar recorrer da decisão. Ya, como se isso fosse acontecer, meu. Não era o tempo da Inquisição e isso? Foi em vão, claro, e, num acto desvairado e profético, o galego afirmou que o galo cantaria assim que o enforcassem. O que acontece a seguir é previsível: o galo cantou e, graças à incompetência dos carrascos, o nó não concretizou o estrangulamento e o galego lá ficou vivo e inocente.

Tempos mais tarde, o peregrino voltou à cidade de Barcelos e construiu um cruzeiro que podem ver, ó doce ironia do destino, à beira do Palco Taina. É em honra de uns santos quaisquer, o que é meio ingrato porque foi um galo fantasma que o salvou.

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