A Mossack Fonseca, uma firma de advogados com quartel-general na Cidade do Panamá, passou os últimos 40 anos a ajudar os cidadãos mais ricos e poderosos do Mundo a esconder o seu dinheiro. No último domingo, 3 de Abril, foi tornado público quem a firma ajudou – e como – graças a uma fuga gigantesca de 11.5 milhões de documentos, agora conhecida como “Panama Papers”.
Os documentos, obtidos pelo jornal alemão Suddeutsche Zeitung (SZ) e partilhados com o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (CIJI) [de que fazem parte a TVI e o Expresso em Portugal], estão a gerar uma onda global de indignação. Até agora, sabe-se que pelo menos 72 actuais e antigos chefes de Estado estão ligados a empresas offshore criadas pela Mossack Fonseca. Há muitas razões perfeitamente legitimas para criar uma empresa em offshore, mas o objectivo pode, também, passar por evitar sanções económicas, fugir aos impostos e lavar dinheiro.
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“Hoje em dia, a Mossack Fonseca é considerada uma das cinco maiores firmas do Mundo na ‘venda’ de secretismo offshore”, escreveu o CIJI. E acrescenta: “Tem mais de 500 empregados e colaboradores, em cerca de 40 escritórios em todo o Mundo, incluindo três na Suíça e oito na China”.
O esquema funciona assim: imagina que tens um iate de 15 metros na marina de St. Tropez, mas não queres que ninguém saiba que é teu, talvez porque és membro do governo e és corrupto e nem sequer devias ter dinheiro para comprar uma coisa destas. Em vez de o iate ser registado em teu nome, pode ser comprado e registado no nome da empresa que a Mossack Fonseca criou para ti no paraíso fiscal offshore à escolha. Agora, é virtualmente impossível que alguém saiba de quem é o teu barco. O mesmo método pode ser usado para esconder a tua ilha privada, os 15 milhões de euros que tens em dinheiro, ou quaisquer outros bens, ou fundos.
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Há alguns factores que permitem que seja possível embarcar neste esquema. Primeiro, ter um advogado ou um agente intermediário de confiança que crie a empresa possibilita um distanciamento entre o verdadeiro dono e os bens, o que faz com que sejam mais difíceis de descobrir. A existência de paraísos fiscais – países ou estados onde empresas offshore estão isentas de impostos no geral – é também um factor crucial, claro. De acordo com a análise do CIJI aos “Panama Papers”, os cinco paraísos fiscais mais populares usados pela Mossack Fonseca são as Ilhas Virgens Britânicas, o Panama, as Bahamas, as Seychelles e Niue, uma pequena ilha no Pacífico Sul.
Leis estritas relacionadas com a privacidade fiscal são, também, um elemento-chave para que estes esquemas possam existir. No Panamá, sede da Mossack Fonseca, os bancos não podem fornecer informações sobre os seus clientes, a não ser que a isso sejam obrigados no decurso de uma investigação criminal, normalmente em casos que envolvam terrorismo ou tráfico de droga. Se o fizerem fora deste âmbito estão a incorrer num crime. A evasão fiscal está explicitamente excluída da lista de motivos possíveis para que um banco local tenha de meter a boca na botija em relação a um cliente.
uma investigação levada a cabo durante um anoRamon Fonseca, 63 anos, co-fundador da firma, usou até uma comparação similar numa recente entrevista a uma meio de comunicação do Panamá, embora tenha negado qualquer ilegalidade. De acordo com o CIJI, Fonseca diz que a sua firma não tem qualquer responsabilidade pelo que os seus clientes fazem com as empresas depois de as comprarem. Comparou mesmo a firma a uma fábrica de automóveis e disse que culpar a Mossack Fonseca pelo que as pessoas fazem com as suas empresas seria como culpar um fabricante de carros se o teu “veículo for roubado”.
Oficialmente, de acordo com o site da Mossack Fonseca, a firma especializa-se em serviços para fundos, serviços legais, fundação e formação de empresas e propriedade intelectual. Assegura aos potenciais clientes que pode gerir negociações em “qualquer país” e “levar a cabo transacções em qualquer moeda”.
A empresa foi fundada em 1977, por Fonseca, um proeminente homem de negócios do Panamá, e Jurgen Mossack, um imigrante alemão cujo pai, de acordo com o CIJI, levou a família para aquele país depois de servir as SS de Hitler durante a II Guerra Mundial. Hoje com 68 anos, Mossack é dono de um iate chamado Rex Maris, uma colecção de moedas de ouro, plantações agrícolas, e um helicóptero, entre outros bens, também segundo dados do CIJI.
“Fonseca diz que a sua firma não tem qualquer responsabilidade pelo que os seus clientes fazem com as empresas depois de as comprarem”.
Até ao início deste mês, Fonseca era um conselheiro de topo do presente do Panamá, Juan Carlos Varela, mas anunciou recentemente que iria tirar uma licença, depois de o escritório brasileiro da firma ter sido implicado no escândalo Lava-Jacto. Por incrível que pareça, Fonseca é também um romancista best-seller. Tem quatro livros publicados, entre os quais “Dance of Butterflies”, que explora “a relação próxima entre poder e moralidade, alavancado em situações históricas ocorridas nos últimos anos no Panamá”, e ainda “Mr Politicus”, que examina “os processos intrincados que políticos sem escrúpulos utilizam para se manterem no poder e, a partir daí, satisfazerem as suas ambições desmesuradas”.
Em 1987, Mossak Fonseca estabeleceu o seu primeiro ramo no estrangeiro, montando escritório nas Ilhas Virgens Britânicas. Desde então, cerca de 40 por cento das empresas offshore mundiais – mais de 900.000 entidades – foram incorporadas no território britânico do Caribe. O CIJI realça que metade das empresas que aparecem nos ficheiros da Mossack Fonseca foram registadas ali.
A mOssack Fonseca tem escritórios em 44 países, incluíndo Bahamas, Chipre, Hong Kong, Suíça, Brasil e até nos Estados Unidos, com moradas no Wyoming, Florida e Nevada. Em 1994, a firma ajudou Niue, uma ilha localizada a 400 milhas da Samoa, no Oceano Pacífico, a desenhar legislação especial para facilitar a incorporação de empresas offshore. O negócio concedeu à Mossack Fonseca direitos exclusivos para o registo de empresas offshore nos 20 anos que se seguiriam.
No ano 2000, que tem menos de dois mil habitantes, tinha seis mil empresas offshore registadas e facturava cerca de 450 mil euros por ano por esse facto. No ano seguinte, bancos norte-americanos emitiram uma proibição para o envio de dinheiro para Niue, e o Departamento de Estado começou a levantar questões sobre a natureza da relação daquele Estado com a Mossack Fonseca. Entretanto, uma iniciativa intergovernamental contra a banca offshore colocou Nieu na lista negra, bem como outras ilhas do Pacífico por alegada cumplicidade com a lavagem ilegal de dinheiro.
Em 2003, com Niue a debater-se com o embargo dos dólares imposto pelos bancos norte-americanos, a Mossack Fonseca mudou as suas operações no Pacífico Sul para a Samoa. “A mudança fez parte de um padrão que é visível nos docuemntos”, salienta o CIJI. “Quando questões legais atingiram a capacidade da firma de servir os seus clientes, houve uma adaptação rápida e logo foram encontrados outros locais”.
Os documentos agora conhecidos mostram que a Mossack Fonseca trabalhou com utilizadores de esquemas ponzi, traficantes de diamantes, traficantes de droga, oligarcas ucranianos, reis sauditas e associados muito próximos do presidente russo Vladimir Putin. Os documentos também ligam a firma ao infame golpe do ouro ocorrido em 1983, em Inglaterra, quando seis ladrões, para além de terem queimado vivos os guardas, roubaram quase sete mil barras de ouro, diamantes e dinheiro. Segundo o CIJI, os “Panama Papers” alegadamente mostram que os agentes da Mossack Fonseca sabiam que estavam a lidar com verbas provenientes desse assalto.
Em resposta à fuga de informação, a firma diz numa declaração oficial que opera em 40 países “sem que alguma vez tenha sido repreendida, seja no Panamá ou noutra qualquer jurisdição onde opera”. E acrescenta: “A nossa empresa nunca foi acusada ou condenada por qualquer relação com actividades criminosas”.
A Mossack Fonseca diz que discorda por completo das alegações que “implicitamente dizem que a função primordial dos serviços que providencia seja a de facilitar a fuga aos impostos”. E mantém que sempre “cumpriu os protocolos internacionais”, assegurando que “as empresas que incorpora não usadas para favorecimentos fiscais, lavagem de dinheiro, financiamento terrorista ou outros propósitos ilícitos”.
Segue a Tess Owen no Twitter: @misstessowen