O Milhões é um festival que teve 20 ingressos na primeira edição, e no ano passado superou as 4000 por dia. Um nome indissociável da peregrinação anual a Barcelos é o de Joaquim Durães, o capitão da Lovers & Lollypops que começou a carreira como promotor a organizar um concerto num campo de futebol em Carapeços, Barcelos.
VICE: Quando vocês fizeram os primeiros dois Milhões — as festas nas cidades de Porto e Braga — o objectivo já era chegar a um festival com vários dias?
Joaquim Durães: O Milhões começou de uma maneira muito casual, houve simplesmente uma altura em que a Lovers tinha quatro bandas a passar pela cidade do Porto em quatro dias seguidos e pensámos: porque não fazer disto um festival? A tagline foi “a Lovers & Lollypops dá-te milhões de festa”, e o nome ficou. Como eram bandas de gente que se conhecia, acabou por se gerar ali um ambiente de festival. Quando no ano seguinte fizemos o Milhões em Braga já estava pensado de origem como um evento. E isso fechou um ciclo que se estendeu de 2005 a 2007, uma época bem engraçada na música underground em portugal, e nos espaços que a acolhiam.
Recordas esse ano de 2005 com carinho, mas vocês já programavam antes de serem a Lovers.
Sim, já organizávamos concertos em Barcelos antes de os promover no Porto. Aliás, eu paguei o meu ano de Erasmus com um concerto que programei em Barcelos, em 2004. A organização era de uma claque de futebol, a Pesadelo Amarelo, e o festival chamava-se Pesadelo Rock. Só me deram duas opções: a opção um era as coisas correrem bem, ficar tudo pago e toda a gente ganhar dinheiro; e a opção dois era as coisas correrem mal, haver prejuízos e eles partirem-me as pernas. Basicamente, tinha de correr bem, e felizmente correu.
E como se passa desses Milhões no Porto e em Braga para o de 2010, numa escala completamente diferente?
O processo acaba por ser o mesmo, aquele processo egoísta — e não sei se é esta a palavra mais correcta — de escolhermos trazer aquelas bandas que mais nos interessaram ao longo do ano. Não quer dizer que quando programamos o fazemos apenas para nós, claro. A nossa esperança é que as pessoas percebam e partilhem aquilo que vimos naqueles projectos.
Quanto à programação do Milhões deste ano, parece que há ali mais detalhes de música do mundo. É algo que indica uma evolução no tom do festival ou é tudo incidental?
Sempre houve uma pitada aqui e ali, mas sempre enquanto reflexo do que íamos ouvindo durante o ano. Mas não encaro aquilo como músicas do mundo e antes como músicas de diferentes mundos. Ok, pode haver algumas bandas com cariz mais ortodoxo, mas há outras que adaptam a estética pop ou rock ao tom da região de onde vêm. Esse é que poderá ter sido o nosso conceito: abandonar um bocado o eurocentrismo e procurar projectos de outros continentes que não tenham tanta visibilidade. Temos, por exemplo, o Baris K, um DJ turco que pega no rock turco dos anos 70, que é super fértil, e adiciona variantes electrónicas a esses clássicos. Não diria que é um cartaz de músicas do mundo, mas é um cartaz mais plural.
Melvins é um nome que já tinha sido falado para outras edições do Milhões, e este ano não se volta a concretizar.
Não vai ser para desistir. Este ano, por exemplo, conseguimos finalmente trazer os Earthless, que já queríamos desde 2010 — eles estavam lá naquela primeira folha de excel com o alinhamento. Cheguei até a fazer chamadas para a casa do guitarrista e falar com a família toda dele, do Isaiah. As coisas acontecem quando têm de acontecer, mas não escondo que o caso dos Melvins é uma das minhas grandes ambições, mas estamos prontos para insistir.
Pessoalmente, o que te deu mais prazer trazer ao Milhões este ano.
Essa é aquela questão sempre complicada de responder. Há uma imensidão de bandas que acompanho há muito tempo. High on Fire é um exemplo disso, o Matt Pike é uma das figuras por quem mais nutro carinho. E depois há uma série de bandas que estou curioso para ver ao vivo porque nunca vi: os Teeth of the Sea, os Boogarins, os Night Beats, os Lay Llamas. Este ano espero não ter muito trabalho para conseguir apanhar alguns concertos, mas é sempre difícil.
Entretanto, já lá vão quase dez anos desde que enveredaste pela programação e promoção de concertos. Já há algum cansaço?
Há sempre momentos de cansaço, em que pões algumas coisas em questão. Mas eu acho que isso faz parte e é até salutar. Se entras em piloto automático e nem pões em questão o que estás a fazer, isso já é meio caminho andado para começares a fazer as coisas de uma forma autómata e preguiçosa. Isto não é um trabalho onde estás ali a despachar tarefas, como um contabilista de escritório. Nada contra, acho que a minha contabilista gosta muito do que faz, mas eu não sou talhado para esse tipo de trabalhos. Não digo que consiga fazer isto para sempre, mas encaro-o como um projecto de vida.
E o Milhões, é para permanecer em Barcelos?
As relações com a Câmara Municipal de Barcelos são óptimas. Há vontade dos dois lado de continuar com a parceria, e isso materializou-se com a renovação do protocolo de colaboração até 2017. E a convivência é salutar, o número de queixas pelo barulho caiu para 10% do valor que teve em 2010, é complicado estarmos a fazer aquilo no centro da cidade mas as pessoas estão a habituar-se. E depois tens episódios que espelham as boas relações: no fim da conferência de imprensa para apresentar o festival o vereador da cultura da CM de Barcelos chamou-me ao lado e disse-me que me tinha esquecido de falar nos Boogarins. “É que eu tenho ouvido os Boogarins e até gosto”. Coisas dessas são impagáveis.
Fotografia por Vasco Vieira