O Kanye West só quer ser gente como a gente

Imagem via Youtube.

Anteontem, o Kanye West disse umas coisas bem horríveis para o Wiz Khalifa no Twitter. Algumas delas foram engraçadas, outras cruéis, e outras simplesmente grosseiras e sexistas. Foi um grande acontecimento. É o motivo porque você deve ter clicado neste artigo. Eu já chego lá, mas, primeiro, preciso falar uma coisa sobre o David Bowie.

No início dos anos 1980, o Bowie estava numa situação esquisita. Ele não era mais a potência comercial da época do Ziggy Stardust, e viu que não conseguiria mais se manter a sua dieta de cocaína, pimentas e polêmicas histéricas da fase Thin White Duke. Então ele foi à Alemanha para desintoxicar e levar sua música adiante com a chamada “Trilogia de Berlin”, na qual ele se livrou dos excessos e artifícios do início da carreira e se reinventou como um experimentalista da mais alta ordem.

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O único problema é que, quando você domina praticamente todos os estilos de rock e vanguarda, para onde você vai em seguida? Bom, você olha para trás, para os lados também, e, quem sabe, você tenha a sorte de ter alguém que o faça olhar para frente. Essa era a ideia, ao menos, quando Bowie recrutou o prodígio Nile Rodgers para produzir o Let’s Dance, fundindo seu estilo pop e repleto de sintetizadores com a guitarra de blues texano de Stevie Ray Vaugh, cujo solo, sobre o pano de fundo dançante de Rodgers, deixou as músicas ao mesmo tempo alienígenas e perfeitamente contemporâneas. Lançado em 1983, o disco vendeu dez milhões de cópias e lançou Bowie para um nível de fama ainda maior. Eles fizeram tudo em menos de três semanas.

Parece que o Kanye West – um cara também conhecido por sua capacidade camaleônica de circular por todos os estilos e ainda criar seu próprio, que dispõe de inclinação ao comportamento público chocante e uma sensibilidade estética onívora influenciada pela moda e pelo design – está trabalhando em sua versão de Let’s Dance. Com seu álbum Yeezus, de 2013, Kanye West uniu, de forma bem-sucedida, o som do IDM e do underground eletrônico de vanguarda com a agressão característica da cena do rap de Chicago, sua cidade natal, filtrando os resultados com sua malandra sensibilidade pop e minimalismo a la Rick Rubin. Na sequência, fez uma turnê usando máscaras incrustadas de diamantes no topo de uma montanha – simultaneamente matando o artista e chamando a atenção para si da forma mais flagrante possível. Depois da turnê, ele se concentrou principalmente em moda, lançando um grime aqui, uma colaboração com o Paul McCartney ali, um freestyle acolá, com diferentes níveis de reconhecimento e interesse.

Isso tudo mudou algumas semanas atrás quando ele lançou “Real Friends”, uma balada melancólica juntamente dom Ty Dolla $ign, seguido de “No More Parties in LA”, uma faixa de seis minutos na qual Kanye e Kendrick Lamar rimam sem parar em cima de uma batida do Madlib, um especialista em batidas boom-bap chapadas. As duas faixas carregam uma urgência confessional subjacente, algo que faltava nas músicas mais recentes de West (muitas das letras de Yeezus eram pedaços de músicas do Kanye de mais de uma década e que não tinham sido lançadas). Seus dois últimos lançamentos, entretanto, parecem “modernos e além do tempo”, da mesma forma como Nile Rodgers descreveu o som de Bowie em Let’s Dance.

Então, o West está basicamente entrincheirado no estúdio há duas semanas ou mais, evidentemente tirando músicas das oito horas de batidas enviadas pelo Madlib. Ele contou com Swizz Beatz no estúdio também, além de Travis $cott e The-Dream, que também compartilham o dom de Kanye na criação do pop puro. Se, como Kanye sugeriu, seu disco novo usar as batidas de Madlib, o resultado seria algo próximo ao Let’s Dance. Não como um refúgio na segurança da comercialidade por si, mas uma tentativa de fundir estilos de um jeito que convida o ouvinte à festa, em vez de deixá-lo de fora como o Yeezus fez.

Talvez, como forma de desabafar no meio dessa pressão intensa e autoimposta (parece que Kanye começou a trabalhar pra valer no álbum somente um mês antes da data de lançamento, 11 de fevereiro), West tem twitado com uma frequência que não víamos desde o lançamento deMy Beautiful Twisted Fantasy.

Nesse ponto, o Twitter é para o hip-hop o que as entrevistas antes de entrar no ringue são para os lutadores profissionais – uma possibilidade de se autopromover, xingar muito (publicamente), agir de modo imbecil ou puxar uma treta. Depois de Yeezy ter twitado quemudara o título do álbum de Swish para Waves por motivos que ainda não compreendemos, Wiz Khalifa, dentre todas as pessoas, decidiu censurar o West pelo… quê? Por desrespeitar Max B, o cara que popularizou o termo “wavy” no hip-hop? Uma treta antiga que o Khalifa tem com o West porque os dois saíram com a Amber Rose?

Não importa muito agora, porque Khalifa twittou, “Hit this KK and become yourself”, e que West interpretou como referência à sua esposa Kim Kardashian, por isso respondeu: “Oh n—gas must think I’m petty cause I’m the best that ever made music… Like oh, that’s Ye and I can put his wife’s initials on my Twitter @wizkhalifa.” Então ele começou a, exatamente, destruir a imagem de Khalifa de uma forma extremamente rude, tirando sarro de suas calças e dizendo que Khalifa se arrependeu de ter um filho com Amber Rose porque a criança era um símbolo de que “você caiu na armadilha de uma stripper”. Foi esse nível de mesquinharia que fez a conversa baixar ao nível do insulto na introdução de “You Gotta Love it” do Cam’ron, uma diss pro Jay Z que o acusava de, entre outros crimes contra a humanidade, “usar sandálias com jeans”.

Logo em seguida, West deletou os tuítes, dizendo que é “tudo a respeito de energia positiva” e que ele agora entende que Khalifa estava se referindo à maconha e não à Kim quando usou o termo “KK”. O caso todo, que causou uma tempestade de merda suficiente a ponto de gerar este artigo, durou uma tarde toda, o que parece uma quantidade de tempo suficiente para pensar sobre duas pessoas famosas tretando no Twitter.

Kanye West é uma das raras figuras públicas que compreende totalmente o impacto de cada movimento seu. Não dizendo que ele seja um ególatra, ou um tipo de provocador cultural autorreflexivo – apesar de que há certos elementos de ambos os arquétipos culturais em sua persona. Quero dizer que ele sabe que as pessoas prestam atenção em tudo o que ele diz, e que analisam tudo minuciosamente até o fim, tentando encaixar tudo em uma linha temporal do seu comportamento ao longo da história.

Quando entrevistado, logo após o lançamento de Let’s Dance, Bowie disse a um repórter da Time que “é difícil fazer as pessoas acreditarem que você não precisa ser uma criatura da noite drogada, vampiresca e de dentes pontudos para dizer uma coisa importante”. E parece que West está enfrentado o mesmo dilema: como, depois de convencer o mundo de que não sou igual às outras pessoas, ainda poderei exercer a mesma influencia sem que as pessoas me tratem como se eu fosse uma criatura de outro planeta?

É como se, depois de se lançar ao espaço com My Beautiful Dark Twisted Fantasy e ameaçado queimar o mundo com Yeezus, ele tenah dado a volta em torno do sol e agora esteja tentando aterrissar de voltar no planeta Terra. Ele está se trancado no estúdio, compondo rimas sobre seu primo roubar o seu laptop e deixando a bunda de fora nas mídias sociais por não conhecer uma gíria jovem para maconha. É parte de sua aterrissagem pública, um retorno à normalidade por parte de um cara que fez sua cama não sendo nada normal. .

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