O Matanças é um festival dos diabos


Doçaria tradicional do festival, 2008

É na Casa Viva, um espaço autogerido na praça do Marquês, em pleno centro do Porto, que todos os anos se celebra um festival de arte sonora e visual dedicado ao ritualismo, ocultismo, idolatria e humor negro: o Matanças. Contando com um pequeno grupo de fieis seguidores que teimam em passar o fim-de-semana antes do Natal a apanhar frio e beber cerveja, o festival é um raro caso de longevidade e o único em que podem assistir a improvisos de harpa sobre projecções de cinema mudo depois de um concerto de heavy metal.


Mercado Negro

As bandas esmeram-se a arranjar nomes tão fixes como TendaGruta, I Hate Spain ou Morte Shopping e não poupam nos adereços para dar um bom espectáculo: já lá vi tocar um ancião de grandes barbas postiças, tribos indígenas, noivas, ninjas, cantautores e até um célebre vocalista que passou metade do espectáculo dentro dum caixão de cartão, para aparecer de surpresa a meio duma música. Boa parte destas bandas é criada uns dias antes do Matanças para aí darem o seu primeiro e último concerto, o que dá um carácter único a cada edição, e actuações como a de Besta Bode, Cemitério, Paião Amanhã ou Ungala Coi ainda hoje me ecoam na memória entre as mais fixes que já vi. Os estilos vão do punk ao noise, passando pela electrónica, música tribal, pop revolucionário e jazz.


Esta bíblia já era.

Paira sobre o festival uma aura de humor sarcástico e um espírito natalício de reunião e companheirismo que não consigo bem explicar. Além dos concertos há um mercado negro “onde podem efectuar transacções de edições obscuras em troco do vil metal”, culinária demoníaca através da qual podem saciar os mais negros apetites, e performances ritualísticas: a melhor parte do festival. Lembro-me particularmente bem de uma em que um tipo semi-nu levava com confettis enquanto se ria do público e outra em que um grupo de gajos vestidos de extremistas islâmicos observavam uma miúda a queimar e comer uma bíblia comprada na igreja ao lado. Reza a lenda que o festival deu dez euros de prejuízo, o preço da sagrada escritura.


Bem-vindos ao INFERNO!

Há dias atrás, quando pedi à organização alguma informação sobre o festival, disseram-me que teria de ir buscar uma caixa com informação secreta a um café no Centro Comercial Stop. Cheirou-me a aventura e ganhei coragem para apanhar o metro até ao Heroísmo para assim chegar ao meu destino. Chegado ao café, disse o código secreto ao funcionário, que me serviu um shot de bagaço dizendo que era a primeira etapa para receber a misteriosa caixa. Bebido o shot ele saiu durante uns momentos, voltando com um saco com um fedor tão pungente que tive de sair do café para ir inspeccionar o seu conteúdo. Dentro do saco estava outro saco, dentro desse saco uma caixa de madeira fechada com pregos.



Parte do conteúdo da caixa. A vela aromática não estava incluída mas ficava fixe.

Abri-a para ver um brinquedo em forma de pássaro, um rebuçado de uma casa de saúde mental, flyers de distribuidoras de álbuns de metal de há décadas atrás e de grandes ocultistas africanos com solução para todas as maleitas, uma entrevista ao José Cid com algumas palavras como “sofrimento” sublinhadas e um terço partido. Nada encontrei que explicasse o cheiro fétido até retirar o monte de papelada para encontrar um plástico com três pés de galo. Bruxedo. Retirei-me para uma casa amiga para juntar os papeis que tinham escrevinhada alguma informação sobre o festival, estendemos o conteúdo da caixa numa toalha de mesa para uma foto e fui embora. O cheiro ficou.



Não sendo perito em magia negra, posso avançar que este ano o Matanças ocorre Domingo, dia 22 de Dezembro, pelas 16 horas, no sítio do costume. Aos nomes mais familiares, Ghunagangh e DJ Lynce, juntam-se projectos como Pterossauros, BodyHammer, Dealy, Bestemia, Tuna de Free Jazz de Freamunde, As Queimadas e Reconstituição Histórica do Cerco do Porto (que poderá ser uma banda ou uma performance, não se sabe). A entrada é gratuita, mas quando a lata das contribuições passar, sejam generosos. Não vá o diabo tecê-las.