O Musikki quer revolucionar a forma como ouvimos música

Os portugueses responsáveis pelo

Musikki, site dedicado à compilação de conteúdos musicais, venceram recentemente o prémio SuperBock – Indústrias Criativas e voltaram a ser falados nos media nacionais e não só. Como site agregador de conteúdos que o Musikki, parece apostado em apanhar o mesmo comboio dos gigantes tecnológicos: procurar uma fórmula que permita às máquinas agregar conteúdos, lendo-os para lá do significado binário.

Para já, não parece que a solução esteja ao virar da esquina. As tentativas da Google (a “leitura” de imagens, a apresentação de um knowledge graph, a criação de uma infobox) demonstram-no bem apesar do sucesso relativo. Mas enquanto o derradeiro passo para a definitiva leitura semântica não é dado, há sites como o Musikki que, na sua área de actuação, conseguem apresentar-nos conteúdos não só pertinentes como estruturados (e isto acaba por ser louvável se pensarmos que carece de uma base de dados interna). Falei com o João Afonso, um dos três fundadores do deste site, para saber quais serão os próximos passos do Musikki e quão divertido será o que está para vir na indústria da música.



VICE: Olá João, como estás?
João Afonso:
Bem, e tu?

Tudo bem. Primeiro que tudo, tens noção que, neste momento, o Musikki é a cena de que se fala, certo?
Sim, e espero que ainda se venha a falar mais. É para isso que estamos a trabalhar, não só cá mas também lá fora. O nosso objectivo passa por fazer um projecto global e não apenas um projecto nacional.

Segundo sei, a ideia foi explorada em 2010 mas foi em 2011 que abriram a empresa. Conta-me como são os primeiros tempos de uma startup.
Eu sou um grande consumidor de música. Enquanto estudava, trabalhei na Valentim de Carvalho, tive um programa de rádio, fui DJ em bares e tive uma pequena loja de música mais alternativa com vinil e cenas indie. A paixão era a música e o meu background académico era ligado à tecnologia. Sempre que pesquisava sobre uma banda chateava-me ter que saltar de um site para o outro, isto é, ter de procurar a biografia na Wikipedia, saltar para o youtube para ver vídeos, e se quisesse ver outras coisas tinha que ir a outros sítios. Como tinha o conhecimento tecnológico, começou a parecer-me estranho ter que fazer esses passos todos. Fiz umas experiências e o primeiro protótipo, ainda a preto e branco, foi apresentado à Juliana e ao Pedro (co-fundadores) e eles acharam que seria uma excelente ideia e poderia resolver o problema. Convidei-os a juntarem-se a mim e ao que eu tinha inicialmente feito e como queríamos criar o nosso próprio negócio, decidimos procurar investimento. Na altura concorremos ao prémio da Zon. Submetemos a ideia a concurso e nem sequer fomos seleccionados.

Não desistiram porquê?
Ficámos desiludidos porque achámos que tínhamos uma ideia interessante mas o mais engraçado foi que, como tivemos que pôr isso online para ser avaliado pelo júri, a coisa começou a tornar-se orgânica (isto foi em Novembro) e em Janeiro sai na Mashable e no Hypebot. Aí ganhámos um pouco de confiança. Os utilizadores estavam a gostar e pronto, correu mal daquela vez mas podia correr melhor das próximas. Participámos noutras competições, procurámos melhorar e concorremos ao prémio do ISCTE e o MIT. Começámos por vencer a meia-final em Setembro, ganhámos 100 mil euros em investimento (e foi por isso que a empresa só foi criada mais tarde). Ficámos seleccionados e ganhámos a final, ganhámos 200 mil euros.



No início tinhas a ideia e pouco mais, é isso?
Sim, e tínhamos uma versão que já permitia agregar e pesquisar mas obviamente mais limitada do que é agora. Era uma versão alpha que tinha alguns exemplos de conteúdo, tinha algumas fontes e que entretanto melhorámos em termos de performance, design, etc. Seja como for, essa versão alpha permitiu-nos chegar à final e ganhá-la.

Qual achas que foi a vossa mais-valia?
Há muita gente que tenta concorrer a concurso com uma ideia. Às vezes têm sucesso, outras vezes não. Nós tentámos pôr essa ideia em prática e isso é muito mais fácil que descrever um conceito abstracto.

Entretanto, cheguei a ver a vossa app a rodar pelo Facebook mas agora não a encontro…
Sim, está integrada no site do Musikki. Se fores à tua área de utilizador encontras lá uma opção que te permite ver a música que os teus amigos estão a partilhar sem ir ao facebook, o que torna mais rápida a aplicação. Nós estávamos com uns problemas: o Facebook é muito pesado e tivemos dificuldades em ter uma boa aplicação a correr dentro do Facebook, por isso optámos por tirá-la de lá. É óbvio que nós podíamos apostar mais nessa versão e ter um produto à parte mas nós queremos algo que fique durante muitos anos. Não queremos uma pequena aplicação esteja dependente do uso das redes sociais e que seja utilizada um ou dois anos e que depois se perca. Queremos fazer algo que fique muitos anos, como o IMDB que está cá há 20 anos e como outros sites. Queremos ter impacto na vida de toda a gente na rede. Estamos mais interessados na parte da informação e da recomendação do que nessas pequenas aplicações, que até são úteis e virais, mas que não nos interessam tanto a longo-prazo porque queremos sustentar uma industria inteira.



Usando aqui a gíria empresarial, achas que chegaram àquele ponto em que se pode dizer que a empresa atingiu a maturidade necessária para outros voos?
Sim, mas ainda há muito caminho. Pensando em desenvolvimento de produto estamos só a 20 por cento daquilo que temos pensado implementar. Agora, acho que é um excelente começo até pelo feedback que temos tido — fui ao Midem, ao South by Southwest, etc e temos tido oportunidade de estar em contacto com as maiores empresas do mundo na nossa área — Spotify, Shazam, Apple — e o feedback deles tem sido fantástico.

Ainda bem que falas nisso, o que é que te distingue de outras plataformas?
Para já, acho que se faz um bocado de confusão aqui. Nós não somos concorrentes nem do Spotify, nem de outros players de música. Quando muito seremos rivais de um AllMusic ou de um Myspace, que até já está em queda há algum tempo. Esses sim podem ser considerados nossos concorrentes, vamos ocupar os espaço deles, os outros não. No fundo nós estamos a agregar todos os serviços que estavam dispersos e estamos a trazer mais utilizadores para o Spotify, mais pessoas a comprar na Amazon, mais pessoas a comprar no Itunes e a ver vídeos no Youtube. Vamos juntar estes serviços todos e podemos ajudar cada um deles a melhorar. Nós queremos chegar a um ponto em que a nossa plataforma seja não só aquela que tem a informação mas também aquela que serve todas as existam na mercado. Ser uma referência no music metadata.

Voltando um pouco atrás, disseste que tinhas implementado 20 por cento do que querias. Em termos práticos, o que é que os utilizadores podem esperar no futuro?
Neste momento podemos pesquisar por artista, álbum e música. Queremos melhorar a oferta, por exemplo, dentro de poucas semanas vamos lançar lyrics e, mais tarde, vamos acrescentar o Mixcloud, o Soundcloud, o Bandcamp, etc. Temos dois grandes objectivos: o primeiro é que para além de o todo ser muito maior que a simples soma das partes, vamos tentar chegar a um ponto em que já não temos fontes primárias — Wikipedia ou outros — e vamos pedir ao utilizador para nos ajudar a preencher as falhas de informação, imagina que falta a editora de um disco, queremos que o utilizador nos diga e que o escreva. O segundo passo passa por transformar todas as entradas musicais do Musikki se tornem em páginas dinâmicas, ou seja, que cada autor seja no fundo um agregador de tudo o que já fez. E isto tudo serve para tentarmos criar uma espécie de browsing ininterrupto, e não é só para criar “a” base de dados dinâmica mas também para trazer algo que acho que se perdeu com o surgimento da internet.

No fundo trata-se de conhecer nova música para lá dos relacionados.
Sim, eu acho que a música ganhou bastante em termos de projecção mas acho que perdemos uma descoberta baseada no nosso próprio conhecimento da música.

Parece-te que os relacionados não cumprem essa função?
Acho que não. Acho que te permitem chegar a coisas similares. Os relacionados são baseados em coisas que tu fazes ou em coisas que alguém que tu conheces ouviu. Já não temos aqueles saldos de antigamente. Antes do aparecimento da internet estavas a ouvir um cd e a folhear o booket, procurando e memorizando quem tocou. Por exemplo, ouvias os Beastie Boys, encontravas o Rick Rubin e daí chegavas a Public Enemy através do produtor, mesmo que não gostasses muito a hip-hop. E daí chegavas a outra banda através de um nome que encontrava nesse disco. É um pouco isso que queremos trazer de volta, a pesquisa com base no conhecimento. Depois, há outra coisa que queremos fazer, e aqui talvez possamos demorar mais tempo.



É tudo uma questão de algoritmos?
Para nós, usar algoritmos para definir o que podemos gostar, parece-nos bem mas para recomendar acho que vamos chegar a um limite. Eu consigo antecipar o teu perfil em termos de gosto agora interessa mais teres curadores que te digam aquilo que podes gostar de ouvir. A ideia é lutar por outros géneros senão a recomendação vai entrar nas mesmas coisas. Acho que é na informação e na recomendação que nós podemos entrar. Se chegarmos a este ponto podemos alimentar uma boa parte da industria e tornarmo-nos um grande player a nível mundial.

Há pouco falaste da integração dos utilizadores na criação de conteúdos, algo que já vemos em plataformas como as wikis mas falaste também da importância da difusão de conhecimento, algo muito mais próximo da web semântica que se avizinha. Se ignorarmos as recentes tentativas do Google em estruturar os primeiros resultados dos milhares de resultados que apresenta, o termo “Google da música”, por tudo o que já foi dito, faz muito pouco sentido.
Por acaso esse termo não fomos nós que o colocámos e, por acaso, acho que não nos faz muita justiça. Eu gosto mais da comparação com o IMDB da música. Entendo que para criar a notícia seja mais fácil comparar com a Google do que com o IMDB, ou porque a marca não é tão forte ou porque mais fácil comparar-se com a Google. Sobre essa parte da web semântica é algo que queremos apostar. Nós já estamos a fazer experiências nesse sentido, a fazer notícias e reviews e definir se o artista é mencionado no artigo ou se o artigo é sobre ele. Estamos a trabalhar muito nisso e uma das coisas às quais obviamente queremos chegar é algo como entrar numa lógica de jogo com o utilizador. Queremos fazer essa colagem ao IMDB mas sempre com uma ressalva, para além da área, que é: o IMDB possui uma base de dados, nós não temos nenhuma informação, para já, do nosso lado. Há um bom exemplo de tudo isto, há dias atrás, quando faleceu o Lou Reed, vi no Twitter a anunciarem a morte dele e pesquisei imediatamente no Musikki e já estava actualizado, lá está, porque nós não estamos baseados em algo estático. A biografia da wikipedia tinha sido actualizada há minutos e a nossa também, sem que fizéssemos nada. A ideia é chegar a um ponto em que temos várias fontes de informação. Se não é a wikipedia a fonte mais actual, temos que ir buscar a outro lado e depois pedir ao utilizador o que falta.


Foto da equipa em 2011

Voltando à expansão do Musikki. Li algures que já estão a abrir um escritório em Boston…
Não. Falou-se de Boston por causa do prémio do MIT que nos garantia uma estadia mas não. Tivemos em Sillycon Valley, Londres, Boston, Austin mas parece-nos que na área específica em que nós estamos faz mais sentido estar em Londres, que é onde está a indústria musical, porque se o produto for de grande qualidade e valor as coisas vão acontecer. Aliás, tivemos a sorte do governo inglês nos ter encontrado cá e, primeiro, nos ter convidado para ir ao Digital Shoreditch, em Londres, fazer uma apresentação e depois, aos Technology Innovation Forum que juntou as principais empresas dos EUA e de Inglaterra de Industrias Criativas, ou seja, a Universal Music, Google, Shazam e outras empresas de media. Este convite do governo inglês e mostrou-nos que têm as condições e que é o sítio ideal para fazer negócio. Sempre que estive em Londres o nosso business development cresceu. Ia para uma reunião e desbloqueava a reunião seguinte num instante. É completamente diferente daquilo que cá se faz.

Parecem lançados. Obrigado, João.

Fotografia por Paulo Cunha.

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