Identidade

O primeiro hostel para mulheres trans no Brasil fechou as portas

O Castelo resistiu enquanto pôde. Depois de um ano e seis meses de funcionamento, o primeiro hostel brasileiro exclusivo para mulheres trans fechou suas portas no início de junho deste ano.

A dona, Mariah Agatha Jeremias de Souza Lima, 46, empresária, fundadora da ONG Asgattas e participante ativa da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), entregou as chaves do imóvel e, atualmente, busca alternativas para abrigar suas hóspedes.

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Será difícil encontrar um lugar à altura. O Castelo é amplo, com capacidade para alojar até 30 pessoas. A planta residencial é estruturada em dois andares, nove quartos, duas salas de convivência, um refeitório, uma piscina e um salão de festas.

Antes de encerrar as atividades, o hostel acomodava nove inquilinas com idades de 18 a 25 anos. Todas trabalhavam no mercado da prostituição. Essa atividade as designa como população itinerante, pois raramente ficam mais de cinco meses numa mesma cidade. Nesse contexto, a hospedaria atuava como um oásis e, para funcionar como tal, existiam regras.

Era estritamente proibida a entrada de homens e/ou clientes. Também era vedado o consumo de drogas ilícitas (maconha era liberada). Além disso, a decoração era controlada. As meninas não podiam enfeitar os espaços conforme suas vontades, precisavam respeitar o coletivo.

No Castelo, todas eram instruídas a visar ao bem comum e isso promovia vantagens. A liberdade religiosa era uma característica marcante. Cristãs, espíritas e adeptas do candomblé e da umbanda conviviam em harmonia. E esse equilíbrio se propagava em outras áreas. Jaque, 32, empregada doméstica, preparava opções vegetarianas todos os dias para quem optasse por seguir uma dieta sem carne. “Viver lá era melhor e bem diferente do que em outras casas que existem por aí”, relatou Mel, 20, ex-moradora.

Esse diferencial vinha com um custo. O preço da diária dependia do tipo de acomodação e variava entre R$ 55 a R$ 70 (com almoço incluso). “Você vai encontrar lugares por R$ 30, mas eles não oferecem um serviço de qualidade como o meu. Por isso, também, estou tendo problemas, elas [as cafetinas] têm inveja do meu modelo de negócio e não sabem separar as coisas”, contou Mariah Agatha. A dona do Castelo afirmou ter sido ameaçada de morte e isso a fez desistir do aluguel do imóvel e da vizinhança.

Segundo ela, não havia como trabalhar num território hostil. E quando questionada sobre a origem das agressões verbais, disse que envolvia uma série de disputas entre facções, cafetinas e donos de rua (pessoas que cobram para que as prostitutas atuem em determinado local). “Eu até tentei parcerias, mas às vezes o diálogo não funciona”, revelou a empresária.

Apesar disso, um acordo foi estabelecido. Houve uma redução da taxa cobrada pela dona da rua na qual as hóspedes trabalhavam. As profissionais, enquanto moradoras do Castelo, precisavam pagar R$ 20 pelo espaço, à medida que as demais pagavam R$50. Essa decisão atraiu inquilinas. “É um trabalho como qualquer outro e você vai onde vê mais benefícios”, apontou Bárbara, 23, ex-residente.

Os números não mentem, incentivos fazem a diferença: 57 mulheres trans passaram pelo hostel (e muitas voltavam quando estavam em Ribeirão Preto).

É importante assinalar que o Castelo não aspirava à condição de moradia perfeita. Mesmo assim, sua breve existência, baseada no intuito de proporcionar conforto e segurança, lançou uma interrogação acerca do que é, afinal, um lar. E sobre quem tem direito a ele.

Mais fotos da Fernanda Seavon abaixo e também no Instagram.

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