“Alô, alô Brasil. O Boeing da emoção acaba de decolar! Eu mato no peito, boto a bola na grama e a faço rolar.”
De camisa cinza justa, calças com leves rasgos nos joelhos, Alexandre de Barros, de 42 anos, anuncia a escalada do programa de rádio que apresenta, o TEC, Tropical Esporte Clube, na rádio Tropical FM, a última do dial paulistano, sintonizada pelo 107,9. Chama as notícias do “time do povo”, o Corinthians, e avança para Palmeiras, São Paulo e Santos. Por último, fala da Portuguesa, o quinto grande paulistano, clube vice-campeão brasileiro de 1996, bi do Rio-São Paulo e com três títulos paulistas no currículo. E a notícia era que ele, Alexandre, era a notícia.
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Um dia antes, na segunda, 5 de dezembro, o radialista havia se tornado o primeiro negro a presidir um clube grande de São Paulo. Se no Brasil um negro dirigir do banco um time é um raridade, imagine um presidindo um clube tradicionalíssimo de colônia, a portuguesa.
O programa, que rompe as horas a partir das 20h da terça-feira, era o primeiro de Barros em três semanas. Ele havia se licenciado da equipe para trabalhar pela eleição na Lusa. Foram 147 votos contra 35 de Marco Antônio Teixeira Duarte, da tradicionalíssima família cujo patriarca, Oswaldo Teixeira Duarte, ajudou a erguer o estádio do Canindé, que hoje empresta seu nome.
Em seu primeiro dia como presidente eleito, teve reuniões consecutivas, telefonema do presidente da Federação Paulista de Futebol, José Reinaldo Carneiro Bastos, e até cobrança pelo corte de luz no clube. “Já estavam me cobrando para religar a luz lá”, dizia enquanto entrava no prédio da rádio, na Vila Anglo, zona oeste de São Paulo.
A luz cortada e os sucessivos rebaixamentos são consequência de uma série de situações mal explicadas ocorridas desde 2005. Envolveram empréstimos em nome de terceiros, ações judiciais de jogadores que passaram pelo clube, a escalação irregular de jogador que culminou em rebaixamentos sucessivos – para as séries B, C e D do Brasileiro.
A Lusa não viu tão de perto o fundo do poço nem mesmo quando as piscinas de seu clube social sofreram rachaduras e tiveram de ser esvaziadas. Barros encontrou o time como nenhum outro presidente: na última divisão do Brasileiro, sob o sério risco de não disputar nenhuma das divisões nacionais em 2018, e na série A2 do Paulista, equivalente à segunda divisão. Dívidas podem condenar o Canindé a leilão, e os reforços são escassos. Pela primeira vez, a Portuguesa não foi cabeça de chave em um dos grupos da Copa São Paulo Júnior. Perdeu a posição para o Juventus e jogou a competição no estádio do rival, a acanhada rua Javari. Dona da melhor campanha da história do torneio – em 1991, quando revelou o ídolo Dener – desta vez a rubro-verde não passou da primeira fase. Foi a última colocada em seu grupo com apenas um ponto, atrás do inexpressivo Sete de Setembro de Maceió.
As histórias de Barros e Portuguesa começam ainda em terras lusitanas, quando o pai do hoje dirigente, o também radialista Armando de Barros, nasceu na Vila Nova de Cerveira, distrito de Viana do Castelo, o último pedaço português antes de a Galícia e a Espanha começarem (“o lugar mais bonito de Portugal”, diz). Com 16 anos, o pai, com a carta de chamada para a guerra com as então colônias portuguesas na África nas mãos, partiu para o Brasil. “Ele se apaixonou pela Portuguesa no primeiro jogo que assistiu, em 1956. Dois anos depois, ele comprou o título [de sócio do clube].”
Com carreira de radialista com passagens pela antiga rádio Tupi, Armando foi vice de comunicação da Portuguesa nos anos 1980. Manteve uma equipe autônoma de rádio desde 1978, a Equipe Líder, herdada pelo filho, que desde o fim dos anos 1980 acompanha os jogos da Lusa pelo Brasil transmitindo para a única das rádios paulistanas dedicada às partidas rubro-verde. “Eu ia a todos os jogos possíveis da Portuguesa. Numa quarta-feira, em 1989, no Mineirão, o Paulo Roberto [lateral conhecido como “Ana Mozer”] bateu uma falta e fez um golaço. Dei um murro no rádio e decidi que iria a todos os jogos da Portuguesa, como repórter de campo.”
Naquele ano, a Portuguesa foi sétima colocada no Brasileiro, a melhor colocação até então, que só seria superada pelo vice-campeonato de 1996, com o técnico Candinho.
Com o afastamento do pai das transmissões, com problemas de saúde, e sua posterior morte, em 2004, foi natural que Alexandre assumisse suas funções – no programa e no clube. “Prometi ao meu pai que a Portuguesa não iria ficar sem cobertura esportiva.”
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Presidir a Lusa, diz, foi um plano que traçou no passado. Quando nasceu, em 1974, teve como primeiro presente um título de sócio do clube. Com 13 dias, visitava o Canindé no colo da mãe, estilista filha de cozinheira da família Matarazzo, a mais poderosa de São Paulo nas primeiras décadas do século passado. Ainda criança, subiu ao gramado de mãos dadas com Enéas, um dos maiores ídolos do clube (“essa recordação guardo até hoje”). Aos 11 anos, em 1985, viu sua melhor Portuguesa jogar. Chorou quando Edu acertou na trave o chute do meio-campo, que impediu o time, que havia feito mais pontos naquele Campeonato Paulista, de conquistar a taça que ainda espera desde 1973. Um time que recita até hoje: “Serginho; Luciano, Luís Pereira, Eduardo e Albéris; Célio, Toninho e Edu Marangon; Toquinho (Jorginho), Luís Muller e Esquerdinha”.
A mãe, afirma, foi mais responsável que o pai por todos na família serem rubro-verdes. “Porque meu pai ia pro campo, como repórter, e minha mãe levava para a arquibancada. Ia a todos os jogos do Canindé, depois da morte do meu pai ela foi pouco, mas era ela quem preparava os lanches para as caravanas para os jogos no interior. Para que o ônibus não parasse, ela fazia os sanduíches para que o povo do ônibus comesse no caminho, em um cesto de piquenique. Às vezes, assava frango e levava despedaçado, queijo com presunto, salame. Tudo para não chegar atrasado nos jogos”, ri. Ela só voltou ao Canindé para ver a vitória do filho, novo presidente da Portuguesa. “Foi um momento de reviver o passado.”
O programa que comanda mistura notícias enviadas por setoristas dos cinco maiores clubes de São Paulo com debates no estilo Debate Bola, com provocações, opiniões e certo bullying. Sorteia panetones, pandeiros, sorvetes, enquanto anuncia pizzarias, padarias e serviços de contabilidade. Transmite pela internet e em aplicativos de celular – diz que o programa é “um dos dez mais ouvidos do mundo” na página de esportes do aplicativo de rádio Tune In.
Dá ordens para os funcionários, como ao reprimir o setorista da própria Lusa que preside. “Vou falar como comandante da equipe, e não da Portuguesa: setorista tem que ir no treino!” A bronca era por não ter anunciado sua reunião com os jogadores no Centro de Treinamento, entre os trilhos da CPTM e o curso do rio Tietê, na zona leste.
Na rádio, teve desavenças com o ex-presidente Manoel da Lupa. “Ele criou uma situação que parecia pessoal, mas não era. Apenas dizia que um presidente não poderia se perpetuar no cargo”, diz. Da Lupa era presidente do clube quando a Portuguesa foi rebaixada por escalar o atacante Héverton irregularmente em 2013, na última partida do Brasileiro, contra o Grêmio. O clube perdeu pontos, foi rebaixado, livrou o Fluminense da queda e jamais se reergueu.
Barros é cercado pela antiga cartolagem da Lusa – Luiz Iaúca, que considera um “primeiro-ministro”, o deputado federal Arnaldo Faria de Sá e até o derrotado Teixeira Duarte. Há três anos, foi um dos idealizados do “Chapão” que elegeu Ilídio Lico. É moderado na conduta.
Negro como os heróis que alçaram a Portuguesa ao olimpo do futebol paulista – uma lista infinita com nomes como Djalma Santos, Ivair, Enéas, Denner e Zé Roberto –, Barros tem os pés no chão para executar administrativamente aquilo que seus ídolos fizeram em campo. Diz pretender implantar um sistema “semi-profissional” no clube – bons administradores e advogados sócios do clube, mas que não receberiam pelos serviços. É a única chance de a Lusa se reerguer, diz. A Portuguesa, afirma, está asfixiada. Toda a renda dos jogos é confiscada pelo Justiça por ações trabalhistas e de fornecedores. “Por isso luz, água, internet, telefone são cortados, e os atletas não estão sendo pagos. Tudo que não é penhorado é usado para pagar salários e contas que mantêm o clube de pé.”
O primeiro desafio como presidente foi a Copa São Paulo Júnior. Embora o clube tenha fracassado, com uma campanha tão ruim como em 2016, deu esperanças ao torcedor rubro-verde ao anunciar um audacioso projeto para o Canindé: a cessão do terreno para a construção de dois hotéis, um centro de convenções, um centro empresarial, um shopping, a nova sede social da Lusa e um estádio para 20 mil pessoas. Parceiros e uma construtora bancariam o empreendimento, avaliado em R$ 2 bilhões, com direito a exploração do local por 35 anos, e a Portuguesa receberia a renda das partidas. Enquanto ele não ficar pronto, o aluguel de outra arena seria pago pelos investidores – em São Paulo, como no Pacaembu, ou em cidades vizinhas, como Barueri e Osasco.
A expectativa é de que tudo esteja pronto em seis anos, mas depende da aprovação no COF (Conselho de Orientação Fiscal) e do Conselho Deliberativo do clube, antes de ir à votação pelos conselheiros – algo estimado em seis meses. “O que será feito aqui será negociado com a prefeitura. Não se pode verticalizar torres muito altas. O objetivo é chegar sempre nos 300 mil metros quadrados. Tem que saber sobre as restrições legais a gente atinge o potencial máximo do terreno”, disse Barros, na ocasião.
Antes de o sonho do estádio se realizar, o radialista pretende voltar à série A1 do Paulista (será o terceiro ano na série A2, algo inédito na história do clube). Por enquanto, a campanha não é das melhores, com duas vitórias (em casa) e duas derrotas (fora). Depois, pretende que o clube seja um dos quatro promovidos da série D do Brasileiro. Se falhar no Nacional, tem um plano B: investir na Copa Paulista para ter direito a uma das vagas do Estado na competição em 2018, e não passar o vexame histórico de não participar do Brasileirão – algo só ocorreu em 1979, quando o clube não quis jogar um campeonato inchado e de regulamento confuso.
Pensou em Geninho para treinar o time e teve esperanças de Zé Roberto não renovar com o Palmeiras com o objetivo de o jogador, com 41 anos, encerrar a carreira na Lusa que o revelou – mas Zé, vice pela Lusa em 1996, quer jogar mais pela Série A. Se conformou com Tuca Guimarães, ex-Figueirense, no banco, e reforços como Bruno Mineiro, artilheiro do clube no Brasileiro de 2012, além de uma dupla de argentinos, Basualdo e Bustos. “Se for para buscar jovem jogador desconhecido, vou preferir o jovem jogador da Portuguesa. Nenhum leão de treino vai me enganar. Em todos os jogos, estarei lá. Minha função jornalística era estar em todos os jogos. Como não estarei pela rádio, estarei como presidente.”