O primeiro rock do Brasil foi gravado por uma cantora de samba

Pode-se dizer que “Rock Around the Clock” foi a canção responsável pela chegada, e principalmente, pelo sucesso do rock no mainstream dos Estados Unidos e no mundo. Lançada em 1954 no clássico e popular ritmo de blues, o formato tem letra, frase e estrutura de acorde distintas.

Logo em sua estreia, o single teve um começo meio lento — vendeu somente 75 mil cópias nos Estados Unidos. Mas depois da inclusão no filme Sementes da Violência, dois anos depois de seu lançamento, explodiu em vendas em todo o mundo. A versão de Bill Haley & His Comets (a música foi composta em 1952 pela dupla Max C. Freedman e James E. Myers) toca na abertura e na apresentação dos créditos, e mesmo assim, a garotada ficava na sala de cinema até o final, só para ouvir o som.

Videos by VICE

Depois do filme, ela se tornou a primeira gravação de rock’n’roll a estacionar na Pop Charts da Billboard, onde pernoitou por oito semanas. Além disso, ela atingiu o topo de outras paradas pop, R&B, e foi a segunda melhor canção do ano de 1955 segundo a própria Billboard.

Aqui no Brasil não foi diferente. Por conta do grande sucesso ao redor do mundo, a Continental, antiga gravadora brasileira, gravou o som às pressas em um disco de 78 RPM — aqueles de chapa preta com um selo no centro — com Nora Ney, uma das cantoras de samba-canção mais bem-sucedidas da era do rádio, na década de 50.

https://www.youtube.com/watch?v=5GnaU2m3-OQ

Nora Ney não escolheu estrear a cena rock’n’roll no Brasil. Na verdade, dentre muitas opções de artistas, ela foi escolhida como muitos jovens são escolhidos para seus primeiros empregos: porque falava inglês.

Uma semana após o lançamento da Continental com a cantora, a música já alcançava os topos das paradas, assim ditando o nascimento da música jovem e popular brasileira. A juventude, descontrolada em meio ao som alto das caixas da sala de cinema depredavam-na sem motivo algum, e por essa razão, a exibição do filme foi proibida por Jânio Quadros em algumas cidades. Segundo o juiz de menores da época, Aldo de Assis Dias, o novo ritmo que chegara ao Brasil era “de estranha sensação e de trejeitos exageradamente imorais”.



Por esse estranhamento comum da ala não jovem, a voz grave de uma moça que tinha começado sua carreira cinco anos atrás e conquistava um status comparável ao de Maysa Matarazzo, Ângela Maria e Dolores Duran se voltou contra o gênero quando lançou “Cansei de Rock”, em 1961.

Nora já tinha 39 anos quando se arrependeu de abrir os portões do rock’n’roll e queria decretar a morte do mesmo pouco tempo depois. Em meios de toques de bossa-nova, e em seu lugar de conforto, ela já dizia: “Toque cabalado, toque um samba, toque cabalado, já cansei de rock”.

Depois da empolgação inicial dentro de um ritmo totalmente novo, Cauby Peixoto recém-chegado dos Estados Unidos lançou “Rock and Roll em Copacabana” em 1957, feita por Miguel Gustavo, que colocava seu nome na história ao compôr a primeira música de rock em português.

https://www.youtube.com/watch?v=-5oKwu9BFik

Com uma levada R&B, os roqueiros se concentravam muito mais nas áreas nobres do Rio de Janeiro, inspirando artistas como Tim Maia, Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Jorge Ben Jor, que nessas experimentações com o movimento, conseguiram alinhar a estética de música pop ao som elétrico de violões plugados em caixas de som.

O rock só voltou a ter mulheres nos vocais novamente, quando a Jovem Guarda já estava no auge em meados da década de 60 com Vanusa e Wanderléia, que diferente de Nora Ney, não cansaram do gênero e seguem na mídia até hoje.

Atualização – 18/7 às 18h12:

A matéria dizia anteriormente que o rock só voltou a ter mulheres no vocal somente na Jovem Guarda, com Vanusa e Wanderleia. Mas o leitor Eduardo de Andrade Pereira mandou um e-mail levantando um ótimo ponto, que acabou me escapando: Celly Campello, do clássico imortal “Banho de Lua” foi uma grande artista do gênero e isso antes da Jovem Guarda. Teve também Elza Ribeiro que participou em 1960 do LP Garotas e rock, promovido pela gravadora RCA Camden e Marisa Nazareth que gravara “Antologia”, um disco com 9 faixas lançado em 1962.

Leia mais no Noisey, o canal de música da VICE.
Siga o Noisey no Facebook e Twitter.
Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube.