Em geral, bandas nunca se deram muito bem nesse negócio de despedidas. Se vocês estão terminando porque se odeiam, então seu ato final geralmente consiste em uma situação cabeluda em que alguém sai no meio da apresentação e o público acaba recebendo sua grana de volta. Ainda menos digno é se vocês resolvem parecer ao perceber que a banda não é mais viável comercialmente, então rola aquela longa turnê de “despedida” com esperança de espremer qualquer centavo possível antes de cada integrante seguir seu caminho como professor de música de meio-período.
Ou você pode sair de cena como o The Knife, quase deixando de lado o fato de que o show é sua sentença de morte, e ao invés disso dar ao público presente em Reykjavik uma das mais estonteantes representações de uma obra que se possa imaginar. Não teria como haver maior celebração de um dos duos mais inovadores do século XXI do que a ocorrida em uma casa de shows no festival Iceland Airwaves neste último final de semana.
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Como todos os últimos shows deles, este começou com uma aula de aeróbica DEEP (sigla para Death Electro Emo Protest) em que uma autoproclamada mestra-professora-guru-xamã-ditadora-instrutora-de-aeróbica-líder-new-age bota a galera pra se mexer com alguns movimentos musicais de autoajuda. Entendo que se você não viu o show, isso pode parecer meio que feito só pra chamar a atenção, mas pense no quão difícil botar um público de gente nórdica trendsetter para gritar a plenos pulmões, sem vergonha nenhuma, “estou vivo e sem medo de morrer” com menos de cinco minutos no palco. O que ela faz, porém, mesmo besuntada de ironia e dancinhas ridículas, é na verdade algo dotado de incrível habilidade; e já vi alguns dos melhores performers falharem miseravelmente em agitarem um público tão rapidamente.
É também durante esta sessão de aeróbica que a fluidez de nossa identidade é estabelecida como tema, sendo pedido do público que entoe “eu não sou uma mulher, eu não sou um homem, eu sou ambos, eu não sou nenhum, se você não gostou, faça uma pausa”. Este é um mantra que sublinha boa parte do espetáculo principal. As canções – em sua maioria retirada dos dois últimos discos da banda, Shaking the Habitual e Silent Shout, com um tiquinho de Deep Cuts aqui e ali – são completamente reimaginadas em grande parte com performances energéticas. Os vocais de Karin Drejer Anderson são refeitos de tal forma que em alguns momentos são cantados pela própria ou então por Shannon Funchess, do Light Asylum, ou mimicados ou interpretados por sabe-se-lá quantos outros – homens e mulheres, dos sérios aos mais teatralmente ridículos.
A autenticidade que normalmente se exige dos artistas – de que o vocalista cante do mesmo jeito que na gravação – desaparece imediatamente, deixando tudo sujeito a brincadeiras; algo que o The Knife sabe como fazer. Cada música é interpretada de forma diferente, sendo assim, enquanto uma encarnação de cinco minutos da banda pode se basear em dança interpretativa e alguém fazendo mímica de DJ, outras tem seções instrumentais épicas com os vocais sendo disparados por todo o palco com diferentes vocalistas.
Um dos trechos mais espetaculares da apresentação é quando uma mulher solitária começa a recitar um poema de Jess Arnets sobre a efemeridade do corpo (frase inicial: “Eu quero um corpo com duas picas, cinco bolsas e quinze buracos”). O poema nada tem a ver com o The Knife, mas na noite de hoje com certeza parece ter. Assim como todos no palco. Eles expandiram o significado de sua banda além da tênue ligação de quem escreveu ou participou de seu disco. Até mesmo Björk, a primeira-dama islandesa, que está no balcão nobre ao fundo do local e que surta em diversos momentos, parece fazer parte do espetáculo.
Muitos dos artistas da cena eletrônica sofrem para traduzir a música de seus notebooks em um show. Na noite anterior eu havia assistido ao Kiasmos, um de meus artistas favoritos de 2014, tocando seu brilhante disco autointitulado. Foi divertido, mas eram só dois caras com seus computadores, pulando pra cima e pra baixo. Em outras ocasiões gente como o pessoal do Disclosure tentou fazer de seus shows algo mais visual ao adicionar pads e sabe Deus mais o que, o que de fato deixa as coisas um pouco mais animadas, mas ainda assim são só uns caras batucando em coisas. Neste show, você consegue perceber exatamente como a música se encaixa quando eles querem que você perceba – cada bloco de aço de percussão batido com uma intensidade virulenta, cada tom crescente tocado em uma clarineta MIDI, cada chocalho extremamente colorido de papel machê, e algo que parece com a cornucópia de Jogos Vozares: cada um destes adiciona ao acompanhamento rítmico. E quando eles acham desnecessário fornecer algo de visual para acompanhar a música, abstém-se de fingir estar tocando em um notebook e simplesmente agem no palco de acordo com a faixa.
Não é como se trazer elementos teatrais para o palco seja algo novo, mas há algo de diferente nesta banda – que antes era conhecida por se esconder atrás de máscaras e mal se mexer – por se expor assim. Eles vieram de um mundo de pontos decimais no Pitchfork, artigos opinativos e carão, para agora se colocarem nesta produção gigantesca e cansativa, e é um clamor por reunião, tão espetacular quanto qualquer coisa que você veria em um show pop de arena.
Em determinado momento eles sussurram algo sobre este ser o último show, mas não se prolongam. Não há tempo. Mesmo no final da última canção, eles partem direto para um set de EDM de volume altíssimo, então demora mais ou menos uns cinco minutos para que as pessoas percebam que não voltarão.
Uma pergunta que tenho me feito bastante quanto à música é a seguinte: será que o que ouço ou assisto agora poderia ter existido em algum outro momento no passado? Se você deixar de lado a melhora em questões de produção, este show faria sentido há 10, 20, ou 40 anos atrás? Claro que Kate Bush misturava teatralidade em seus shows, o Daft Punk trouxe a narrativa e o espetáculo em grande escala para a música eletrônica, o Kraftwerk deu um jeito de trazer ideias experimentais para a arena ao vivo, Kathleen Hanna desconstruiu o gênero no palco, mas nenhum deles fez tudo isso ao mesmo tempo, nem desse jeito. Sempre lembraremos que o The Knife fez seu último show em 2014, porque não haveria outra época que poderia lidar com eles.
Tradução: Thiago “Índio” Silva