O que Acontece Quando uma Cidade Colombiana Comandada pela Extorsão Diz Não?

Dayana, sentada em frente à loja de esquina de sua avó. Foto por Peter D’Amato.

“Se você vende roupas, alimentos ou qualquer coisa assim, toda loja ou negócio precisa pagar por ‘proteção’”, diz Dayana, 16 anos, em frente à loja de esquina de sua avó na cidade de Buenaventura, Colômbia. Mas a extorsão na cidade de 375 mil habitantes não se limita ao comércio. “As pessoas têm que pagar dois mil pesos [R$ 2,30] por dia só para viver aqui. Se você subir o morro, eles vão te cobrar cinco mil pesos [cerca de R$ 5,75] só por ser um estranho no bairro.” Nessa cidade colombiana, proteção é uma oferta que não se pode recusar – quem não paga com dinheiro, com frequência, acaba pagando com a vida.

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Um dos portos mais movimentados da Colômbia, Buenaventura faz negócios com 300 outros portos do mundo. Por sua localização estratégica na costa do Pacífico, o porto também é uma artéria importante para a cocaína que sai do país – 250 toneladas da droga passam por ele anualmente. Nos últimos 15 anos, enquanto os paramilitares colombianos se reinventavam como gangues e cartéis, a cidade se tornou uma zona de guerra. Atualmente, duas gangues rivais em particular, La Empresa e os Urabeños, lideram a disputa pelo território e inocentes são mortos no fogo cruzado.

Os deslocamentos devido à violência na cidade portuária atingiram níveis críticos: só nos últimos 18 meses, mais de sete mil pessoas já fugiram de suas casas. Em 2007, quando o New York Times apelidou Buenaventura de a “Cidade Mais Mortal da Colômbia”, a taxa era de 144 homicídios para 100 mil habitantes – Detroit, por exemplo, tem uma taxa de 55 homicídios para cada 100 mil habitantes, e Flint, no Michigan, tem uma taxa de 63. Glasgow tem a maior taxa de homicídio do Reino Unido, 2,7, mas a taxa total do Reino Unido é de apenas 1 homicídio para cada 100 mil habitantes. Em Buenaventura, depois de uma queda súbita e drástica, o número de assassinatos está subindo novamente. Nos primeiros dois meses de 2014, pelo menos 58 pessoas já tinham sido mortas. Dezenas estão desaparecidas.

Para os comerciantes de Buenaventura, pagar a “vacuna”, eufemismo irônico para vacina, é um custo necessário do negócio. Aqueles que não pagam quase sempre encontram um final violento. Na semana passada, o Extra Buenaventura informou a morte de três peixeiros que se recusaram a pagar pelas taxas de proteção – seus corpos foram jogados ao mar.

“Sabemos que a vacuna só aumenta a violência”, diz Dayana. “Para parar a violência é preciso parar de pagar os subornos.”

E no dia 12 de março, a cidade de Buenaventura prometeu fazer exatamente isso. Líderes do comércio e da comunidade organizaram um plantón, uma greve geral para declarar que não pagariam mais suborno dali em diante. Das favelas no mangue até o centro estranhamente calmo, a cidade tinha um ar festivo no dia do plantón: crianças jogando futebol nas ruas, homens curvados sobre mesas de dominó e mulheres reclinadas em suas cadeiras de praia. Cartazes diziam “Se os búfalos se unirem, os leões não podem comê-los”, uma referência a um vídeo popular do YouTube. Uma procissão de carros buzinava e tocava música alta enquanto cruzava a cidade até a praça central. Em frente à prefeitura, milhares se reuniram para ouvir música e discursos de líderes políticos e religiosos. Apesar de o clima ser cautelosamente otimista, os moradores da cidade sabem que a vacuna é um sintoma de um problema sistêmico e que as chances contra a paz são grandes.

Jhon Jairo Castro e seu filho Gilmar, na sala de sua casa.

Jhon Jairo Castro, 38 anos, e sua família vivem no bairro Alberto Lleras Camargo em Buenaventura. Um lugar relativamente calmo, apesar de sua esposa, Yurani, relembrar que um homem carregando um rifle passou pela porta deles – que fica sempre trancada – na véspera do Natal. A casa deles, construída em madeira e com teto de chapas corrugadas, não é espaçosa, mas é muito arrumada e convidativa, e oferece espaço suficiente para Castro, Yurani e seus três filhos.

Apesar de morar num dos lugares mais úmidos da Terra, a família de Castro só tem água corrente alguns dias por semana. Nesses dias, eles armazenam a água em dois barris de 200 litros. Entre água para beber, lavar roupa, lavar a louça e tomar banho, 400 litros vão embora rapidamente.

Castro começou a trabalhar no porto de Buenaventura em 1995, alguns anos depois da privatização. Nos 20 anos seguintes, as condições de trabalho no porto só pioraram. “Não trabalhamos em escritórios”, diz Castro. “Não fazemos um trabalho de salário mínimo – as pessoas são esmagadas por contêineres e trabalhamos com químicos perigosos.” E ainda assim, todos os trabalhadores do porto com quem falamos recebem um salário mínimo (cerca de 800 reais por mês) ou menos – Castro diz que algumas empresas de contratação de terceiros descontam os valores da previdência social diretamente do salário dos empregados. Quando a movimentação de barcos é grande, os portuários trabalham de 24 a 36 horas direto – “o turno do diabo”, como eles chamam.

Em 2009, Castro se tornou presidente local da Union Portuaria, o sindicato dos portuários. Por causa de suas atividades na organização de trabalhadores, ele entrou para a lista negra dos empregadores. Seus colegas na indústria escondem sua filiação sindical para evitar o mesmo destino. Para conseguir pagar as despesas, Castro entrou para o setor informal da cidade, alugando minutos de seu celular para os vizinhos. O desemprego na cidade fica em inacreditáveis 64%, apesar de a cidade gerar 2,3 milhões de reais por ano em impostos dos portos. E 63% da população principalmente afro-colombiana da cidade vive na pobreza.

Quando o sol se põe, Castro leva sua família para um passeio até a casa de sua tia, perto do mar. Aqui as ruas são todas de terra – o lixo lota os terrenos baldios. O outro lado do córrego é uma terra de ninguém, um território à mercê das gangues. Castro diz que lá ficam as infames “casas de pique”, lugares macabros nos quais as pessoas sequestradas são amaradas em mesas e desmembradas vivas com ferramentas elétricas. As partes dos corpos são jogadas no mar ou espalhadas pela vizinhança – “é o método que eles usam hoje em dia para criar pânico”, diz Castro. Semana passada, o El Espectador informou que, nas duas semanas anteriores, dezenas de partes humanas foram tiradas da água. A tia de Castro diz que seu filho testemunhou um dos assassinatos e depôs no julgamento. Desde então, ele está desaparecido.

Na manhã seguinte, Castro vai para uma reunião do sindicato. Yurani fica em casa, cozinhando e tomando conta das crianças. Há bastante água saindo dos canos hoje e Yurani aproveita a oportunidade para lavar louça e as roupas. Na TV, um correspondente relata as notícias usuais: mais um taxista morto, outro desaparecido. Yurani balança a cabeça na cozinha. “Todo dia eles matam alguém por nada.”

As casas no mangue de Buenaventura.

As condições desesperadoras em Buenaventura fizeram Javier Marugo, o presidente nacional da Union Portuaria, comparar a cidade a “um túnel sem saída”. As autoridades, ao que parece, se fazem de surdas para os problemas institucionais da cidade – descumprimento de direitos trabalhistas, deslocamentos em massa, inchamento das contas de serviços públicos e acesso inconsistente à água – e simplesmente inundam as ruas com centenas de policiais e militares, geralmente com pouco sucesso. A corrupção é desenfreada: três anos atrás, o ex-prefeito e três auditores foram presos por suposto desvio de verbas, depois que cerca de 800 mil reais em pagamentos de contratos sumiram. “Membros dessas organizações criminosas trabalham junto com oficiais do governo”, diz Castro. “Se o governo quisesse acabar com esses grupos, ele conseguiria.”

Diante da apatia do governo, pressão internacional e um movimento contra a corrupção, a má gestão e a violência têm trazido uma fagulha de esperança aos cidadãos de Buenaventura. Novembro passado, Todd Howland, o alto-comissariado pelos direitos humanos da ONU na Colômbia, visitou Buenaventura e pediu que as autoridades adotassem “medidas urgentes para acabar com a violência”. No final de fevereiro, mais de 30 mil cidadãos participaram da marcha “Enterro da Violência em Buenaventura”.

“Isso é uma mensagem que o governo tem que responder com trabalho público, com investimento”, disse Adonai Cardenas Castillo, o correspondente em Buenaventura do jornal El Pais, numa entrevista por telefone.

Os protestos dos últimos dois meses são os precursores de uma greve geral muito maior no dia 21 de maio. “A comunidade está consolidado suas forças – o presidente Santos terá que responder a essas queixas.”

Mas, enquanto isso, o impacto dos protestos da semana passada contra a extorsão ainda não mostraram resultado. Dois dias depois da marcha, o corpo de um comerciante de Buenaventura foi descoberto numa cidade próxima. Ele foi visto com vida pela última vez no plantón, protestando contra a vacuna.

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