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O que o ácido ascórbico colocado nas carnes adulteradas pode causar à saúde?

Enquanto a bancada ruralista e o Ministério da Agricultura criticam a ação da Polícia Federal na divulgação da operação Carne Fraca e o presidente Michel Temer come um churrasquinho gringo com embaixadores numa tentativa de reduzir o impacto da operação no setor de carnes, um observador mais atento pode se perguntar: peraí, o ácido ascórbico, aquele da vitamina C nas farmácias, causa câncer? E quais são todas essas substâncias cancerígenas colocadas nas peças? Estamos, para variar um pouquinho, muito fodidos?

A resposta mais honesta é: calma, muita calma nessa hora.

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Vamos primeiro aos fatos. Na última sexta-feira, Maurício Moscardi Grillo, o delegado da Polícia Federal responsável pela operação, afirmou que as gigantes BRF e JBS usavam ácido ascórbico e outras substâncias cancerígenas na carne para maquiar a imagem ruim de carne podre. “Se usa esses produtos multiplicados cinco, seis vezes pela quantia permitida pela lei para que não dê cheiro, e o aspecto de cor fique bom também”, declarou.

A fala do delegado não deixa claro quais são as substâncias cancerígenas, o que contribuiu para incriminar o ácido ascórbico como possível substância nociva. Conforme disseram especialistas para a BBC Brasil, o composto é muito comum na indústria de carnes para conservar os alimentos e não há nada de errado em usar uma quantidade pequena do ácido. Os problemas citados pela Operação Carne Fraca, porém, são “quanto” e “como”.

O ácido foi, de acordo com o delegado, usado em quantidades abundantes para mascarar uma deterioração de carne in natura. Isso seria grave porque, como disse Marco Antonio Trindade, professor de Engenharia de Alimentos da USP ao El País, a carne in natura no Brasil “não pode ter nenhum tipo de aditivo, seja conservante como é o sórbico, seja em um antioxidante como o ascórbico”. Segundo ele, podem e devem ser utilizados como coadjuvantes de processos e, em menor quantidade, em alguns embutidos — tais como salsicha e linguiça que, vale lembrar, já estão na lista de alimentos cancerígenos da Organização Mundial de Saúde.

A doutora em Processamento Tecnológico de Produtos de Origem Animal, Raquel Salgado, explicou ao Motherboard que o ácido ascórbico não possui a função de maquiar uma carne estragada, e sim de evitar que o produto estrague. “Ele conserva os alimentos evitando sua deterioração por meio da alteração do pH, deixando o meio mais ácido. Isso impede a proliferação de microrganismos e assim aumenta a durabilidade do produto”, explicou. Outra característica apontada pela doutora é a de antioxidante, que evita que os lipídios sejam decompostos, alterando cor, sabor e cheiro do produto. Este processo é conhecido como ranço da carne. “O ácido é aplicado principalmente em salames, mortadelas e outros produtos, até mesmo em papinhas de criança é possível encontrá-lo. Isso é normal”, comentou. “A carne in natura, porém, não pode levar nada. É fraude pura e simples.”

Para Raquel, ainda que os erros de fiscalização estejam evidentes, a cobertura feita por parte da imprensa em relação às substâncias utilizadas na cadeia produtiva de alimentos tem sido exagerada. Segundo ela, o uso excessivo de antioxidantes ocorreu em casos isolados. “Todos os produtos possuem uma autorização prévia de uso dada pela Anvisa, que determina a quantidade segura utilizada”, disse. A doutora afirma que existem substâncias muito mais perigosas na indústria alimentícia. Um exemplo são os nitritos utilizados em produtos curados rosados, como presunto, apresuntado, linguiça frescal e salame. “Todos eles levam o nitrito, substância que em altas concentrações é cancerígena. Porém são utilizadas em baixíssimas concentrações e aí não são consideradas nocivas ao ser humano”, comentou.

Os possíveis danos à saúde causados pelo ácido ascórbico seriam decorrentes de seu uso em excesso e a longo prazo. Conforme disse ao R7 Anita Sachs, professora de nutrição da Escola Paulista de Medicina da Unifesp, este tipo de ingestão poderia provocar sobrecarga renal e, assim, causar câncer. “A quantidade máxima recomendada por dia é entre 45 e 50 mg. Isso é o que está presente em uma laranja, uma mexerica, uma fatia de mamão ou uma de manga, por exemplo”, disse.

Então, para responder a pergunta lá do começo: não, o uso excessivo de ácido ascórbico nas carnes pelas gigantes do setor não estão lhe causando câncer porque, até onde se sabe, são casos isolados — o governo afirma que são 21 frigoríficos com problema diante de 4.837 unidades de produção animal do Brasil, isto é, 0,43% do total nacional. Seria preciso comer diariamente um montão de carne adulterada para sobrecarregar os rins com tal substância. Já no caso dos embutidos, bem, é melhor se preocupar com a ingestão excessiva porque, mesmo no estado controlado, eles podem causar câncer colorretal a longo prazo de acordo com a Agência Internacional para a Pesquisa do Câncer, a IRAC.

Perguntada sobre quais seriam as outras substâncias foram encontradas em excesso nos produtos dos frigoríficos investigados, a Polícia Federal afirmou que o material está em análise e documentação e não poderia ser divulgado.