Em novembro de 2017, o 3º sargento reformado Fernando Nogueira de Araújo, de 74 anos, observou uma aglomeração de pessoas em frente à Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), na região do Ibirapuera, em São Paulo. Ele havia acabado de sair do Comando Militar do Sudeste, a 500 metros dali, onde foi provar estar vivo ao Exército para continuar recebendo sua aposentadoria. No meio da algazarra, avistou seu principal algoz, aquele que ele nem ousa dizer o nome correto. “Vi que, no meio daquela confusão, estava o Jair Bossal-Nato”, afirmou o idoso, referindo-se jocosamente ao deputado do PSL.
Foi a terceira vez que Araújo lembrou da existência do político de extrema-direita. “Fiquei 20 minutos ouvindo. Ele só reforçou o que eu já sabia: que é uma pessoa violenta, que a bandeira dele é pregar o ódio. As coisas não são por aí”, afirmou.
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As outras duas vezes em que soube da existência do político e militar da reserva foram por causa de declarações polêmicas: quando os jornais filmaram Bolsonaro dizer a deputada Maria do Rosário (PT-RS) que ela “não merecia ser estuprada” e quando sites publicaram sua declaração que daria carta branca para as polícias militares matarem em serviço.
Com memória precisa em relação a endereços, datas e referências, o sargento afirmou que, após o encontro não programado com Bolsonaro, voltou para casa pensando na tragédia que seria se o deputado conseguisse, de fato, ser eleito presidente. Foi aí que pensou num modo de ser provocativo e de protestar contra o político: criar um apoio satírico ao atual ditador norte-coreano.
A revolta contra Bolsonaro virou manifesto irônico
Aposentado, Araújo mantém a rotina diária do período em que era militar. Acorda às quatro da manhã, toma café da manhã, se exercita e, após isso tudo, se atualiza lendo jornais e revistas. Por conta disso, ficou sabendo que o ditador norte-coreano Kim Jong-Un havia feito um passaporte brasileiro. “Me lembro que li na edição de 7 de março de 2018, nas páginas 26 e 27 da revista Veja, uma reportagem intitulada ‘Kim Jong-Un, o brasileiro’”, afirmou, ostentando sua memória prodigiosa.
Segundo a referida reportagem, o atual ditador da Coreia do Norte e seu pai, Kim Jong-il, deram entrada, com documentos falsos, na embaixada brasileira em Praga (República Checa), em 1996, solicitando passaportes brasileiros.
De acordo com os documentos frios usados pela dupla, Kin Jong-il foi registrado como Ijong Tchoi, “paulistano da gema”; já seu filho, que na ocasião vivia na Suíça, se registrou como Josef Pwag, também “nascido” na capital paulista.
“Quando li sobre isso, pensei: vou sair por aí dizendo que o Kin Jong-Un é brasileiro. Por isso, pode se candidatar a presidente, trazer a bomba atômica para o país e explodir todos os políticos corruptos”, afirmou Araújo, às gargalhadas.
A experiência com Bolsonaro, aliada à leitura da reportagem sobre pai e filho ditadores, contribuiu para o 3º sargento materializar sua revolta contra o pré-candidato do PSL e confeccionar 144 camisetas com a foto de Kin Jong-Un. Nelas constam os dizeres: “Eleições 2018, Kim Jong-Un para presidente do ‘Brazil’. Para o bem de nosso abençoado país, não vote em candidato Bossal-Nato’”.
No dia da entrevista, só restavam duas das camisetas em uma sacola, uma segurada pelo militar aposentado e outra usada por ele. Iria buscar mais dez após a conversa com a VICE. Cada peça custa R$ 30.
“Bossal-Nato é um louco e não pode ser eleito”
Apesar do 1,67 metro de altura, o 3º Sargento chama a atenção dos frequentadores do bairro da Liberdade, no Centro de São Paulo. Há dois meses, fica ao lado de ambulantes na ponte da rua Galvão Bueno, que passa sobre a Avenida Radial Leste, usando e comercializando as camisetas. “Na verdade, estou usando de ironia para criticar o candidato e também para atrair a atenção das pessoas, para mostrar que o Bossal-Nato é um louco e não pode ser eleito”, diz.
Quando tinha 23 anos, Araújo serviu no 4º Regimento de Infantaria, no bairro de Quitaúna, em Osasco, São Paulo, no ano de 1966. Seu superior era o então 1º tenente Carlos Lamarca, que ficaria posteriormente conhecido como o capitão Lamarca, que mudou de lado e, como guerrilheiro, “bateu de frente” com a ditadura militar brasileira. “O Lamarca era muito dissimulado. Mudava a forma de se comportar com as pessoas a partir dos interesses que tinha”, diz o sargento. “Por rebater às coisas que ele falava, fiquei preso três dias.”
Araújo fala com nítida aversão sobre o líder guerrilheiro. Ele menciona passagem em que Lamarca assassinou o tenente da polícia militar, Alberto Mendes Júnior, de 22 anos, golpeando a vítima com a coronha de um fuzil na década de 1970. A brutalidade da ação de Lamarca, do qual Araújo foi subordinado de fevereiro a setembro de 1966, é usada como comparativo à agressividade, por ora retórica, de Bolsonaro. “O Bossal-Nato é o Lamarca da atualidade, só que de direita.”
Exaltado, Araújo diz que jamais concordou com os métodos usados pelos ditadores fardados brasileiros, que são exaltados e celebrados por Bolsonaro. “A maioria do pessoal do exército não concorda com a forma de pensar do Bossal-Nato. Mas a minoria que o apoia é perigosa e não pode chegar ao poder.”
A afirmação do idoso se confirma com o relato sobre o dia em que se deparou com um legítimo “bolsominion”. Araújo estava parado, fazendo sua sutil campanha na ponte da Liberdade, quando um homem começou a gritar que Araújo era comunista e petista. “Ele me perguntou quem havia me pagado para fazer isso”. O 3º sargento até tentou explicar ser militar da reserva igual ao deputado, mas não deu muito certo. “Ele ficou falando que eu era comunista e saiu batendo pé sem me dar ouvidos”, conta, rindo.
A experiência com o bolsominion foi uma brutal exceção na rotina de Araújo. Ele afirma atrair a atenção de pessoas esclarecidas e com cultura suficiente para entender a ironia estampada nas camisetas.
Inclusive faz o convite: quem quiser ser metralhado pelas ideias e opiniões do seu Araújo, é só colar na Liberdade. Ele prometeu ficar de segunda a segunda, das 11h às 17h, na ponte da rua Galvão Bueno, até a véspera das eleições.
E caso Bolsonaro ganhe, Araújo diz que vai se isolar. O motivo? “Para evitar represálias”, afirma. “E para garantir que vou morrer de velhice e não de fuzilamento.”
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