O Sudão Está Prendendo Jornalistas que Apoiam os Protestos Contra o Governo


Dahlia Elroubi antes de ser presa.

Na segunda-feira passada, Abdel-Rahman El-Mahdi dormiu em seu carro do lado de fora dos portões do complexo do Serviço de Segurança e Inteligência Nacional do Sudão (SSIN). Sua esposa, Dahlia Elroubi, foi presa depois que oito agentes do SSIN visitaram sua casa em Cartum, a capital do Sudão.

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Quando os agentes do SSIN chegaram, Abdel mandou os três filhos para seus quartos. “Eu disse [para os agentes do SSIN]: ‘Vocês têm um mandado de busca?’”, Abdel me contou por telefone dois dias depois. “Eles disseram: ‘Não. Somos da Segurança Nacional, não precisamos de mandado’.” Os agentes jogaram Dahlia — juntamente com sua filmadora, câmera fotográfica, máquina de xerox e uma pequena impressora — para dentro do carro deles.

Depois que os agentes saíram, Abdel pegou seu carro e os seguiu. “Eles foram até o complexo do palácio e foi aí que perdi contato com ela”, disse Abdel. Enquanto sua mãe cuidava de seus três filhos, Abdel passou o dia seguinte do lado de fora dos portões, exausto e usando as mesmas roupas amarrotadas. As autoridades deram poucos detalhes a Abdel sobre o motivo da prisão de sua esposa.

Isso não chega a ser uma surpresa. No meio da crise econômica atual no Sudão, o regime do presidente Omar al-Bashir decidiu retirar os subsídios sobre os combustíveis, o que dobrou os preços. Os cidadãos começaram a se manifestar nas ruas no dia 23 de setembro e, nas últimas duas semanas, as autoridades não só prenderam 700 pessoas como começaram uma repressão severa à mídia.

“Acredito que ela foi presa por dizer o que pensava sobre o caso”, disse Abdel. “Ela acreditava que as pessoas que foram mortas nos protestos tinham morrido injustamente. Não havia razão para que elas morressem.”

“Elas foram derrubadas pelo governo”, ele disse. “Ela acreditava que, para o bem de nossos filhos, isso não podia continuar.”

O governo respondeu mais violentamente às manifestações do que o esperado. A Anistia Internacional informou mais de 200 mortes nos protestos, mas muitas pessoas no Sudão acreditam que o número seja maior.

“A repressão recente a ativistas de todos os tipos é uma tentativa desesperada de intimidação — assim como as mortes nos primeiros dias do levante atual — e de sufocar a instabilidade”, disse Yousifi Khalid, um ativista que pediu para ter seu nome fosse mudado por temer represálias do governo.

O governo não está apenas silenciando vozes individuais. Muitos jornais sudaneses foram forçados a fechar as portas, e o governo vem pressionando vários outros a retratar os manifestantes como “sabotadores”. Quatro dias depois do começo dos protestos, o governo fechou o escritório do canal de TV Al-Arabiya em Cartum. De acordo com a Associated Press, vários jornais interromperam suas publicações para evitar a pressão do governo. Já Ali Ahmed Karti, ministro das relações exteriores do Sudão, defendeu a repressão. Domingo passado, ele disse a Al-Arabiya: “A mídia faz revoluções. Se a revolução é criada pela mídia, temos que lidar com isso de forma séria”.

O Dr. Harry Verhoeven, professor de política africana na Universidade de Oxford, me contou por telefone que ouviu histórias sobre vários editores-chefes chamados para uma reunião na qual foram instruídos a não informar sobre os protestos.

O Dr. Verhoeven disse: “A liberdade de imprensa se expande e se contrai no Sudão. Há um jornalismo bom e vibrante lá e, às vezes, você se surpreende com o que as pessoas podem escrever ou dizer, mas chegar perto demais dos limites ou dar a nota errada num período de crise é muito perigoso”.

“O regime prefere evitar matanças ou tortura, mas fechar publicações temporariamente ou garantir que nenhuma publicidade chegue ao jornal é igualmente efetivo e muito menos dispendioso”, ele disse. “Há também uma longa tradição de censura pré-publicação, em que os agentes do SSIN visitavam os jornais na noite anterior à publicação e verificavam tudo. Essa tática foi oficialmente encerrada há mais de um ano, mas a ameaça e a prática ocasional continuam para encorajar a autocensura.”

Nas semanas mais recentes, os jornalistas têm tentado denunciar essas táticas. “Por que você insiste em mentir?”, afirmou o jornalista Burham Abdel-Moneim numa entrevista coletiva, depois que o ministro do interior, Mahmoud Hamed, afirmou que as fotos postadas nas redes sociais de manifestantes mortos eram fabricadas e mostravam protestos no Egito, não no Sudão. As autoridades prenderam Burham imediatamente depois da entrevista e o Washington Post disse que o ministro da informação, Ahmed Belal Osman, pode ser ouvido murmurando: “vamos tomar medidas contra você”.

Uma página no Facebook dedicada a libertar Burham recebeu mais de cinco mil likes em menos de duas horas. Burham foi libertado algumas horas depois, mas não falou sobre o que aconteceu com ele. Quando deu uma entrevista mais tarde naquela noite, o jornalista parecia estar tremendo. O apresentador chegou mesmo a perguntar se ele estava bem. Yousif disse: “O apresentador perguntou: ‘Qual é o problema?’ Acho que eles ameaçaram a família dele. Claro, ele disse que estava tudo bem e a entrevista foi bem curta”.

Outro jornalista trabalhando no Sudão, que pediu para se manter anônimo, me enviou um e-mail. Ele dizia: “tenho medo de publicar qualquer artigo, porque as forças de segurança estão perseguindo ativistas e jornalistas. Eles já tinham fechado meu jornal dois anos atrás e impedido que eu e alguns colegas trabalhássemos em outros jornais, mas agora eles estão nos observando o tempo todo. Quando essas manifestações começaram, publiquei dois artigos a respeito. Não tenho certeza do que vai acontecer comigo quando eles virem esses artigos”.

Outro relato particularmente angustiante veio de Rania Mamoun, uma romancista premiada. Em um blog sudanês, ela descreveu sua prisão junto com um irmão e uma irmã em 24 de setembro:

“Fui espancada por um grande número de soldados, que me rodearam como moscas. Eles batiam com força e queriam mesmo machucar; perdi a conta de quantos cassetetes eles usaram. Posso ainda agora rastrear os efeitos disso em meu corpo, pois as marcas são muitas. Eles me arrastaram pelo chão e me chamaram de todos os nomes, depois ameaçaram me estuprar em grupo. Cheguei a ser assediada por um deles.

“Com os golpes contínuos, atingi um estágio em que não sentia mais dor. A dormência, rigidez, ou meu corpo cedendo ou se tornando como um saco de algodão me permitiram ficar indiferente ou insensível. Ficar insensível de tanto apanhar é o último nível de dor e tortura.”

As autoridades também espancaram o irmão de Rania, quebrando sua clavícula e o deixando no chão da prisão, onde ele sangrou até perder a consciência.

Para realizar essas repressões de maneira eficiente, o SSIN adquiriu uma rede inacreditável de informantes em hotéis, táxis, postos de combustível, ministérios e reuniões de jovens. Eles também adquiriram sistemas de monitoramento avançados para vigiar atividades telefônicas e na internet, e muitos ativistas acreditam que esses sistemas contam com a assistência de companhias de telecomunicação internacionais para funcionar. “[Nenhuma companhia de telecomunicação] vai recusar dar ao serviço de segurança a informação que eles querem”, disse Yousif. “Aplicativos como o Whatsapp, que são muito populares no Sudão, exigem seu número de telefone verdadeiro para fornecer uma conta a você. Entende aonde quero chegar?”

Os protestos no Sudão têm diminuído porque o SSIN pode oprimir os manifestantes de várias formas: prisões, detenções, ameaças e informações obtidas por meio da tecnologia. Assim, Dr. Verhoeven diz que as forças de segurança sudanesas tiveram mais sucesso em reprimir os levantes do que seus “colegas do Norte da África”.

Dr. Verhoeven permanece cético sobre o fato de que esses protestos possam causar qualquer mudança política. “Mesmo com muitos de meus amigos no Sudão tentando me convencer de que desta vez é diferente, que agora suas táticas estão calibradas e que eles estão realmente fartos do regime, não estou convencido”, ele disse. Ele viu essa situação se desenrolar muitas vezes antes, mas prefere esperar para dar seu parecer. Como ele apontou, até agora, mais pessoas foram mortas durante esses protestos do que em manifestações anteriores.

No entanto, muitos discordam do Dr. Verhoeven. Depois de ver não ativistas tomarem as ruas, Yousif acredita que o descontentamento é tão profundo que as táticas de intimidação do governo não serão suficientes para impedir os protestos.

Analisando a detenção de sua esposa, Abdel se considera estranhamente sortudo. Ele disse: “Estou recebendo muito apoio da família, de outras pessoas como vocês e ligações da Anistia. Outros não tinham a menor ideia do que fazer. Tenho sorte. Espero poder tirá-la de lá com a ajuda de várias pessoas”. Apesar de não ter notícias de sua esposa há dias, ele continua postando ativamente nas redes sociais e organizando protestos com outras famílias em frente ao quartel-general do SSIN.

O ensaio de Rania acaba com uma declaração desafiadora que ecoa as crenças de Abdel: “Sua tortura não me amedrontou nem me quebrou. Isso não vai me forçar a recuar, isso me deu força e me inspirou. Vocês me perguntam: Vocês está com medo? E eu digo: Fiquei mais forte”.

Enquanto Abdel espera por notícias de sua esposa, sua força é testada continuamente.

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