Este artigo foi originalmente publicado no JORNAL DE LEIRIA e a sua partilha resulta de uma parceria com a VICE Portugal.
Piões, derrapagens, furikai, acel off, kansei, dirt drop, feint, manji não são termos desconhecidos para quem gosta de drift, ou para quem já viu alguns dos muitos e aparentemente intermináveis filmes da série Velocidade Furiosa. O que é novidade é que há várias dezenas de “ases” a acelerar – e a derrapar – pelo asfalto, na região de Leiria, fazendo quase todas estas manobras ao comando de… triciclos.
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Exacto, leste bem. Triciclos, esteticamente semelhantes aos que usavas para brincar, quando eras criança, mas nada iguais. Pelo menos, não é comum um triciclo chegar aos 90 km/h, pois não? As rodas do eixo traseiro estão revestidas com “rodelas” de PVC, fazendo com que o atrito quase desapareça, permitindo aos triciclos escorregarem de lado e até em marcha-atrás, a altas velocidades, de forma mais ou menos controlada, pela estrada preta.
O desporto chama-se Trike Drift ou Drift Trike – ainda não há uma designação consensual – e é relativamente recente entre nós. Falámos com três praticantes para saber mais sobre o que move estes gloriosos malucos das “máquina roladoras”, pelas estradas de encosta da região.
Rui Melo vive nos arredores de Leiria. Tem 27 anos e é serralheiro mecânico. O primeiro contacto com este desporto aconteceu há cerca de quatro anos, através da Internet. Um vídeo no Youtube descobriu o caminho até ao seu computador e ele ficou instantaneamente “agarrado” àqueles pequenos triciclos, capazes de fazerem manobras de drift como os carros de Fast & Furious. Comprou a primeira bicicleta velha a que conseguiu meter as mãos e começou um trabalho de corte e costura de que só um serralheiro profissional é capaz. Adaptou um eixo atrás com rodas de kart, que, mais, tarde enfiou dentro de “rodelas” de PVC, montou-lhe um pequeno banco e um travão na roda da frente.
O primeiro trike estava pronto e Rui Melo estava “desertinho” para se lançar por uma descida e testar os seus dotes de drifter. Agora só precisava de companhia e ela apareceu inesperadamente. Num momento morto, numa obra da empresa para onde trabalha, Melo comentou com os colegas da equipa que tinha visto “uns vídeos com um triciclos malucos”. “Eu tenho um!”, “eu ando a fazer um”, “eu vou fazer um” foram as respostas que recebeu. Afinal, sem saber, não tinha sido o único a ser mordido pelo bichinho do trike. “Marcámos a primeira descida para daí a 15 dias. Para dar tempo para acabar os carros que ainda estavam a ser feitos e, para que os que ainda não tinham sido feitos, o fossem”, conta.
Depois de uma manhã a dar os primeiro passos – e espalhanços – na modalidade, marcaram outro encontro para a semana seguinte e depois outro e mais outro. Agora são já dezenas os que se lançam a grande velocidade pelas estradas de encosta da região. Asseguram que, quem vive junto às estradas em declive onde praticam a modalidade, gosta de os ver a passar. Tanto que até fazem apostas sobre quem será alvo do primeiro “esbardalhanço”. Aos domingo de manhã, a zoada dos trikes não deixa ninguém indiferente… ou sequer na cama.
“O airbag é o chão”
Os encontros para as descidas são feitos por Facebook ou por telefone. “Vamos andar no domingo? Vamos esta noite?”. No Verão, aproveitam o tempo quente para descer quando o sol já se pôs. “É uma disciplina muito exigente, que nos leva ao limite e não podemos cometer qualquer erro. É como se se fosse um piloto de rally… é preciso dar o ângulo certo nas curvas. Se dás de mais, já foste!”, explica Rui Melo. “Neste desporto, o airbag é o chão”, brinca.
Um ano depois da primeira descida do grupo de Leiria, Sandro Ferreira, manobrador de máquina de 29 anos, juntou-se-lhes. Já praticava a modalidade, mas só quando procurou a expressão “Drift Trike Leiria” no Facebook descobriu o grupo e percebeu que não estava só na cidade do Lis. Os primeiros tempos foram feitos de muita tentativa e erro. O grupo via vídeos no Youtube, lia fóruns e a seguir agarravam na máquina de soldar e na serra e faziam alterações aos trikes para, no fim-de-semana seguinte, mostrarem aos amigos as melhorias.
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“Agora já não mexemos em nada. Ao longo desse tempo, fizemos muitas melhorias e chegámos ao modelo actual com travões de disco hidráulicos e pedais… É mais fácil comprar um feito, mas prefiro andar nos que faço na minha oficina”, assegura Miguel Ruivo, de 40 anos, colega de trabalho de Rui Melo.
Os três resistem a revelar o valor de um trike porque “as mulheres e namoradas teriam um ataque se soubessem”, brincam. Elas têm sempre uma palavra a dizer. “Tudo tem de ir à aprovação da minha mulher”, conta Sandro. “O mais barato? Uns 150 euros chegam… mas também os há a 1500 euros”, depende de quanto se pode gastar”.
“Coisa para garotos”
Cada vez mais viciados na adrenalina, admitem que há riscos, mas que não serão superiores a praticar um qualquer outro desporto desta natureza, como BTT ou pilotar um carro de rally. Acima de tudo, é preciso acautelar sempre tudo e nunca facilitar. “Há quem goze connosco e diga que é ‘uma coisa para garotos’. Respondo que, se ‘é para garotos’, que se sentem num trike e façam uma só descida. Nunca ninguém aceitou o desafio”, conta Rui Melo.
De norte a sul do País, o desporto está a ganhar adeptos e há já verdadeiras mecas desta modalidade. Por exemplo, em Cerejais, Penela, há uma recta onde os trikes atingem 90 km/h. É tão longa que Rui Melo, por várias vezes, deu consigo a pensar na brevidade da vida. “Se alguma coisa corre mal, nem há tempo para pensar em mais nada ou sequer para ver a vida a passar defronte dos olhos”. Corujeira (Coimbra), as eólicas de Vila Nova (Miranda do Corvo) e, na região, Casal da Quinta e Senhora do Monte, ambas no concelho de Leiria são algumas das suas descidas favoritas.
Em “Armil sempre a mil”. A descida com 20 por cento de inclinação ao longo dos seus 1800 metros, junto a Fafe, é considerada hardcore até por um praticante experimentado como Sandro Ferreira, que compete no campeonato nacional e está no Top 16 nacional. O número pode parecer estranho, mas, na final nacional que será no final de Setembro, ou princípio de Outubro, apenas 16 pilotos podem competir. “Os prize-money são bons e podem chegar aos 400 euros”, explica. No Drift, o júri serve-se de vários critérios para fazer a avaliação dos pilotos: estilo, velocidade, ângulos, manobras, entre outros. “Na vertente da Velocidade, o campeonato nacional ainda está em fase de crescimento e o ano que passou foi um teste”, adianta.
Mas é Lousa, em Loures, a capital do trike drift e é para lá que os pilotos da região vão para conviver com praticantes de outros locais, tirar dúvidas e partilhar ideias. “Espalhos da treta”Sustos foram muitos mas nenhum que os levasse a dizer “nunca mais drifto”. “Há sempre quedas. No início, são os ‘espalhos da treta’ e depois, quando já há experiência, são os ‘espalhos a sério’”, enfatiza Sandro Ferreira. Há tempos, na Praia das Rocas, o piloto caiu e estive estendido meia hora no chão “a contar os ossinhos todos”. No caso de Rui Melo, foi um voo a uma altura de três metros que o fez pensar na vida e aventar a hipótese de, eventualmente, estar a abusar da sorte. Pelo menos, até cair “numa cama fofinha” de silvas. “Só me lembro de ter passado a voar por cima de uns eucaliptos”, ri-se.
Origem nas montanhas da Nova Zelândia
Antes de desatar a construir um trike para o drift, ficam alguns conselhos de quem sabe. Uma descida é sempre rodeada de muitos cuidados, condições de segurança e muita comunicação entre os elementos da equipa que têm como missão fechar os troços de estrada ao trânsito automóvel. Além disso, capacetes, luvas, joelheiras, coletes e tudo o que possa servir de protecção, faz parte da indumentária dos praticantes que sabem bem a sensação de uma queimadura de atrito no asfalto e não estão desejosos de a voltar a sentir.
“Pode até ser uma armadura medieval, se estiver alguma disponível”, brinca Miguel Ruivo. Por fim, é indispensável um seguro para desportos radicais. Custa 35 euros a cada três meses. Pode parecer caro, mas, caso o “cromado” fique demasiado “riscado”, em resultado de um drift mais audacioso, há sempre essa segurança extra.
Este desporto começou nos antípodas de Portugal, na Nova Zelândia. Dois amigos lembraram-se de começar a descer de triciclo as montanhas que se tornaram famosas na trilogia Senhor dos Anéis, de Peter Jackson. Mas, como apenas descer a alta velocidade não era suficiente, colocaram rodas de PVC lisas no eixo traseiro e começaram a usar os triciclos para fazer manobras de drift. Hoje, o sítio no Mundo onde o desporto e o negócio à volta da modalidade estão mais evoluídos é o Brasil. “São malucos por isto, especialmente pela velocidade. Chegam a 115 km/h”, refere Rui Melo. Em Portugal, os praticantes começam aos seis anos e não há limite de idade para os mais velhos.
Jacinto Silva Duro é jornalista do JORNAL DE LEIRIA.
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