Uma enorme coleção de documentos confidenciais da notória firma de advocacia panamenha Mossack Fonseca veio a público no último domingo (3) e expôs uma rede de empresas de fachada usadas por membros da elite global para evasão fiscal, acúmulo de dinheiro e contorno de sanções econômicas.
O vazamento — apelidado de “Panama Papers” — inclui mais de 11,5 milhões de documentos e implica 72 chefes de estado atuais e antigos. Os documentos foram obtidos pelo jornal alemão Suddeutsche Zeitung (SZ) e compartilhado pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ em inglês). No Brasil, participam da investigação o UOL, o jornal “O Estado de S. Paulo” e a RedeTV!.
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“O vazamento expõe as contas no paraíso fiscal de 12 líderes mundiais atuais e antigos e revela como associados do presidente russo Vladimir Putin esconderam quase $2 bilhões em bancos e empresas de fachada”, o ICIJ escreveu sobre o vazamento no domingo. “Os arquivos contêm novos detalhes sobre escândalos que vão do grande roubo de ouro na Inglaterra, a lavagem de dinheiro na política do Brasil e acusações de suborno na FIFA, a organização que comanda o futebol internacional.”
O SZ explicou que uma fonte anônima, contatada por seus repórteres mais de um ano atrás, forneceu 2,6 terabytes de dados da Mossack Fonseca, que vende anonimamente empresas offshore por todo o mundo. “Essas empresas de fachada permitem que os donos encubram seus negócios, não impota quão escusos”, escreveu o SZ, acrescentando que entre os clientes da firma panamenha estão “criminosos e membros de vários grupos mafiosos”, além de oficiais de governos, seus parentes e associados.
“De modo geral, ser dono de uma empresa offshore não é ilegal em si. Na verdade, estabelecer uma companhia offshore pode ser visto como passo lógico para transações de negócio mais amplas”, explicou o SZ. “No entanto, analisando os documentos do Panamá logo fica claro que esconder as identidades dos donos dessas empresas era o principal objetivo na maioria dos casos.”
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A ICIJ e o SZ se juntaram a repórteres de mais de 100 organizações de notícia do mundo para analisar os documentos vazados. Os Panama Papers vieram a público há menos de 24 horas, mas o vazamento sem precedentes já está causando repercussão.
O primeiro-ministro da Islândia, Sigmundur Davîo Gunnlaugsson, está enfrentando pedidos de eleições antecipadas depois que os documentos revelaram que ele é um dos muitos políticos que usa empresas de fachada para esconder dinheiro. O vazamento revelou que Gunnlaugsson, junto de sua sócia e esposa Anna Sigurlaug Palsdottis, montaram uma empresa de fachada com a Mossack Fonseca em 2007 nas Ilhas Virgens Britânicas.
Gunnlaugsson, que assumiu o gabinete depois da crise financeira de 2008 na Islândia, jurou defender o país dos credores internacionais que ele descrevia como “abutres”, mas não revelou que tinha US$4 milhões em ativos ligados a uma empresa de fachada offshore. Ele tinha negado ter contas offshore no passado.
“Essas empresas de fachada permitem que os donos disfarcem seus negócios, não importa o quão escusos.”
“Eu? Não”, ele teria dito quando questionado recentemente pelo Guardian sobre sua ligação com a Mossack Fonseca. “Bom, as empresas islandesas com que trabalhei tinham companhias offshore.”
O vazamento também expôs o uso de empresas de fachada por vários oficiais russos do alto escalão, incluindo muitos em contato direto com Vladimir Putin. Uma análise do Guardian dos documentos encontrou uma rede emaranhada de negócios e empréstimos offshore — no valor coletivo de US$ 2 bilhões — que levava a Putin. Esse dinheiro enriqueceu vários membros do círculo pessoal do presidente russo.
Apesar de Putin não estar diretamente implicado no vazamento, muitos de seus familiares e amigos próximos estão. O Guardian apontou que muitos dos enormes empréstimos detalhados no vazamento provavelmente foram conseguidos com apadrinhamento de Putin.
Os documentos revelam que Sergey Roldugin, um famoso violoncelista e um dos amigos mais antigos de Putin, possui três empresas offshore valendo mais de US$100 milhões: a Sonnette Overseas, a International Media Overseas e a Raytar Limited. As duas primeiras foram criadas pelo Banco Rossiya, com sede em São Petersburgo, que é descrito por oficiais americanos como o “banco de compadrio” de Putin. Em 2014, o presidente Barack Obama assinou uma ordem executiva colocando o Banco Rossiya como alvo de sanções econômicas, resultado da anexação da Crimeia pela Rússia.
O presidente ucraniano Petro Poroshenko também é mencionado nos documentos. O oligarca subiu ao poder em 2014 depois que um levante popular derrubou seu antecessor corrupto, Vikton Yanukovych. Poroshenko se vendeu como um tipo diferente de político, mas os Panama Papers revelaram que o “rei do chocolate” – como ele é conhecido devido a uma famosa confeitaria de seu império corporativo – estava armazenando os ativos de suas empresas em contas offshore. Em 2014, o magnata se tornou o único dono da “Prime Asset Partners Limited”, uma empresa nas Ilhas Virgens Britânicas.
A firma de advocacia cipriota que representa a “Prime Asset Partners Limited” apontou que, apesar de a nova empresa pertencer a “uma pessoa envolvida em política”, isso “não tem nada a ver com suas atividades políticas”. Um porta-voz de Poroshenko disse a ICIJ que nem a Prime Asset Partners, nem duas empresas relacionadas no Chipre e Holanda, contam com ativos dele e que são, na verdade, parte de um plano de reestruturação pensado para vender suas confeitarias.
Dois primos do presidente sírio Bashar al-Assad, Rami e Hafez Makhlouf, também são nomeados nos documentos. Rami controlava os setores de petróleo e telecomunicações na Síria, entre outras áreas importantes. Hafez comandava a inteligência e a segurança do país.
Em 2012, quando a comunidade internacional começou a atacar membros-chave do regime de Assad com sanções econômicas, o Departamento do Tesouro americano descobriu a Drex Technologies, uma empresa de responsabilidade limitada com endereço nas Ilhas Virgens Britânicas. Os Makhlouf estavam usando a empresa de fachada para esconder suas ligações internacionais e fugir das sanções. Quando os Makhloufs finalmente foram ligados à empresa, eles já tinham repassado seus ativos para outros endereços offshore.
Os dados também mostram como o Rei Salman, da Arábia Saudita, usou dinheiro de uma empresa nas Ilhas Virgens Britânicas para pagar as hipotecas de suas propriedades de luxo em Londres, e um iate que ele mantém em Marbella, NA Espanha. A embarcação tem uma sala de banquete e pode hospedar confortavelmente até 30 convidados.
Quando o atual presidente da Argentina, Mauricio Macri, era prefeito de Buenos Aires, ele não revelou o fato de que tinha ativos numa empresa de sua família nas Bahamas.
No Brasil, os arquivos da Mossack Fonseca sugerem que o escritório panamenho criou ou vendeu empresas offshore para vários políticos e familiares. Sabe-se que figuram nos documentos os nomes de ao menos 57 pessoas já investigadas na Lava Jato, a exemplo dos peemedebistas Edison Lobão e Eduardo Cunha, que podem ser beneficiários de contas ocultas. Há também ligações com mais gente do PMDB, PDT, PP, PSB, PSD, PSDB e PTB. Em entrevistas ao blog do jornalista Fernando Rodrigues, grande parte deles nega as acusações; outros preferiram não se pronunciar.
Há também várias empreiteiras brasileiras envolvidas nos documentos. Um dos papéis mostra a minuta de um contrato entre a Queiroz Galvão, uma das investigadas na Lava Jato, e uma empresa offshore de um venezuelano. De acordo com reportagem do UOL, a Queiroz se compromete a repassar ao dono da offshore 3% de tudo que receber do governo daquele país “por uma obra de irrigação a título de ‘consultoria’”. Não está claro se o contrato foi assinado, mas, conforme relata a reportagem, serve como exemplo de como ocorriam as negociações das empresas brasileiras no exterior. Outras empreiteiras citadas no documento foram Odebrecht, Mendes Júnior, Schahin, todas investigadas também na Lava Jato.
O vazamento também detalhou atividades em paraísos fiscais de familiares e associados do ex-premier chinês Li Peng, do primeiro-ministro britânico David Cameron, do ex-presidente do Egito Hosni Mubarak e do ex-líder líbio Muammar Gaddafi, entre outros.
Gerard Ryle, diretor da ICIJ, disse a BBC que os documentos cobrem pelo menos 40 anos das operações diárias da Mossack Fonseca. “Acho que esse vazamento vai se mostrar o maior golpe que o mundo offshore já levou, considerando a extensão dos documentos”, ele disse.
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Tradução: Marina Schnoor