O Parque Augusta nunca foi oficialmente o Parque Augusta. E, de acordo com as últimas deliberações do Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo), nunca será inteiramente.
Recentemente, o órgão aprovou o projeto das construtoras Setin e Cyrela, que planejam erguer três torres no terreno em disputa, localizado num quadrilátero de 25 mil metros quadrados que envolve a tão famosa Rua Augusta, em São Paulo.
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A reportagem da VICE teve acesso a um documento que detalha a obra: serão três prédios de 22 andares com fins comerciais e 1.359 vagas de estacionamento.
Atualmente, o lugar é ocupado 24 horas por dia para que as construtoras não fechem o único portão que se encontra aberto.
As questões espinhosas que cercam o assunto são infinitas. Desde os anos 1970, o terreno vive um imbróglio. Antigamente, ali existia o tradicional colégio de freiras Des Oiseaux. O papo de virar parque sempre existiu, mas, nos anos 1980, o lugar quase abrigou um hotel enorme quando um grupo japonês se interessou pelo terreno. Nada, de fato, aconteceu. Até que as construtoras finalmente compraram o lugar.
Apesar de a construção dos prédios ter sido aprovada pelo Conpresp, essa é somente uma das etapas. Agora, o caso está sendo avaliado pela Secretaria Municipal de Licenciamento, órgão responsável por emitir os Alvarás de Aprovação e Execução. Só aí as construtoras poderão dar início aos trabalhos. Quem confirma a informação é a própria pasta.
As diretrizes do Conpresp exigem que as empresas Setin e Cyrela garantam uma passagem de pedestres dentro do terreno e viabilizem um trecho que funcione como parque, preservando sua mata nativa. Mas isso não é suficiente para os integrantes do Organismo Parque Augusta (OPA), que lutam para que todo o quadrilátero seja destinado ao lazer. Para um dos membros do grupo, Valdir Siqueira, conhecido como “Monge”, existem outros pontos que devem ser debatidos: “Passa um córrego embaixo da área que está liberada para construção. Ele foi tapado, mas ainda está vivo ali embaixo. Porém, o empreendimento prevê que sejam feitos cinco níveis de estacionamento abaixo do prédio. Ou seja, temos aí mais um agravante ambiental”.
Procuradas pela reportagem da VICE, as construtoras Setin e Cyrela se negaram a falar sobre o assunto.
Em dezembro de 2013, o prefeito Fernando Haddad sancionou o projeto de lei que permitiria a criação do parque, mas não vingou. Segundo Haddad, a Prefeitura não possuía verba suficiente para desapropriar o terreno – o que custaria em torno de R$ 100 milhões.
Na Assembleia Legislativa, também tramita outro projeto de lei, de 2013, cuja última atualização foi o voto contrário do deputado André Soares.
São diversas as polêmicas que envolvem não só a construção das torres, como também a autenticidade do OPA, coletivo horizontal que tomou a frente da luta em prol da viabilização do parque no local. O grupo é alvo constante de críticas, a maioria envolvendo o caráter de “classe média” dos integrantes. Embora o organismo aposte em frases como “parque aberto” e “parque liberado”, pessoas em situação de rua nunca são vistas por ali e vendedores ambulantes já foram barrados no local.
Na internet, críticas descomedidas passaram a surgir depois que o OPA abraçou uma festa de carnaval ali dentro, puxada pelo bloco Tarado ni Você. Apesar do esforço para que as pessoas não jogassem lixo e bitucas no chão e nem usassem os matagais como banheiro, o organismo acabou criticado depois que um grande número de foliões participou do bloco e pareceu não se importar com a preservação do espaço. No Facebook, contestaram o porquê de os integrantes da ocupação barrarem ambulantes na porta. A justificativa foi de que as construtoras usariam o livre comércio dentro do parque como um artifício para incriminar a ocupação. Ainda assim, o OPA permitiu que o bloco de carnaval vendesse cervejas – mas do lado de fora do terreno.
Uma liminar expedida pelo Tribunal de Justiça pede que o local seja retomado. “O prazo estabelecido pela PM é de que a reintegração de posse se dará no dia 4 de março. Até lá, eles esperam que o movimento saia voluntariamente. Mas estamos tentando derrubar essa liminar”, relata por telefone Daniel Biral, integrante dos Advogados Ativistas. A Polícia Militar confirma a informação e a data.
O grupo diz não querer conflitos com a polícia. “Aqui tem senhoras, cachorros. Não temos intenção alguma de ser um movimento belicoso ou de qualquer outra forma violento. Mas também não seremos pacíficos o suficiente pra dar a outra face”, frisa Monge.
Por e-mail, Nádia Somekh, presidente do Conpresp, afirmou considerar “legítima qualquer forma de ativismo em defesa do patrimônio histórico, artístico, cultural e ambiental”. Em um documento divulgado pelo órgão estão estipuladas as regras que devem ser respeitadas pelas construtoras, bem como as espécies de plantas que se encontram no local e que devem ser preservadas, assim como os pontos tombados.
Enquanto isso tudo acontece, o advogado que responde pelo grupo destaca que a passagem de servidão não é suficiente. “Não existe nenhuma possibilidade de aceitarmos uma parte. Nunca. Essa área tem de ser destinada integralmente ao parque.”
Urbanistas divergem sobre o assunto. Para Luciana Travassos, professora de Planejamento Territorial na Universidade Federal do ABC, a melhor opção seria uma conciliação que resultasse em um parque privado com uso público. Para ela, existem outras demandas mais emergenciais na cidade. “Na comparação entre as áreas consolidadas do município, como o centro, e as áreas periféricas, a periferia é prioridade em termos de políticas públicas”, explica a urbanista.
De acordo com um dos quadros do Plano Diretor, bairros afastados do centro expandido, como São Mateus, Campo Limpo, Emerlino Matarazzo, M’Boi Mirim, Itaquera e Guaianases também aguardam a construção de parques. “São lugares muito carentes de área verde. E não necessariamente a prefeitura tem dinheiro agora pra fazer esses parques.”
Sem nenhuma conexão com o organismo, Claudia Acosta é advogada urbanista e moradora da região. Favorável à construção do parque, ela afirma compreender também o direito das construtoras. “Inclusive, muitos outros empreendimentos imobiliários da região vendem a ideia do Parque Augusta sem ele sequer existir”, relata. Para ela, existe um “conflito de interesses legítimo”, e a servidão de passagem cumprirá “com muita carência” o seu papel.
Apesar das constantes justificativas dos moradores e do OPA, Luciana relembra outro local público voltado para o lazer no entorno. “Não é que aquela região é desprovida totalmente de áreas verdes e de áreas públicas. A Prefeitura acabou de gastar muito recurso na recuperação da Praça Roosevelt – que fica a 200, 300 metros do Parque Augusta.”
Enquanto a reintegração de posse não vem, as pessoas continuam ocupando o parque, fazendo assembleias semanalmente, dançando, cantando, cozinhando ovos e fazendo bolhas de sabão.
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