Matéria originalmente publicada pela VICE Canadá.
Já escrevi muito discutindo como às vezes me sinto deslocada no Canadá, e também sobre mergulhar de cabeça na canadiana numa tentativa de remediar esse sentimento.
Videos by VICE
Não curto essa coisa de céu aberto, então me juntei a uma comuna na floresta tropical; odeio banheiros químicos e acampar, então fui para um festival de música; fui prum show do Nickelback e me converti.
Minha última aventura “canadense de raiz” foi participar de um “bongspiel”, ou seja, um torneio de curling centrado em maconha em Wiarton, Ontário – uma cidadezinha de cerca de 2 mil habitantes – no meio do inverno. Wiarton, para os não-iniciados (como eu) é famosa pelo Wiarton Willy, uma marmota que faz sua coisa especial no Dia da Marmota numa cerimônia anual, que aparentemente é o grande orgulho da cidade. Honestamente, eu nem acreditava que marmotas eram reais até visitar a cidade.
Minha experiência com curling é limitada a uma vez em 2010 quando participei de uma dinâmica de grupo quando trabalhava para um jornal comunitário em North Vancouver, Colúmbia Britânica. Tiraram umas fotos minhas com uma cara muito séria e feia, usando uma touca gigante ridícula enquanto alinhava uma pedra (ainda não manjo muito as mecânicas do curling).
Sempre achei curling meio chato – não muito diferente do próprio Canadá. Então talvez não seja surpresa que o esporte é uma fonte de orgulho nacional, algo que dominamos nas Olimpíadas de Inverno. Outra coisa muito canadense no curling é que ele anda de mãos dadas com o goró – uma equipe canadense medalhista de ouro foi expulsa de um bonspiel em Red Deer, Alberta, outono passado ao quebrar tacos e xingar geral porque todo mundo estava mamado.
Então eu não sabia o que esperar desse torneio. No começo eu não estava com muita vontade de ir, imaginando se o evento não era só outro golpe publicitário tentando capitalizar sobre a legalização da maconha. Mas achamos que poderia render um bom vídeo, então lotamos uma SUV e quase morremos dirigindo três horas de Toronto até Wiarton durante uma nevasca. Estava tão frio que quando chegamos no nosso motel, a água da privada do quarto de um dos produtores tinha congelado.
Aí fomos para o Wiarton & District Curling Club onde encontramos Ted Ratcliffe, 38 anos, um dos organizadores do evento. Ratcliffe explicou que um bongspiel é só um bonspiel (torneio de curling) mas “canábico”. No final de um bonspiel, a tradição é pagar bebidas para os outros times, mas para um bongspiel, você pode substituir o drinque por um beck. Ou fazer os dois.
O evento durou um dia inteiro, começando às 9 da manhã.
Chegamos lá na noite de sexta, um dia antes do bongspiel, que também era a noite de curling misto do clube. Tinha um monte de jovens e mais velhos, homens e mulheres, alguns parecendo meio reservados com a gente – ouvimos até alguém se referir a nós brincando como “fake news”.
O presidente do clube, Gord Ironmonger, ficou encantado. Ele é um tiozão canadense bigodudo que todo mundo secretamente sempre quis ter. Ele tinha que aparecer num comercial do Tim Hortons. Ironmonger nos contou que o curling é o jeito dele de continuar conectado com os filhos. Ele conversa sobre a vida deles enquanto dirige para e de volta do rinque. Ironmonger não curte chapar, mas disse que não vê problema nos bongspiels desde que todo mundo siga as regras. “Esse é tipo um evento inovador”, ele disse na sua voz calma e cantada que nunca variava de tom ou volume.
Considerando que estávamos numa cidadezinha conservadora e muitos praticantes de curling são mais velhos, não achei que os membros do clube estariam abertos para o bongspiel. Na verdade, Ironmonger nos avisou que tinha “muitos idosos morando aqui que não gostam que nada mude”. Aparentemente, a sogra dele é um desses idosos e desaprova a coisa toda.
Eu meio que esperava que poucos idosos fossem aparecer no dia do bongspiel. Mas chegando lá na manhã de sábado, vi que eu estava enganada. A geração mais velha de curlers estava lá, trabalhando com a lista de convidados, entregando termômetros grátis para cultivar cannabis, vendendo (e usando) camisetas customizadas do bongspiel, preparando sanduíches de salada de ovo e outros quitutes para as massas. A vibe era de quermesse de igreja, se quermesses de igreja incluíssem gente bolando becks abertamente.
Como é proibido consumir cannabis em centros recreativos, todo mundo tinha que ir para uma pequena barraca lá fora pra fumar. E foi lá que encontrei a Shed Crew – batizada com o nome do lugar favoritos deles pra ficar de bobeira: um barracão. Dylan McMullin, que estava usando aqueles chapéus de rabo de guaxinim, e Andy Elliot pareciam saídos do Fubar (imagino – já que nunca assisti mesmo os filmes). Estou falando de sotaque canadense pesado.
Eles não são curlers. Mas são entusiastas da cannabis.
“É o seguinte: curtimos cannabis, mas foi a comunidade do curling que abraçou a cannabis primeiro desde a legalização”, me disse McMullin. “Então – vamos jogar curling.” Mas ele admitiu que não participaria de um concurso de soletrar se os participantes fumassem maconha.
Originalmente, eu planejava só observar, mas os caras da Shed Crew, sendo totalmente leigos em curling também, me convenceram a se juntar ao time deles. Senti que eu não ia atrapalhar todo mundo se jogasse mal, o que ia acontecer com certeza.
Nossos adversários incluíam equipes como Three Buds and a Spud, The Rolling Stoners, Stoned Cold Rocks e um grupo de caras brancos de Brampton que se chamavam de Curry Hard.
Eu e os outros jogadores da Shed Crew fumamos uns becks e partimos pro rinque, que foi onde encontrei Doug. Ele também era do nosso time e um dos dois únicos jogadores descentes do grupo. Ele não parava de me dar ordens, mas de um jeito simpático e engraçado. Ele não se considera um grande maconheiro, mas gosta de chapar. Muito. Em certo ponto, ele perguntou se eu queria ir lá fora fumar um vaporizado com ele. Recusei, porque estava trabalhando, né, e porque sempre fico estragada quando uso maconha assim. Doug parecia chocado com o conceito de poder comprar maconha do governo.
“Cinquenta anos comprando drogas nas ruas. Comprando maconha e tendo que esconder de todo mundo. Agora essa é uma indústria enorme”, ele disse.
Quanto ao curling em si, tentei arremessar a pedra e dar a varridinha algumas vezes, mas desisti depois que tropecei numa pedra e cai, com McMullin gritando comigo enquanto isso.
Ainda acabei ficando um dos bongs de prêmio, que na verdade alguém me deu porque disse que não precisava de um bong. É uma coisa comovente mesmo quando um completo estranho te dá seu bong novinho. Foi outro gesto simpático de uma série que recebi e testemunhei no final de semana. Eu disse pra mim mesma que não ia realmente usar o bong, mas na real uso todo dia agora.
Conversando com o pessoal mais jovem lá, descobri algumas coisas: as pessoas das cidades pequenas de Ontário adoram cultivar a própria maconha, o curling constrói comunidades, e que os curlers são selvagens. O bar abriu às 11h, mas todo mundo ainda estava de pé quando fomos embora por volta das 18h. O evento culminou com a apresentação da banda de McMullin, The Great Canadian Swampstompers, e um baile com uma DJ que foi a única mulher não-branca que vi naquele final de semana. Incrivelmente, ninguém vomitou ou passou mal por misturar bebida e maconha.
Às vezes as pessoas te surpreendem.
Siga a Manisha Krishnan no Twitter.
Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube.