Passei um mau bocado no bloqueio da ponte 25 de Abril

Aqueles que achavam que as manifestações do Brasil e da Turquia teriam, já no dia de ontem, réplicas em Portugal, enganaram-se redondamente. Ao que parece, o contágio entre países é uma fórmula que se esgota nos juros e nas economias dos mesmos. Ontem foi dia de greve geral e os serviços do Estado até podem ter parado mas, como é óbvio, o país não parou.





Ainda antes da manifestação, por volta da uma da tarde, um piquete móvel com meia centena de elementos, quis fechar as lojas daes galerias do Chiado, da rua do Ouro e da Prata e ainda bloquear a circulação automóvel um par de vezes. Foi o que aconteceu. Enquanto isso, os taxistas insultavam os manifestantes e os polícias, colaborantes, iam à frente para alertar os lojistas de que era melhor fechar as portas.



Com um início destes, cheguei a pensar que a manifestação seria animada. Engano meu. Pouco depois das três, os manifestantes dirigiram-se para a Assembleia. Tanto o speaker da CGTP, como eu fazíamos tempo. Ele esperava pela hora de introduzir o Arménio Carlos, eu esperava por uma manif a sério. Chegado o Arménio, ficámos a saber o que sabíamos antes: a greve tinha sido “excepcional” (há alguma que não seja?).



A partir daqui a história repetiu-se. Arménio Carlos acabou o seu discurso e os sindicalistas retiraram-se lentamente, dando lugar a vários activistas, anarquistas, percussionistas, entre outros que passaram a estar por conta própria. Ontem, as grades da Assembleia da República até serviram de encosto. Por vários motivos (pouquíssimos manifestantes, ausência total de entusiasmo, etc), a situação não se desenvolveu como os activistas mais radicais pretendiam e acabou por se improvisar mais do que o aconselhável.



É tudo uma cena de energias, nós já sabemos, e a malta dos tambores também. Foram eles que animaram os manifestantes, levando o som dos tambores na direcção ao Largo do Rato. A meio da rua de S. Bento não havia quem soubesse para onde iriamos. Falou-se em dar uma volta pelas ruas e voltar à Assembleia, falou-se do Marquês e, já quase nas Amoreiras, alguém se lembrou da ponte 25 de Abril. Assim foi. A partir daí, as coisas descontrolaram-se. A polícia foi posicionando-se de forma a que não houvesse trajecto alternativo ao da ponte, não tendo propriamente direccionado activamente os manifestantes.



Quando dei por mim já estava na rua Duarte Pacheco. Na direcção norte-sul o trânsito estava interrompido. Na direcção oposta, alguns condutores e manifestantes ofendiam-se mutuamente. As coisas continuaram a descarrilar e um dos polícias disse que as pessoas tinham de parar. Não era permitido cortar a ponte 25 de Abril. Manifestações dentro da cidade ainda se tolera, na ponte é que não pode ser. Todos tinham de parar ali mesmo, porque senão vinham “os piquetes e as coisas não ficam assim”.



Mas os manifestantes estavam mesmo empenhados em ir para a ponte e começaram a correr pelo acesso em direcção à mesma. Pareceu uma tentativa de se fazer numa ponte o que não se conseguiu fazer na Assembleia, como se a espontaneidade, por si só, fosse suficiente para se colher resultados. Pelo caminho, Rúben, um dos anarquistas presentes, ostentava uma t-shirt dos Anarchists Black Cross e dizia-me, radiante, que aquelas 150 pessoas estavam “a desafiá-los [polícia, governo, poder] como nunca ninguém os desafiou”. 



Uns 100 metros depois estava um grupo de polícias que formou, de imediato, um cordão, não deixando passar ninguém e sem que percebesse como, já estavam sete carrinhas da polícia de intervenção. Muito rapidamente foi estabelecido um perímetro de polícias à volta dos manifestantes e eu continuei por fora, a assistir a tudo aquilo.

Tanto os polícias como os manifestantes mantiveram a tranquilidade e, depois de muito tempo cercados, os polícias começaram a encaminhar as pessoas de volta para o local de origem, tendo muitas das 150 pessoas batido palmas e elogiado a polícia, que mais tarde os viria a enjaular durante horas. Em algum momento devo ter ficado para trás, porque houve um polícia que me pediu que ficasse à frente dele. Todos tinham de estar à frente do cordão policial. Mesmo dizendo que estava em trabalho, tinha entrado na “caixa” e já não podia sair. A verdade é que não me preocupei excessivamente. Continuei a tirar fotos, pensando que meia-hora depois estaria nas Amoreiras de novo.



Nem pensar. Os polícias encaminharam-nos até ao bairro da Bela Flor e de lá não saímos nas quatro horas seguintes: com sol, sem água, sem comida, sem podermos ir à casa de banho. Todos nós fomos revistados, identificados, talvez detidos (ninguém percebeu muito bem se o que se passou, de facto, foi uma detenção) e notificados como arguidos por participar numa manifestação ilegal e por atentado à segurança de transporte rodoviário.

Hoje teremos todos de perder o dia no tribunal e, como dizia um dos polícias que nos acompanhou na Bela Flor, “tudo isto é muito democrático.”

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