Chegando à entrada do parlamento grego, meu olhar imediatamente caiu sobre um velhinho vestido de maneira bem estranha dada a ocasião: no pé direito ele usava um tsarouhi (um sapato típico enfeitado com um pompom) e no pé esquerdo um tênis esportivo. Ele tinha uma foto enorme de Georgios Karaiskakis presa na lapela de sua camisa branca. Karaiskakis era um comandante grego da guerra pela independência do país em 1821 – tipo um William Wallace dos gregos.
Os seguranças tentavam tirar o idoso do caminho. “Chame a presidente do parlamento. Chame a Sra. Konstantopoulou agora! Diga que o professor dela está aqui”, ele gritava.
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“Fique aqui ao lado. O senhor não pode entrar”, eles diziam, enquanto seguravam o idoso à direita para que os oficiais do governo e jornalistas internacionais estressados pudessem passar.
A Grécia adora um bom personagem, mas naquele momento, um velho vestido como uma mistura de jogador de futebol e guarda presidencial não parecia apropriado. O parlamento grego já estava caótico o suficiente enquanto se preparava para o que foi descrito como a votação mais crítica em décadas – uma votação sobre medidas de austeridade tão complicada que faria Thatcher dançar no túmulo. Alguns parlamentares do Syriza denunciaram publicamente um acordo que o primeiro-ministro Alexis Tsipras negociou antes da reunião parlamentar. A noite de 15 de julho estava destinada a entrar para a história como o começo de uma nova era de turbulência para uma Grécia já em apuros.
Com a cabeça cheia de cenários desagradáveis, passei pelas revistas de segurança de rotina e entrei no parlamento intimidador – uma ode de concreto ao classicismo urbano. Até a monarquia cair, o prédio era a base dos reis. Agora, isso seria o palco de um novo ato da tragédia grega.
Andando até a sala de imprensa, parei um momento no corredor para observar o retrato de Rigas Feraios, líder do iluminismo grego, assim como o de Dionysios Solomos, o poeta nacional grego. Os dois retratos eram de Dimitris Mytaras, um dos artistas gregos contemporâneos mais influentes.
Entrando na sala de imprensa, encontrei o caos; dedos martelavam os teclados, enquanto informações, cenários especulativos e estimativas eram gritadas em telefones celulares. Os principais veículos de comunicação pareciam estar ali – era óbvio que o mundo estava assistindo a Grécia. Eu sabia que as medidas exigidas por Bruxelas seriam aprovadas – e parecia que isso tinha o apoio de muitos partidos. O que mais me preocupava era quanto o Syriza tinha sido abalado nessa noite crítica. As pessoas estavam falando num motim de mais de 40 membros, enquanto outros previam números muito menores. Mas ainda assim previam.
A sala de imprensa me estressou, então decidi andar pelo prédio. Encontrei um amigo, que atualmente está trabalhando como contato local para o Washington Post. Ele estava entre dois jornalistas norte-americanos que gravavam declarações de Gerasimos Giakoumatos, um parlamentar da Nova Democracia e um dos políticos favoritos das colunas de fofocas dos jornais. Fiquei impressionado que dois jornalistas do jornal que deu o escândalo de Watergate e ganhou um Pulitzer, tivessem viajado milhares de quilômetros através do Atlântico para ouvir declarações de Gerasimos Giakoumatos. As pessoas estavam levando isso muito a sério.
No salão, fiquei na fila para pegar uma garrafa d’água atrás do parlamentar do To Potami Gregory Psarianos. Ele usava o colete bege que é sua marca registrada. Ele estava profundamente envolvido numa conversa com um parlamentar do Partido Comunista, Thanasis Pafilis. No salão, havia congregações similares com outros parlamentares gregos tendo pequenas discussões.
O salão é famoso por ser o palco de infinitas discussões políticas e naquele momento isso parecia mais verdade que nunca. No fundo da sala, os ministros do governo Panagiotis Lafazanis e Dimitris Stratoulis, além dos parlamentares do Syriza Thanasis Petrakos e Stathis Leoutsakos, tinham montado seu próprio posto discreto – todos os olhos estavam voltados para eles. Eles tinham deixado claro que planejavam votar “Não”. O fato de Panagiotis Lafazanis mexer neuroticamente em seu kombolói – também conhecido como contas de preocupação – enquanto andava de um lado para o outro dava uma ideia do que estava por vir.
A sessão ia começar às 20h30, então subi as escadas correndo para garantir um bom lugar na galeria de jornalistas, que já estava lotada. Finalmente tinha chegado a hora da votação. Os políticos tomaram o pódio um de cada vez. A discussão foi presidida pelo vice-presidente do parlamento, Alexis Mitropoulos. O ar na sala estava pesado. A tensão estava em cada olhar e cada palavra. “Na manhã de segunda, experimentei o momento mais difícil da minha vida. Tomei uma decisão que ficará comigo para o resto da minha vida”, disse o ministro das Finanças Euclid Tsakalotos, num discurso emocionado.
Todos os discursos seguintes foram igualmente carregados. Evangelos Venizelos trocou olhares mortais com o vice-presidente do parlamento, Alexis Mitropoulos – foi algo saído de um filme de faroeste. O drama chegou ao ápice quando a parlamentar do Syriza e porta-voz do parlamento Zoi Konstantopoulou subiu ao pódio, para fazer seu tão esperado discurso. Entre outras coisas, ela disse que aquele era “um dia negro para o parlamento grego” e que “o parlamento iria, em 2 horas e meia, ratificar um acordo que esmagava o povo grego”. Ninguém tinha dúvidas de que ela se opunha fortemente ao “Sim”.
Paradoxalmente, o líder do partido de extrema-direita ANEL, Panos Kammenos, deixou de lado a postura antiausteridade que vinha repetindo há anos, dando sinal verde para o terceiro memorando do país. O primeiro-ministro da Grécia, Alexis Tsipras, subiu ao pódio e jogou as cartas na mesa: “Carrego a responsabilidade por esta sociedade saqueada”.
Lentamente, os votos de “Sim” e “Não” foram sendo registrados. Quando o ex-ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, votou “Não”, algumas pessoas começaram a vaiar. O destaque foi quando o parlamentar do Syriza Yannis Michelogiannakis – um homem reverenciado como super-herói antiausteridade – votou “Sim”, mesmo dizendo que recusaria o memorando. Finalmente, o acordo foi votado: 229 parlamentares disseram “Sim”, 64 disseram “Não”, seis estavam “presentes” e Alexandra Tsanaka do Syriza estava ausente.
O primeiro-ministro saiu imediatamente para seu escritório depois da plenária. Muito tinha mudado em apenas algumas horas: ele tinha experimentado dezenas de seus camaradas concordando com seu discurso e mais tarde votando contra o acordo que ele trouxe diante do parlamento. É certo que a coesão do Syriza foi abalada definitivamente. Uma reorganização é claramente questão de tempo. Muitas coisas são incertas agora, mas há uma certeza – o povo grego vai continuar sua jornada pela recessão por mais um verão europeu.
Tradução: Marina Schnoor