A van de porra em questão. Todas as fotos por Kate McKenna.
Fim de semana passado, passei um dia inteiro viajando num caminhão de entrega de sêmen, tipo um caminhão de entrega de pizza, mas que engravida vacas leiteiras e tem um cheiro meio esquisito.
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Encontrei o Gary – o motorista superlegal do caminhão em questão – num estacionamento de um restaurante KFC. Deixei meu carro lá e ele me mostrou seu veículo. Uma caminhãozinho comum, mas com a boleia modificada para levar tanques de nitroglicerina que mantêm o esperma fresco. Quem não sabe como é um caminhão de entrega de porra nunca ia adivinhar o que o Gary transporta. E o logo da empresa não é uma piroca de touro, nem mesmo um touro, então a van parece como qualquer outro veículo de algum negócio agrícola, como muitos outros na província vagamente agrícola da Ilha do Príncipe Eduardo, Canadá.
O conceito por traz desse negócio até que é bem simples. O Gary recebe pedidos de sêmen de touro e faz as entregas, realizando, ocasionalmente, a inseminação (o que envolve enfiar “entre o pulso e o ombro” dentro da vaca, segundo ele). Os pedidos chegam quando os fazendeiros notam que suas vacas estão no cio – seja por meio de aparelhos que medem as atividades das vacas ou observando atividades lésbicas no pasto – então eles ligam para o Gary e dizem o tipo e a quantidade de sêmen de que precisam.
Mas selecionar o sabor certo de porra para vacas não é tão simples quanto escolher entre três vacas macho bonitões (ou touros, como você provavelmente conhece). É uma baita ciência. Primeiro, existem poucos ou quase nenhum touro de reprodução na província inteira, então a porra vem de vários outros lugares do mundo. Segundo, as opções e preços de sêmen de touro variam pacas. Qualquer coisa entre um touro zé ninguém e um touro “provado”, que já teve centenas de filhotas bonitinhas, pode variar entre $10 a $50 a dose. E não basta que o touro seja lindão – os filhotes dele também têm que ser. E se eu posso usar meu feed do Facebook como exemplo, pais bonitos nem sempre são iguais a crianças bonitas. Então esses touros são uma raridade.
Depois que a porra perfeita é escolhida, os fazendeiros também têm que decidir se querem pagar extra por sêmen “sexado”. E isso não é o que você está pensando, dependendo do que você está pensando. O sêmen sexado garante um bezerro do sexo feminino. Como estamos falando de produção de leite aqui, então é bem isso que você vai querer. Um bezerro macho vale menos de $200, mas uma fêmea, dependendo de quanto leite e bezerros ela produzir, pode valer dezenas de milhares de dólares mais adiante.
De qualquer maneira, era hora de começar a rotina de entregas de porra do Gary, e já estávamos na estrada antes das nove da manhã. Primeira parada: algumas doses para uma fazenda nos arredores de Charlettetown. Saímos do caminhão e Gary conversa com o criador – como acontece com muitos dos fazendeiros da ilha, o Gary conhece bem o cara; ele sabe como o ano dele está indo e como anda a produção de leite na fazenda.
Há uma discussão entre os dois e o primeiro negócio é fechado.
Essa é a primeira vez que realmente vejo o sêmen. O Gary lida com ele como um cientista de desenho animado lida com químicos perigosos.
Gary sobe na traseira do caminhão e abre um dos tanques. Ele usa hastes de metal para entregar as palhetas cheias de porra.
Ele sabe imediatamente o que está pegando, mas não entendi muito bem como ele consegue diferenciar qual sêmen é qual. Uma névoa paira ao redor do tanque, criando uma pequena nuvem mística em torno do evento. São dez “doses” de sêmen em cada palheta, e as doses são bem pequenas, de um centímetro cúbico. O cliente em geral adquire mais de uma dose por vez – quase sempre múltiplos de cinco ou dez.
Rapidamente, Gary leva a palheta de sêmen até um recipiente apropriado. Qualquer exposição a uma temperatura mais alta pode matar os girininhos, o que, obviamente, não é bom para o negócio. Todos os fazendeiros têm pequenos coolers com nitroglicerina – então, cuidadosamente, ele coloca as palhetas no celeiro e imprime a nota fiscal para o fazendeiro.
E essa foi a primeira transação do dia. Ajudamos a criar dez bezerros em potencial, tudo antes das dez da manhã. O Gary fez a maior parte do trabalho, claro, mas eu também estava lá.
Satisfeito com o nosso (seu) ótimo trabalho (trabalho do touro dele), Gary e eu pudemos conversar antes da próxima viagem.
Pergunto como ele entrou no negócio da inseminação: como muitos dos ilhotas, ele cresceu numa fazenda e ainda possui uma, mas não queria apostar só nisso. Ele sempre quis trabalhar com vacas e assumiu esse trampo, que é literalmente colocar sêmen dentro de xoxotas de vacas, em período integral.
Pergunto se ele é bom nisso e ele responde que sim. Ele diz que consegue conversar com alguém e engravidar uma vaca sem que a pessoa perceba. Não sei como isso funciona, não consigo nem imaginar. Mas acredito no Gary, porque ele um cara confiável. A partir disso, ele entrou facilmente no negócio de venda e entrega e parece ser um comerciante de porra muito dedicado. Ele mesmo pode até inseminar vacas, mas não faz mais isso com tanta frequência.
Aí um cliente ligou e pediu que alguns acessórios fossem entregues numa fazenda próxima. Pegamos a estrada de novo.
Percebi imediatamente que o lugar era de alto nível; os celeiros eram enormes e aquelas fitas de premiação em feiras agrícolas estavam penduradas por todo lado. Essa é uma fazenda estabelecida a várias gerações. O Gary é um profissional top no ramo. Eles não estavam precisando comprar sêmen, mas Gary mencionou alguns nomes importantes para tentar convencê-los do contrário. Muitas das vacas no celeiro eram descendentes de um garanhão provado, o Gold Chip. Esse garanhão meio que mudou a linhagem Holstein. O Gold Chip morreu algum tempo atrás, mas ainda há um pouco de sêmen dele disponível. O que acontece com frequência é o linebreeding, ou incesto de vaca, porque a demanda é grande para o sêmen do Gold Chip, mas ele está morto, então o suprimento é limitado e o preço é alto. Até onde percebi, o Gary não conseguiu fechar negócio. Mas descarregamos alguns produtos e eu pude dar uma olhada nas vaquinhas, que são muito fofas. Essa aqui tinha apenas um dia de vida.
É isso que acontece quando o Gary faz bem seu trabalho.
A próxima parada é longe, do outro lado de Charlottetown. Conversamos um pouco sobre o negócio entre as várias paradas em celeiros durante a tarde.
A questão é que esse é um negócio muito competitivo. O Gary pegou esse emprego há apenas um ano e está lutando para convencer os fazendeiros a trocar seus velhos fornecedores de esperma por ele.
Tem um cara em particular que dá trabalho ao Gary. Não vou dizer o nome dele aqui, porque gosto do Gary e quero mesmo que ele consiga todos os clientes. Mas esse outro cara é um vendedor agressivo e também faz casqueamento, que é aparar o casco das vacas. Casquear faz com que ele passe várias horas num celeiro – deitando falação no ouvido do fazendeiro, o que o ajuda a vender mais sêmen. É tipo como se a pessoa que faz um informercial também prestasse um serviço essencial, vendendo seja lá o que for para você ao mesmo tempo. Ouvimos falar desse cara e dos preços supercompetitivos dele em quase todos os celeiros que visitamos.
Da mesma forma, toda fazenda pede um desconto no preço. A gente até pode chamá-los de pechinchadores de porra. Fomos a seis ou sete fazendas. Gary tem certo espaço de manobra, mas sabe que os fazendeiros conversam entre si e comparam os preços. Ele não pode favorecer um fazendeiro porque isso aliena os outros. Ainda assim, ele oferece vantagens aos clientes e avisa quando o preço da porra de certo touro vai disparar.
O trabalho não é um mar de rosas, como se isso não fosse evidente só pelo fato de que o Gary precisa enfiar o braço até o ombro em vaginas de vacas às vezes.
O que ele fez para tentar ganhar clientes, quando não está recebendo muitos pedidos, é aparecer em todas as fazendas para tentar entender as necessidades e aspirações de cada uma, depois oferecer coisas – principalmente sêmen – que possam ajudar os fazendeiros a chegarem lá.
No dia da nossa viagem, os negócios foram um sucesso médio. Ele conversou com algumas pessoas, mas só conseguiu vender suprimentos como luvas e armas de inseminação – que é a coisa que você usa para injetar o sêmen nas partes da vaca. Mas Gary disse que esse é um jogo longo. Ele vai continuar usando essa estratégia até balançar outras pessoas.
No fim das contas, esse não é um trabalho muito diferente de qualquer outro ligado a vendas. Só é um pouco mais estranho porque o Gary vende porra.
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Tradução: Marina Schnoor