Personagens histéricos do impeachment estão entre os mais votados de 2018

A marcha da intolerância e da suposta luta contra a corrupção ocorrida na campanha pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT), durante as manifestações de 2015 e 2016, alçou candidatos aos cargos nos mais diversos níveis dos poderes estaduais e federais. Em uma leva única, foram eleitos em 2018 Alexandre Frota (PSL-SP), Kim Kataguiri (DEM-SP), Joice Hasselman (PSL-SP), Arthur Mamãe Falei (DEM-SP) e mais alguns membros da família Bolsonaro. “Estes personagens são fruto, em primeiro lugar, de um sentimento difuso de negação da política institucional”, diz o professor Fran Alavina, doutor em Filosofia pela USP. “Em outras palavras, são frutos de uma descrença na forma política partidária. Eles apareceram com o discurso de que seriam apartidários.”

A histeria do discurso antipetista forjado em carros de som e conduzido por uma ampla rede de fake news em grupos como o MBL desaguou na candidatura de nomes, no mínimo, questionáveis. Com boa presença na internet, muitos políticos surfaram a onda de ódio ao PT que pode levar Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência da República. “Todos, inclusive Bolsonaro, foram ancorados na internet”, analisa Marco Antônio, professor de ciência política da FGV-SP. “Esses personagens ganharam notoriedade por outros meios, diferentemente dos partidos.”

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Em um perfil publicado em 2016 na revista Piauí, a advogada e professora da USP Janaína Paschoal conta o passo a passo da peregrinação, incluindo a formulação do documento que seria aceito por Eduardo Cunha (PMDB), então presidente da Câmara dos Deputados, no impeachment de Dilma Rousseff. Dois anos depois, e também filiada ao PSL de Bolsonaro, ela se tornou a deputada estadual com o maior número de votos da história: 2 milhões. “Esta votação expressiva é muito importante, pois me confere mais legitimidade para trabalhar por todos nós”, ela disse no Twitter. Entre os projetos divulgados, ela pretende “liberdade de pensamento contra ditadura da mentalidade” e trabalhar para que crianças “não sejam metralhadas com um conteúdo inapropriado”, em alusão à cartilha de educação sexual formulada pelo Ministério da Educação para crianças de até 11 anos.

Eduardo Bolsonaro, deputado federal mais votado da história, em protesto pelo impeachment de Dilma Rousseff em 2014. Foto: Reprodução/ YouTube

Segundo deputado estadual mais votado, Arthur Mamãe Falei (DEM) é um caso clássico dos ativistas que inundaram as redes sociais dos últimos anos com um discurso contra o Estado, mas que fizeram de tudo para entrar nele. Foram 478 mil votos no youtuber Arthur Moledo do Val, que mantém um canal com viés ultraliberal e “contra tudo que está aí” desde meados de 2015, alinhado com o MBL e também oriundo das manifestações pró-impeachment. Companheiro de Arthur em manifestações e nas redes, Kim Kataguiri foi eleito deputado federal com 465 mil votos pelo Democratas. Logo após a eleição, Kim afirmou que “agora é entrar com o pé na porta e acabar com o totalitarismo petista”, em sua conta no Twitter.

Ao longo dos últimos anos, Fran Alavina tem se dedicado a estudar o discurso do MBL e o impacto dele na sociedade. “Desde as chamadas jornadas de junho de 2013 apareceu algo inédito na política brasileira: certo protagonismo dos meios virtuais no centro do debate público. Não podemos nos esquecer que a maioria dos atos era convocado pelas redes sociais e muitos grupos se formaram das redes para as ruas. Ocorre que esse protagonismo criou uma nova linguagem política em uma seara que ansiava por coisas novas, por isso sua fácil aderência”, diz.

De acordo com Fran Alaviana, esses personagens “criaram um público de seguidores acostumados a uma linguagem rasa, instantânea, formando o ambiente ideal para as fake news, pois se perdeu os critérios do verdadeiro e do falso”. “Vale apenas o emissário da mensagem e seu grau de excitação”, completa.

“As novidades serão apenas aparentes, pois o projeto desse grupos sempre foi chegar ao centro do poder e lá ficar”

No âmbito dos deputados federais, houve mais duas eleições dos chamados “outsiders”: Alexandre Frota (PSL-SP) e Joice Hasselmann (PSL-SP). Ambos estão no partido de Jair Bolsonaro, que saltou de um para 52 deputados federais. Em 2015, Joice Hasselman foi proibida de ingressar no quadro do Sindicato dos Jornalistas do Paraná após a comprovação de plágio do Conselho de Ética do Paraná em 65 reportagens entre junho e julho daquele ano. Ela recebeu pouco mais de um milhão de votos.

Alexandre Frota, eleito com 155 mil votos, já fez de tudo um pouco. Na política, apoiou o governo de Michel Temer (MDB) e também mantém atuação intensa na internet, principalmente em temas que envolvem “a moral e os bons costumes”, como aborto, liberação do porte armas e outras aberrações. Após a eleição, o filho de Alexandre Frota, Mayã Frota, afirmou no Twitter que “era filho de um ex-ator pornô e ex-viciado em cocaína, que defende a família, mas queria me abortar. Como ele virou deputador federal de São Paulo, não sei”. O pai, que ficou famoso na época do impeachment por fazer parte do movimento Revoltados On-line, respondeu que o filho era “parte dessa geração revoltadinha”.

Frotoa posou com camiseta do Bolsonaro e armas de brinquedo no dia da eleição. Foto: Reprodução/ Twitter

Por último, mas não menos importante, está Eduardo Bolsonaro (PSL), eleito com pouco mais de um milhão e oitocentos mil votos. Terceiro filho do clã, ele será mais uma força do partido no Congresso. Para Marco Antônio Teixeira, a união dessas candidaturas resultará em conservadorismo. “Como eles vão levar esse discurso feito até aqui para a Câmara? Aprovando ou revendo ganhos sociais que ocorreram nos últimos anos. Pautas como aborto, Estatuto da Criança e do Adolescente sofrerão tentativas de mudança ou regressão”, analisa.

Ainda sobre a atuação na Câmara, Fran Alavina pondera sobre o embate entre a velha política e o discurso de novidade que esses candidatos apresentam. “Penso que as novidades serão apenas aparentes, pois o projeto desse grupos sempre foi chegar ao centro do poder e lá ficar, adequando-se perfeitamente ao instituído”, completa.

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