A baiana Paula Lima*, 18 anos, e a paulista Jéssica Mendes*, 24, estão a 1.963 quilômetros de distância uma da outra, mas compartilham da mesma história: elas se relacionam com homens que estão presos. Até o final do ano passado, as duas não imaginavam se conhecer. O primeiro contato só veio quando Paula queria aprender a consultar o processo do namorado, que seria transferido de penitenciária.
Mesmo nunca tendo pisado em uma faculdade de Direito, foi Jessica que ajudou Paula a procurar a ação. As orientações foram dadas no Facebook, mais precisamente num grupo chamado Vem Liberdade, destinado a mulheres e familiares de presidiários. O grupo criado pela paulista tem mais de 180 mil pessoas que compartilham diariamente relatos e informações sobre visitas e processos de detentos.
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“Entrei no grupo na primeira vez que meu namorado foi preso. Uma prima, que tinha um marido detido, me convidou para participar. Como eu era nova, não sabia como funcionava o sistema. Na vez que ele ia ser transferido, eu fiquei desesperada e, então, fui buscar informações de outras meninas de lá”, diz Paula.
Jéssica conta que ao longo de quatro anos de visita ao marido já viu muitas mulheres ficarem com dúvidas sobre procedimentos simples e que, por isso, resolveu criar a o grupo. “Ajudei a Paula, assim como já ajudei muitas ‘cunhadas’. Quando fiz o grupo, não achei que ia ter tanta gente assim, mas a maioria das mulheres entrava para pedir informação dos processos e eu, que já trabalhei com um advogado, ajudava. Os presos também mudam muito de lugar e cada unidade tem sua norma, então, eu colocava informações de todos os presídios que eu passava no Facebook”, explica a paulista.
Há milhares de ‘cunhadas’ — nome dado a mulheres de presos, já que os presos se chamam de irmãos na cadeia — em grupos e páginas no WhatsApp, no Facebook e no Instagram. A mais famosa das páginas é a Solta o Preso Seu Juiz, com 450 mil curtidas; a Liberdade Vai Cantar, com 300 mil curtidas; a Amor Atrás das Grades, com 120 mil e a Liberdade Não Tem Preço, com 180 mil. Todas elas são denominadas conforme a linguagem do presídio, que, segundo Jéssica, “tem suas próprias palavras e regras”.
A administração do grupo é feita por mulheres de presos de diferentes estados. Algumas delas, inclusive, vão às redes sociais para pedir conselhos às outras e buscar apoio quando os companheiros são encarcerados. Já outras precisam de informações simples como confecção de carteirinha de visita e informações sobre kits de higiene e alimentação do preso.
Foi em uma dessas páginas que a estudante Camila Sales, 18, afirma ter encontrado apoio nas vezes em que o marido foi detido. “Eu comecei seguir a página por sugestão de uma prima e não parei mais. Uma cunhada vai tirando a dúvida da outra e assim vamos seguindo, já que quem está de fora só faz julgar”, afirma à jovem.
Por falar em julgamento, a maioria das páginas recebe mensagens de ódio aos presos e familiares. Por isso, as administradoras criaram uma espécie de “filtro” para só deixar entrar nos grupos pessoas que realmente tenham contato com detentos.
Jéssica explica que para entrar em um grupo é necessário colocar o nome do preso e unidade que vai ser visitada. Já nas páginas, que é mais difícil ter o controle, os comentários são banidos.
“As pessoas acham que mulher de preso é bandida. Eu entendo que eles não são santos, mas nada justifica chegar em uma página e ameaçar até família de detento. A gente vive tentando criar maneiras de parar os comentários”, afirma a paulista.
Falta informação
Para a advogada e professora de Direito Camila Hernandes, que foi integrante do Patronato dos Presos, a presença de milhares de mulheres de detentos buscando informações nas redes sociais se deve a dois fatores: o primeiro deles é a falta de acesso a informações que deveriam ser passadas pelo Estado; a segunda está relacionada À quantidade de pessoas detidas do Brasil.
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, há mais de 745 mil pessoas em cadeias de todo o país.
“Nos dois anos que fiquei nos presídios de Salvador, percebi que os presos são muito mal informados sobre os processos. Na Bahia, pelo menos, há poucos defensores para atender a grande demanda. Então, o preso que não tem advogado fica sem ter previsão ou notícias do processo. É natural que a família dos detentos e que eles mesmos queiram ter informações”, explica Camila.
Segundo o CNJ, as informações sobre visitas e entregas de kit de alimentação devem ser feitas através de palestras promovidas pelas secretarias de administração penitenciária de cada estado.
Amor, liberdade e reciprocidade
O marido de Camila, Roberto Souza*, 20 anos, nunca soube que a esposa buscou apoio de outras mulheres na internet em todas as três vezes que ele foi preso. Solto há um mês, o jovem só descobriu a existência das páginas quando ela lhe pediu permissão para falar com a VICE. Ele acompanhou a mulher durante toda a entrevista e no meio da conversa disparou:
“Eu nunca soube que ela [Camila] ficava nessas páginas. O que acontece é que, quando o cara vai preso, a mulher também fica detida por vários motivos. Uma mulher de um detento não sai para uma festa, por exemplo, se o marido estiver preso”, disse ele, garantindo que também visitaria Camila, caso ela fosse presa.
A diretora da penitenciária feminina de Salvador, Luz Marina da Silva, no entanto, discorda da promessa de Roberto. Ela afirma que as mulheres presas estão fadadas ao esquecimento por parte dos companheiros e, por vezes, até da família. Em 28 anos de atuação na cadeia, sendo oito na direção, Luz afirma que só viu um caso de um homem ir a todas as visitas.
“A maioria das meninas que eu tenho na feminina foram parar na cadeira depois de algum envolvimento com homem, mas acontece que, quando elas ‘rodam’, nenhum dos namorados vem visitar. Às vezes eles chegam a mandar dinheiro, mas não visitam”, conta ela.
As presas só têm direito a uma visita íntima uma vez no mês no sistema penitenciário brasileiro. Já o homem, a depender do presídio, pode ter direito a visita quinzenalmente ou toda semana.
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