Por Dentro do Palácio Pornô da Kink.com em São Francisco

O QG da Kink.com. Todas as fotos cortesia do autor.

O porão do San Francisco Armory costumava ser onde a Guarda Nacional norte-americana guardava suas armas e sua munição. Entrando lá hoje, você vai ver uma motosserra com pontas de língua de borracha, uma sala cheia de furadeiras com consolos na ponta e dois barris de 200 litros de lubrificante à base de água. Quatrocentos litros é lubrificante pacas.

Logo depois que a Guarda Nacional saiu do Armory em 1976, o local foi registrado como prédio histórico. Isso significava que, quem comprasse o castelo de tijolos vermelhos de 8 mil m², não poderia fazer nenhuma grande mudança arquitetônica; então, o prédio ficou mais ou menos desocupado por 30 anos. O problema é que não era tarefa fácil achar um comprador milionário interessado numa rede de masmorras sombrias, mesmo em São Francisco.

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Isso até Peter Acworth aparecer. Acworth cresceu na Inglaterra e se mudou para os EUA em 1996 a fim de estudar economia na Universidade Columbia. No ano seguinte, depois de ler num tabloide a história de um bombeiro que tinha feito US$ 250 mil com pornô online, Acworth decidiu começar seu próprio site, dedicado ao pornô a que ele sempre quis assistir. Acontece que ele curtia o tipo de coisa que metade do planeta preferia negar a existência até o sucesso de Cinquenta Tons de Cinza.

Os barris de lubrificante.

Julgando pelo sucesso do site Kink.com, muita gente já conhecia os prazeres de um chicote bem usado muito antes de E.L. James vender aquele monte de livros. Em 2006, Acworth conseguiu pagar US$ 14,6 milhões pelo San Francisco Armory e transformá-lo no maior estúdio pornô BDSM do mundo. A produtora Kink.com e seus vários sites subsidiários produzem atualmente horas e mais horas de pornô hardcore toda semana. Não é de se admirar que eles usem tanto lubrificante.

Numa era de streaming grátis de pornô, o conteúdo pago da Kink.com e seus altos valores de produção são uma anomalia e uma história rara de sucesso; então, achei que seria legal me inscrever na turnê de US$ 25 pelo interior do estúdio deles.

Dane, meu guia.

E assim fui parar de joelhos em uma das masmorras. A primeira coisa que notei chegando lá é que, apesar de o chão parecer ser feito de concreto, na verdade ele é coberto de borracha macia. Dane, que atua nas produções da Kink.com sob o nome artístico de “Bastian”, era nosso guia naquele dia.

Dane é um desses tipos boa-pinta bem norte-americanos, tão saudável que seria quase brega – se não fosse pelo lugar onde estávamos. É difícil imaginar que ele tenha preferências sexuais diferentes à primeira vista. Em outra vida, ele teria dado uma ótima testemunha de Jeová.

“Não gostamos de machucar nossas modelos”, ele diz, explicando o chão de borracha. Aí abre um sorriso perverso. “Bom, claro que gostamos de machucar nossas modelos… mas só das maneiras combinadas.”

Dane explica que, mesmo produzindo pornô BDSM hardcore, a Kink.com faz o máximo para garantir a segurança das modelos. “Fazemos pornô para gente como nós, que não consegue curtir uma cena de dominação e submissão realmente pesada se não souber que tudo está sendo feito com cuidado”, ele frisa. “Criamos um espaço onde as pessoas são livres para fazer isso, mas mantendo controle total durante o processo.”

Há um mundo de cenários montados nas masmorras para os diversos sites da Kink.com: 24 no total. Primeiro, chegamos ao set do “Ultimate Surrender”, um torneio de luta entre garotas. Parte do apelo do site é que esse é um evento esportivo de verdade – diferentemente da luta livre profissional, os combates não são combinados. As competidoras ganham um bônus se vencerem; então, realmente se esforçam para prender as oponentes no chão.

Mas, como estamos falando de pornô, elas também ganham pontos por despir, meter os dedos ou até fazer cócegas na outra participante. Uma vez por mês, a Kink.com convida o público para assistir às lutas ao vivo da arquibancada, segurando cartazes para apoiar suas favoritas e gritando “Senta na cara dela”.

Virando a esquina da arena do “Ultimate Surrender”, temos o “Naked Combat”, a versão masculina do “US” estilo Clube da Luta pornô. Mais além, estão as jaulas e salas de correntes da série de longa data da Kink “The Training of O”. A série se baseia no clássico erótico francês Story of O, escrito em 1954 por Anne Desclos sob o pseudônimo Pauline Réage. E só vou dizer que a história deixa Cinquenta Tons no chinelo.

Nesse estúdio, a Kink coloca suas “escravas” em algumas das situações mais físicas e mentalmente extenuantes do pornô. O diretor da série, James Mogul, é notório por fazer suas modelos passarem por uma miscelânea de “exercícios de treinamento de escravas”; então, mesmo atrizes experientes acabam fazendo coisas pela primeira vez. Há um ar de improviso no local, o que torna o diretor o Mike Leigh do BDSM, acho.

E foi andando pelo set de “Training of O” que realmente comecei a apreciar o departamento de arte da Kink. Não daria para usar porões sujos e sombrios de verdade, com água estagnada e correntes enferrujadas, para filmar um pornô. A saúde e a segurança iriam pro saco. Em vez disso, tudo é escrupulosamente limpo, mas pensado para parecer envelhecido por eras e eras.

Enquanto saíamos do set, vejo um cartaz lembrando os funcionários dos cuidados de higiene. “!!!USE LUVAS CIRÚRGICAS SEMPRE QUE MANIPULAR QUALQUER COISA QUE TENHA ENTRADO EM CONTATO COM FLUIDOS CORPORAIS!!!”, atesta o sinal, além de alertar os funcionários para sempre trocarem as luvas ao “manusear brinquedos diferentes”. Uma versão hardcore daqueles avisos de banheiro que te lembram de lavar as mãos.

Depois das masmorras, chegamos a mais sets usados para vídeos como “Bound in Public” e “Bound and Disgraced”, ou seja, mais parecidos com cenários do mundo real. Temos salas de estar, bares, consultórios médicos, celas de delegacia e salas de aula, tudo impecavelmente detalhado no porão do Armory. Dane afirma que a Kink.com se orgulha de sua atenção aos detalhes. “Se fizermos uma conta errado no quadro-negro atrás das pessoas transando, é sobre isso que as pessoas vão escrever.”

Se você se imagina como o próximo James Deen, aparecer como um extra no fundo de uma cena “pública” pode ser uma das maneiras de se entrar na indústria. Quem estiver em São Francisco, pode se inscrever pela internet para aparecer como um membro do público nos vídeos. Casais também são bem-vindos – o que pode render um primeiro encontro bem diferente.

Para quem está disposto a se comprometer mais, a Kink está sempre contratando. Os valores vão de US$ 200 a US$ 800 por filmagem para homens e de US$ 500 a US$ 1.300 por filmagem para mulheres. Ao se inscrever, você recebe uma lista “Sim-Não-Talvez” para dizer o que topa ou não fazer. Claro, os maiores valores são reservados para aqueles que estão dispostos a fazer o que poucos querem.

O autor, fotografado com a estátua de Carol Acworth.

Digo ao Dane que quero falar com ele depois sobre a lista do “Sim-Não-Talvez”, mas, antes do final do passeio, tem mais um lugar que ele quer nos mostrar. Subimos até o último andar do prédio e entramos no que poderia ser chamado de uma casa, se não fosse por uma mesa ginecológica antiga e pinturas pornô hardcore nas paredes. Uma das estátuas mais impressionantes é uma escultura de uma mulher nua de seios grandes, feita por Carol Acworth – a mãe do patrão. Depois da estátua terminada, seu filho Peter a completou com uma amarração de bondage. Uma linda lembrança de família.

Estamos no “Upper Floor”, o clube particular da Kink.com. Uma coisa meio Downton Abbey, mas com mordaças e mais couro que o guarda-roupa do Kanye West. Aqui, as modelos interpretam fantasias de mestre e servo em festas regulares, na frente de fãs de BDSM escolhidos a dedo. A lista de convidados é restrita; então, não dá para aparecer aqui só porque você viu meia dúzia de vídeos e agora se acha o Christian Grey da vida real. Mas é possível ganhar um convite se apresentando a um cara chamado Maestro Stefanos em uma das noites de BDSM de São Francisco, e acho que um cara chamado “Maestro Stefanis” sabe bem do que gosta.

O mais interessante do Upper Floor é que eles fazem livestream das festas, e pessoas do mundo todo se logam para assistir e conversar com os participantes e outros fãs. Isso significa que entusiastas de BDSM dos cafundós do Judas, que acham quase impossível achar alguém que compartilhe suas preferências, podem sintonizar no que Dane chama de “transmissões da nave-mãe kink”. E talvez seja isso que tenha transformado a Kink.com num grande sucesso. A internet pode estar cheia de pornografia grátis, mas as pessoas ainda têm fetiche por fazerem parte de uma comunidade.

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Tradução: Marina Schnoor