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Por que alguns games são tão repetitivos?

Videogames são legais. Você sabe disso, eu sei disso e as milhares de pessoas que consomem essas diversões eletrônicas também, mas vamos combinar que eles também podem ser chatos de vez em quando. Eu digo chato no nível de ter que subir em toda torre da cidade para revelar as atividades no mapa de Assassin’s Creed, ou procurar todos os símbolos do Charada em Batman Arkham City.

Eu não sou game designer, mas parece que há algum tipo de regra que obriga jogos, principalmente de grandes produções, a terem estruturas repetidas que só vão encher o saco do jogador. Olha só o que aconteceu recentemente com Mass Effect Andromeda, por exemplo.

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Você já deve ter visto por aí que o novo RPG da Bioware está sendo criticado por ser meio sem graça. Uma das razões para isso acontecer é a repetição exaustiva dos mesmos tipos de missões. Novamente. E novamente. E novamente.

Em cada planeta que se descobre, não importa qual seja, sempre tem as mesmas estruturas alienígenas para ativar, uma câmara secreta para explorar, os mesmos robôs para dar uns tiros lá dentro e um mecanismo para fazer com que o planeta volte a ser habitável. Enquanto segura o bocejo indo em direção a mais uma dessas missões, você acaba se perguntando por que não criaram atividades mais criativas e únicas, que tirassem melhor proveito das particularidades de cada mundo que existia no game.

Titanfall 2, por exemplo, tem a já famosa fase “Efeito e Causa”, em que é apresentada uma mecânica de manipulação do tempo que só é utilizada naquele momento do jogo, e depois é jogada fora (meio que literalmente). É bem louco quando você está lá com seu robozão e, do nada, aparece uma nova maneira de jogar, uma sequência única no jogo, proporcionando momentos que não vão se repetir no resto da campanha. Por que mais jogos não conseguem fazer o mesmo?

“Efeito e Causa” é um dos grandes momentos de Titanfall 2. Imagem: Reprodução

Como falei antes, não sou game designer, mas conheço pessoas que são. Então, fui até elas perguntar porque jogos possuem essas estruturas repetidas e, bem, não é uma questão só de ser ou não criativo. Marcos Venturelli, que trabalhou em Chroma Squad, fala que é muito difícil criar um jogo em que cada aspecto seja único e original. “Se você quiser, pode fazer jogos igual ao [Hideo] Kojima [criado da série Metal Gear], mas normalmente sai muito caro e você mata sua equipe de tanto trabalhar”.

Venturelli diz que um bom game designer não cria só o gameplay, mas sabe também reaproveitar um elemento do jogo ao máximo, só dando aquela mudada aqui e ali. “O game designer é aquele cara que sabe construir as coisas de uma forma que o resto da equipe fica com o trabalho otimizado”, disse o designer.

Tudo isso pode soar como desculpa, afinal empresas como Bioware e Ubisoft trabalham com equipes enormes, mas a game designer Thais Weiller, do estúdio brasileiro JoyMasher, acredita que “Não tem certo ou errado em design, ou ele funciona ou não. Isso não quer dizer que tá errado e sim que tá mal aplicado”. Boa parte das frustrações em Mass Effect Andromeda certamente foi resultado de design mal aplicado.

Quando paramos para analisar melhor essas repetições constantes de mecânicas e estruturas, notamos que elas aparecem mais nos chamados games AAA, de grandes estúdios e orçamentos. Por isso, fui falar com Patrick Mills, Quest Designer da CD Projekt Red e parte da equipe de The Witcher 3, e ele tem o mesmo discurso de Venturelli ao relacionar a criação de elementos e estruturas únicas com o valor de produção. Afinal, fazer um jogo custa uma grana. “Um RPG de cem horas, com mundo aberto, e um jogo de ação de dez horas [como Titanfall 2], mesmo se tivessem a mesma quantia de dinheiro para gastar, vão ter diferentes prioridades com relação a criação de elementos únicos”, disse o desenvolvedor.

Mass Effect Andromeda. Imagem: Reprodução

Isso faz com um jogo tão longo e aberto como The Witcher 3 acabe seguindo um padrão para sua sequência de missões, já que seria um desperdício gastar tempo e dinheiro com algo para se usar somente uma vez. É bom lembrar que até o jogo do bruxo serve de exemplo, já que faz com que o jogador repita as mesmas ações diversas vezes. Quem jogou sabe: quantas quests não se resumem a usar a visão de bruxo para achar alguma pista e seguir seus rastros até chegar em uma luta contra uma criatura? Mesmo assim, há algo de diferente em cada momento do jogo.

“Já que não podíamos fazer uma jogabilidade única para cara quest, nós tentamos fazer com que elas se destacassem de outras maneiras”, comentou Patrick Mills, e essa, talvez, seja a grande diferença por fazer de The Witcher 3 um tesão de jogo e Mass Effect Andromeda ser tão frígido.

Ele cita uma quest secundária chamada “Of Diary and Darkness” como exemplo. Nela, Geralt vai atrás de um tesouro escondido de um feiticeiro morto.

“A quest é bem simples em termos de gameplay, há alguns diálogos curtos e pequenos segmentos de exploração, só que ela é muito lembrada pelos jogadores por causa da sua ambientação e personagens interessantes e únicos”. Personagens e ambientação memoráveis é certamente algo que faz muita falta em Mass Effect Andromeda. Sem um roteiro e uma ambientação que sejam fieis ao seu próprio universo, a simplicidade e a repetição das missões do novo Mass Effect acabam ficando mais óbvias.

É sempre da hora quando jogos como Titanfall 2 conseguem nos surpreender com novidades tão interessantes em suas mecânicas, mas quebrar esse padrão de game design repetido por todo o jogo é bem mais complicado do que parece. Se tudo dentro de um jogo fosse único e descartável, um jogo do tamanho de um Mass Effect Andromeda tomaria muito mais tempo e dinheiro para ficar pronto — sem contar no desperdício de recursos para bancar elementos nos jogos que, muitas vezes, passam despercebidos pelos jogadores.

O que acaba separando jogos bem estruturados que gostamos daqueles outros entediantes que logo desistimos de jogar não é o quanto cada um dos seus elementos seja singular, mas a forma criativa com que os desenvolvedores utilizam o que tem em mãos, por mais repetitivas que as suas opções sejam.

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