Quando a internet ainda era um campinho, em meados de 2007, o vídeo brasileiro 2 Girls 1 Cup trouxe a prática do react à tona pelas mãos de um norte-americano que filmou sua avó reagindo perturbada ao filme pornô-escatológico. O vídeo se alastrou pelo universo digital e criou um acervo de outras pessoas reagindo ao scat porn. (A VICE celebrou as bodas de zinco da grande cagada brasileira que hoje ainda causa repulsa para quem se arrisca assistir.)
Hoje, na internet que se tornou uma obsessiva fábrica de memes, um dos tipos de vídeos amadores que mais se espalham são os tais reacts, aqueles vídeos em que você acompanha alguém reagindo a qualquer parada dentro ou fora da sua realidade. Basta uma simples busca no YouTube para ter acesso a aproximadamente 12,8 milhões de vídeos com o termo. Crianças reagindo às ações de outros mirins, gringos ouvindo músicas tupiniquim, adolescentes fazendo caretas enquanto ouvem raps e o rebolado nacional… Se você pensar em algo mais ou menos popular, procure o react da mesma e você encontrará.
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Pode ser estranho para muita gente, mas o react é algo que pegou e traz lucro para muito youtuber. Ainda assim, é difícil explicar o porquê nos tornamos tão curiosos a respeito da reação do outro em vídeo. Ninguém costuma pensar muito antes de clicar num vídeo que promete proliferar algo interessante ou engraçado, afinal. Luli Radfahrer, professor de Comunicação Digital da ECA-USP, crê que se trata de um recurso novo para expandirmos nossas visões sobre o mundo. “Se parar para pensar é um exercício psicológico muito legal porque isso torna a pessoa mais ampla, ajuda a ampliar a percepção”, diz.
Radfahrer exemplifica sua teoria com a polivalência desses vídeos. Para ele, como há incontáveis subcategorias para esses reacts, não dá para alocar todos numa categoria só. Podem servir como algo favorável, diz, a exemplo de uma pessoa com atitudes machistas que, ao lidar com a reação de outras pessoas que se mostram chocadas por aquilo que a pessoa considera normal, pode tornar o indivíduo consciente sobre suas ações e não praticá-las no futuro; e também podem servir como algo ruim, como quando uma pessoa entra no voyeurismo do sádico: aquele que vê a pessoa sofrendo e não tem nenhuma reação contra. “Quando certa pessoa vê um vídeo de alguém, de alguma forma, reagindo, seja para o bem ou o mal, a pessoa se coloca nessa situação. Se essa pessoa que reage, tem uma reação boa, então pode ser quem assiste queira fazer uma coisa de pura nostalgia”, diz Luli.
O professor explica que essa transição na neurociência é chamada de neurônio-espelho que é a base da ideia da pornografia: a troco do quê você teria uma espécie de excitação sexual ao ver duas pessoas fazendo sexo que não são você? É porque você se projeta ali na situação.
(Gringos reagem ao rebolado que unirá todos os povos.)
Aurélio Melo, psicólogo e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, corrobora a tese de que o react é um desdobramento do neurônio-espelho. Há, afirma, um forte componente que liga todos esses vídeos: ser sempre um espectador. “Nunca fomos como hoje, a sociedade do espetáculo de Guy Debord, dos anos 1960,” designa Aurélio Melo, psicólogo e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Ou seja, nós estamos ligados por imagem, não é só a imagem da tela, mas a imagem que nós formamos de tudo. Essa coisa do reality, de você ser sempre um espectador na sociedade do espetáculo, está sempre assistindo, é uma coisa que cada vez mais comum.”
O psicólogo é menos otimista quanto às vantagens dessa tendência. Para ele, surge um infortúnio ético quando o ser humano é objeto e não fim. “Quando o humano é o meio para alguma coisa e não fim em si mesmo, apenas um objeto de diversão, então deixa de ser um ser humano, é só uma peça para o meu riso, para o meu prazer”, aponta Melo.
E qual reação viraliza?
Entender quais são os vídeos que viralizam levou o professor doutor e pesquisador em Comunicação da Universidade Mackenzie, Celso Figueiredo, a vasculhar a internet e dissecar os principais temas que pulverizam a rede de computadores. “São cincos os temas que viralizam: amor, humor, horror, sexo e estranhamento”, diz.
Em resumo, os vídeos de amor são aqueles que envolvem cenas amorosas, casal de idosos, casais apaixonados, mãe e neném, todos os vídeos de bichos. “Esses estão dentro desse grande eixo do amor. Por que viraliza? Porque enternece o coração.”
Os de humor existem três vertentes: o primeiro, mais comum e mais antigo, é o de superioridade. São aquelas típicas piadas contra negro, judeu, nordestino, loiras, português. Em todos esses casos, explica Figueiredo, ri-se do outro que fez uma besteira para reforçar a própria superioridade sobre o outro. O segundo tipo de humor está ligado ao relacionamento interpessoal. “Para não brigar com o outro, você faz a piada para relaxar a tensão. Segundo Freud, é o alívio de tensão sexual ou de tensão de morte ou tensão de briga”, diz o professor. O último e mais frequente na rede é o humor de dissonância cognitiva. São os erros de cálculo, de expectativa. “Imagina que um cachorro seja de um determinado tamanho e você vê algo muito maior. Cria uma dissonância do que se espera ver e o que você realmente vê.”
Distante do senso comum ligado aos filmes de terror, os temas de horror são aqueles que chocam e assustam.”A pobreza extrema, situação de saúde muito degradada, uma sensação de morte, de doença, crianças com câncer, esse é o que dispara o mecanismo da dó e como eu posso fazer para ajudar essa pessoa, talvez eu não esteja disposto para ser voluntário ou fazer uma doação, mas eu compartilho”, explica o professor. “O caso da esclerose lateral amiotrófica, que criou o desafio do balde de gelo, é o típico sistema de viralização baseado na dó, nesse horror, nessa tristeza e dor.”
Depois vem os de sexo, que são as cenas excitantes que as pessoas viralizam, ainda mais se envolve celebridades. E por fim, o estranhamento. “É aquela coisa que gera uma questão: o quê que isso? O que eu estou vendo? Que coisa estranha é essa? E quando a pessoa compartilha, ela compartilha uma dúvida, ela está compartilhando uma dúvida sobre algum assunto”.
O doutor conclui que, dentro desses cinco grandes eixos que se localizam 90% das peças que viralizam, o react vai estar no estranhamento, no horror e às vezes, no humor, no humor de superioridade, que não é um humor eticamente comprometido.
Em relação ao viral 2 Girls 1 Cup, o psicólogo Aurélio crê que o sucesso se dê pelo fato das pessoas lidarem de uma forma segura com traços inconscientes reprimidos. “O escatológico, o bizarro e o sádico entram nas modalidades daquilo que é mal resolvido, difícil pra mim, é reprimido daquilo que eu não tenho controle, daquilo que é uma ameaça, então, normalmente faz muito sucesso, principalmente o que está nessa zona da sombra do psiquismo, o lado mau das pessoas, o sofrimento”, afirma o professor.