Música

Por que Todos Odeiam a Retrospectiva da Björk no MoMA

Depois de 22 anos, 36 clipes, oito discos, e um vestido de cisne, a criatura irrefreável conhecida como Björk finalmente foi capturada e colocada em uma caixa para que o público em geral pudesse observá-la. No último domingo (8), uma retrospectiva da excêntrica favorita da cultura pop foi inaugurada no Museu de Arte Moderna de Nova York. Ocupando três andares, o diário efêmero de Björk se mistura com suas fantasias, acessórios, clipes, instrumentos e uma instalação de vídeo encomendada pelo museu. Levou 12 anos para que Klaus Biesenbach, o diretor do primeiro andar do MoMa, e seu grande curador chefe convencessem a ícone islandesa a participar da exposição, e mais outras três pessoas para montá-la. Levando em conta a grande fama da cantora e a capacidade do museu em atrair turistas, filas longas e largas são uma certeza. Mas a famigerada exposição já está sendo severamente criticada pelos críticos de arte, que a consideram “outra rara programação constrangedora da cultura pop“, “bizarramente modesta;” “[um fedor] de indecisão“, e apenas “ruim, muito ruim“. O mundo da música foi ligeiramente menos amargo, mas igualmente desiludido. O que deu errado?

As ambições da exposição eram confusas desde o início. Durante um preview na terça-feira, dia 3, Biesenbach disse aos jornalistas que a Bjork é uma artista que gosta de olhar para frente e não para trás. Para convencê-la a topar fazer a exposição, ele estruturou a retrospectiva como uma pesquisa de sua carreira a partir de “três anos no futuro”. Biesenbach não conseguiu se sair muito bem nessa amarelinha do tempo ou elaborar o que uma retrospectiva do futuro sequer significa. Nada na exposição ou nos textos na parede que a acompanham parece fazer jus a esse impulso conceitual.

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Mais contundente é a inaptidão do museu em atender as próprias vontades da Björk além do que ela gostaria que tivesse sido. O objetivo dela, segundo Biesenback, era uma exposição de arte onde a música – e não o visual – estivesse em foco, ao contrário de uma reflexão posterior. “Antes de mais nada, sou uma musicista”, ela parece ter dito a ele. “Você pode fazer com que a música seja uma experiência real assim como você faz com a pintura?” Em vez de se entregar a esse desafio, o MoMA decidiu distribuir fones de ouvido com dispositivo bluetooth patrocinados pela Volkswagen. Em teoria, isso poderia ter sido massa. Na prática, não foi nada além de um pequeno passo à frente dos guias de áudio padrão.

Você encontrará esses fones de ouvido caríssimos na Songlines, um tour áudio-visual pelos sete discos full-length da Björk, e atração principal da exibição. Mas antes, você terá que esperar em uma fila inevitavelmente enorme, enquanto assiste clipes dos grandes shows da artista projetados nas paredes – a cacofonia das emoções lamuriantes dela em loop, crescendo e diminuindo junto com suas expectativas. Depois de muito tempo, um dos espectadores vai te dar um aparelho parecido com um iPhone e fones de ouvido. Quando você os ligar, ouvirá um homem com um sotaque britânico te implorando para interagir com esses “movimentos musicais” e paisagens sonoras”. O que isso realmente quer dizer é que o aparelho rastreará sua localização e irá tocar uma música diferente dependendo de qual sala você está. Esta trilha sonora gira em torno de uma biografia fictícia escrita pelo poeta islandês Sjón e narrada pela própria Björk, com trechos dos discos dela de plano de fundo. A Volkswagen provavelmente usa essa tecnologia para você falar no celular enquanto dirige sem precisar usar as mãos, mas no museu ela supostamente é usada para te ajudar a curtir a arte e a música sem ter que ficar mexendo no aparelho. Ao invés disso, ela te distrai completamente da experiência.

Songlines é repleto de vários insights do universo Björk – os robôs do clipe de “All Is Full of Love”, fotos íntimas da sua infância, as primeiras fotos na Rookie Mag rabiscadas com suas confissões mais íntimas, um manequim de cera sinistro com aquele vestido de cisne infame. Os críticos compararam esse armário de curiosidades ao Planet Hollywood e Hard Rock Café – uma zuação pretensiosa que reduz esses objetos a uma mera adoração às celebridades, em vez de se envolver com eles pelo que eles são: demonstrações significativas de uma criatividade que transcende o contexto da cultura pop.

Em uma sala escura, um manequim translúcido da Björk que está com o vestido de casamento do Alexander McQueen e esgurando uma caixinha de música desenhada pelo seu ex-parceiro Matthew Barney, gira vagarosamente como se estivesse em um espetáculo magnânimo e glorioso de plástico, laço, pérolas e mamilos perfurados. Se estivesse presente na retrospectiva do McQueen no Metropolitan Museum of Art em 2011, teria sido destacado como um ponto alto. Aqui, foi solenemente ignorado.

O problema não está no conteúdo da exposição, mas na incapacidade da exibição de decidir qual tipo de conteúdo – áudio ou visual – deseja privilegiar. Na sala dedicada ao seu álbum de 2007 Volta, uma cabeça monstruosa de iaque, fantasias de fios vibrantes e uma escultura de um corpo parecida com um ovo de páscoa feita pelo Bernhard Willhelm exigem atenção. Mas os chifres tímidos de “Wanderlust” estão ecoando em seus ouvidos enquanto em sua performance com palavras faladas, Björk está tentando te dizer algo sobre uma mãe jovem, fogos tribais e campos de lava. Sua atenção é exigida em todo canto, para que assim ela não consiga focar em nada. O efeito é o exato oposto do que a Björk alegava querer. Música não é a atração principal, e sim o brilho superficial na parede.

O som tem um papel mais importante em “Black Lake”, um clipe de dez minutos que você assiste em uma sala de projeção escura parecida com um útero insonorizada por seis mil cones de feltro costurados à mão, cada um deles mapeado para um segundo da música. A música é o centro do Vulnicura, o álbum recente da Björk que tem como foco o término da sua relação com o artista Matthew Barney. Quando está em uma caverna islandesa totalmente iluminada, ela bate no peito e canta o trecho mais assombroso de “Black Lake” – “Family was always our sacred mutual mission (Família sempre foi nossa missão mútua sagrada) / Which you abandoned (A qual você abandonou)” – o coração partido dela penetra sua pele de um jeito que os microfones ou fones de ouvido jamais conseguiriam fazer jus. A tecnologia de som imersiva não distrai, e sim amplia, uma qualidade que a tornou querida por muitos: suas emoções sem limite.

O sarcasmo presente na retrospectiva é o papel principal de uma repercussão que é maior do que a Björk. Críticos de arte estão reagindo ao que eles vêem como uma tendência aterrorizante: o MoMA jogando para o alto seu pedigree ao satisfazer os gostos populistas e tratando sua “verdadeira” audiência com desdém. Isso não importa realmente para a multidão que irá visitar a exposição, e nem deveria. O que de fato importa é que a Björk é uma musicista extremamente complexa, capaz de habitar uma multiplicidade sem contradições, e ela mereceu uma retrospectiva que refletisse isso. É uma pena que o museu (seja por escolha própria ou limitações de espaço, tecnologia ou recursos) não pôde fazer nada além de um modelo de guia de áudio sem graça quando foi desafiado a criar uma experiência que faz com que a música seja a atração principal. Isso não significa que você deveria deixar de ir. Porque a exposição ainda ressoa com uma excelência típica da Björk – um sentimento forte de coração, carne e osso.

Björk também gostou. Durante o preview da mostra, antes da avalanche de críticas na imprensa, ela apareceu por alguns segundos em uma fantasia de cactus. “Tem sido uma jornada generosa e frutífera para mim!”, ela falou baixinho. Dezenas de jornalistas se juntaram ao seu redor logo que ela acabou seu discurso, mas em questão de segundos ela já tinha saído correndo pela porta, que fechou suavemente em nossos rostos.

Michelle Lhooq é editora assistente do THUMP e obcecada por esse mix da Björk@MichelleLhooq

Tradução: Stefania Cannone