Música

Conheça os empreendedores anônimos que levam a produção-fantasma às massas

Ao longo de 2015, houve todo um frenesi em torno do papel dos “produtores-fantasma” (os ghost producers) — ou músicos não-creditados — por criarem hits de alguns dos maiores nomes da música eletrônica mainstream. Ali pelo meio do ano passado, uma imagem começou a circular nas redes sociais alegando que nomes como Tiësto, David Guetta e Steve Aoki estavam recrutando outros produtores para criarem músicas em seu lugar. As acusações logo saíram do nível de tretinha de Twitter para se tornarem editoriais, arremessando a lama pra tudo que é lado, de Diplo a Martin Garrix.

Em novembro falamos sobre Nadja Brenneisen, suíça que enganou promoters, organizadores de festivais e público pelo mundo todo ao fazer todos pensarem que ela era uma bem-sucedida DJ de EDM como parte de um elaboradíssimo projeto de arte. De acordo com Brenneisen, os produtores-fantasma tiveram grande envolvimento em sua presença de palco imaculada ao criar a música que ela apresentava como sua.

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“Me enerva o fato de que outros DJs toquem músicas dos outros como se fossem suas”, diz, referindo-se à prática. Para Ben Mühlethaler e Avesta, porém, os dois nomes que fizeram parte de seu projeto, o reconhecimento público realmente não importa. “Sucesso não é a prioridade deles”, disse. “O que eles querem saber é de ganhar dinheiro com música pra pagar as contas”.

Esta declaração resume de forma bastante acurada algumas das contradições da produção-fantasma. Dependendo do que você pensa sobre autoria, é uma prática que poderia facilmente ser encarada como problemática, mas no mundo real os artistas parecem estar bastante dispostos a venderem sua arte em troca do pão de cada dia. Uma indústria em que produtores que querem ganhar dinheiro podem fazer isso surgiu — mas o custo disso é o próprio reconhecimento dos produtores.

Em um artigo do Noisey de 2015, Peter Robinson escreveu sobre a crescente tendência de serviços online que lucram com a longeva prática da produção-fantasma na indústria musical, incluindo o site voltado para música eletrônica EDM Ghost Producer. Querendo saber mais, entramos em contato com um dos cabeças por trás do site norte-americano — que permite a artistas e produtores comprarem e venderem músicas anonimamente — para falar sobre o serviço.

Todos os gráficos foram fornecidos ao THUMP com exclusividade pelo EDM Ghost Producer.

THUMP: Quando surgiu a ideia do site?
EDM Ghost Producer: Há pouco mais de um ano, meu sócio e eu tivemos essa ideia de criar uma plataforma para facilitar a transação entre produtores e artistas. Começou com alguns de nossos colegas produtores e eu mesmo criando faixas pro site, mas com cada vez mais produtores querendo vender suas faixas, logo nos tornamos a maior plataforma de produção-fantasma do mundo.

Por que as pessoas se incomodam tanto com os produtores-fantasmas?
Muita gente fica chateada porque não entende. A realidade é que serviços como este sempre existiram e são comuns em indústrias fora da música.

Na música, muitos cantores de diversos gêneros como pop, country, rock e rap tem equipes de ghost writers, e ainda assim lotam estádios com base nas músicas que não compuseram. Então não temos certeza de porque rolam dois pesos e duas medidas com a dance music. Todos deveriam entender. Enquanto houver música, haverão produtores-fantasmas.

As pessoas encaram estas produções como se fossem um trabalho sujo e aqueles que empregam produtores-fantasmas como “preguiçosos” ou “falsos”, mas não é o caso mesmo. Muitos artistas metem a mão na massa no desenvolvimento criativo de suas faixas e podem não ter o conhecimento técnico necessário.

Qual sua opinião a respeito sobre o que o [produtor londrino] Mat Zo falou sobre produção-fantasma no EDM?
Sinceramente, achamos que ele foi um pouco infantil nas suas declarações e como lidou com o tema. Os produtores-fantasmas não ficam acorrentados aos seus computadores em um estúdio sendo forçados a criarem para DJs. Para a maioria, ser produtor-fantasma é um trabalho dos sonhos e nem querem fama alguma. Negamos oportunidades de sermos creditados em colaborações simplesmente porque não queremos a atenção.

Por que é tão importante permanecer anônimo?
Escolhemos isso por diversos motivos. Primeiro: levamos o anonimato de nossos clientes muito a sério e nos comprometemos a nunca revelar informações pessoais. Segundo: escolhemos ser produtores-fantasmas pois não queremos fama alguma, então nossa privacidade é muito importante.

Como vocês selecionam seus produtores?
Os examinamos cuidadosamente. Recebemos muito material diariamente e sempre buscamos gente talentosa de forma a lhes dar a oportunidade de vender suas faixas. Exigimos diversos elementos-chave da produção que só podem ser gerados pelo criador da faixa. Além disso, temos um monitoramento de direitos autorais interno para certificar-nos de que todo o material está liberado. Apenas cerca de 30% das faixas enviadas acabam sendo hospedadas para venda.

Como se divide o valor de compra de uma faixa entre serviço e produtor?
Funcionamos no esquema 70-30. Os produtores levam 70% da venda.

Os artistas pagam por logos e equipamentos, você acha que pagar pela música é só mais um aspecto disso de ser DJ atualmente?
A indústria exige que novos artistas não sejam só DJs/produtores, mas também seus próprios RPs e agentes de marketing, designers e responsáveis por mídias sociais. A produção-fantasma tornou-se uma ferramenta disponível para qualquer que acredite que possa ajudar a expressar musicalmente o que se exige de sua marca artística, mesmo que não tenha capacidade para completar aquele “perfil de artista” — o que é interessante porque quando ser DJ começou, até a explosão do EDM, não se exigia que um DJ também fosse produtor.

Você acha que a produção-fantasma na música eletrônica compromete a música eletrônica enquanto expressão artística legítima?
A música eletrônica como um todo ainda é uma expressão artística legítima. A expressão vem da ligação do indivíduo com a música, quando ouvida ou se dança ao seu ritmo. Há certo nível de pureza no sentimento que a música eletrônica causa nas pessoas, e dessa pureza vem a raiva contra a produção-fantasma. Isso faz com que as pessoas sintam que o artista não liga tanto para elas. Entendemos isso, como loucos por dance music. Através deste amor e paixão fizemos uma profunda análise da indústria, e ao passo em que a necessidade desta faceta evoluiu, podemos colocar esta paixão à disposição.

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Tradução: Thiago “Índio” Silva