Proposta de “polícia, revólver e cadeia” de Bolsonaro pode piorar segurança no Brasil

Propuestas de seguridad pública de Jair Bolsonaro

Soluções simples para problemas complexos. É assim que podemos analisar o projeto do candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL) para a segurança pública. A apresentação de PowerPoint que sua chapa registrou no TSE (que carrega um inevitável ar de trabalho da escola feitos às pressas num domingo à noite), é baseada no lema “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos” e propõe o “Projeto Fênix”, que estabelece uma relação direta entre a questão da segurança e da corrupção.

A apresentação segue o tom de toda a comunicação da campanha do militar da reserva: usa frases de efeito que simplificam gigantescamente as questões e suas soluções, e não dão muitos detalhes de como um possível governo de Bolsonaro efetivamente executaria essas propostas. E como o candidato não participou de nenhum debate sobre as suas propostas no segundo turno (após o atentado em Juiz de Fora Bolsonaro não participou de mais nenhum evento com outros concorrentes ao cargo máximo do Estado brasileiro), todo o seu plano ainda é bastante obscuro.

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Mas, fazendo um exercício de boa vontade analítica, juntamos cacos e resíduos do plano do candidato e conversamos com especialistas sobre tais ideias. Em resumo, Bolsonaro propõe o fortalecimento da polícia, a autorização do porte de arma e o endurecimento das leis penais.

O fato é que as propostas para a segurança pública de Bolsonaro preocupam especialistas e profissionais da área. As possíveis medidas, em conjunto, formam um perigoso tripé de soluções: polícia, revólver e cadeia. Abaixo, você pode entender em maior detalhe que, no geral, o tom populista do plano não deve mudar estruturalmente os altos índices de crimes registrados no Brasil nos últimos anos. E, na pior das hipóteses, pode até agravar alguns desses problemas.

Leia abaixo um resumo das propostas e qual o efeito prático delas sob a visão de quem estuda ou trabalha mais profundamente a importante questão de segurança pública no Brasil.

Projeto Fênix - Segurança e Combate à Corrupção
Reprodução da apresentação das propostas para segurança pública de Jair Bolsonaro (PSL), entitulada Projeto Fênix – Segurança e Combate à Corrupção. Foto: Reprodução

Polícia: Licença para matar

Umas das principais propostas é o “excludente de ilicitude”, o qual já é previsto no Código Penal em casos de legítima defesa, mas o projeto justifica da seguinte forma: “Policiais precisam ter certeza que, no exercício de sua atividade profissional, serão protegidos por uma retaguarda jurídica”, ou seja, policiais não serão responsabilizados criminalmente por homicídios ocorridos durante operação.

De acordo com a descrição do plano de Bolsonaro, apenas 2% de mortes violentas no Brasil resultam de ações policiais em 2016, mas o candidato esqueceu de colocar no slide que no ano anterior foram 5.144 mortos em intervenções policiais. Conforme o anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, tivemos o equivalente a 14 civis mortos em intervenções policiais por dia.

Para o policial militar Pedro dos Santos*, há retrocesso na proposta. “Não pode simplesmente matar e deixar sem investigação, pois do contrário abre um precedente de autorização para matar. Vai virar faroeste”, alerta o policial.

O coordenador do Atlas da Violência e técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) Daniel Cerqueira explica que “quando se alimenta a guerra contra o criminoso, ao invés do combate à criminalidade, e não se investe em uma política inteligente de diminuição de crimes, aumenta-se uma espiral de violências entre criminosos e polícia. Muitos profissionais estão doentes por conta desse contexto e retórica de guerra. No Brasil, para cada cidadão que comete suicídio, três policiais também tiram suas próprias vidas.”

Outra frase do projeto: “Investir fortemente em equipamentos, tecnologia, inteligência e capacidade investigativa das forças policiais”. De fato, investimento em inteligência é algo crucial para a melhoria da polícia, como explica Daniel: “O Brasil tem um sistema baseado em grande números de PMs, viaturas nas ruas, policiamento ostensivo, mas não há investigação”. Para ele é preciso retirar de circulação os grandes criminosos, os que não serão presos em flagrante por uma viatura na esquina, mas sim através de investigação policial.

Cadeia: Prender e deixar preso

“Acabar com a progressão de penas e as saídas temporárias!”, além de reduzir a maioridade penal para 16 anos, são propostas de Bolsonaro. Segundo a doutora em Sociologia e pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos da UFSCar, Giane Silvestre, hoje o Brasil ocupa o 4º lugar no ranking mundial de encarceramento. “Mata-se muito e prende-se muito, no entanto, cerca de 75% são por crimes patrimoniais e crimes relacionados ao tráfico de drogas”, comenta.

E ainda, de acordo com pesquisa no IPEA, 70% dos encarceirados são presos em flagrante. “São prisões de baixa qualidade — o ladrão de galinha, o jovem que roubou o celular, o aviãozinho do tráfico com maconha”, explica Daniel. Nesse sentido, tal medida só agravaria ainda mais o problema do encarceramento em massa no país.

Revólver: Legítima defesa?

“Reformular o Estatuto do Desarmamento para garantir o direito do cidadão à LEGÍTIMA DEFESA sua, de seus familiares, de sua propriedade e a de terceiros!”. É assim que o candidato defende uma de suas propostas mais polêmicas. Para Daniel, a arma na verdade é um elemento de insegurança: “Diversas pesquisas mostram que em residências com arma há cinco vezes mais chances de ocorrer um suicídio”, relata.

“Uma pesquisa do Ministério Público de São Paulo mostra que uma vítima de um roubo, se estiver armada, tem 56% de probabilidade de sofrer um homicídio. Além dos conflitos interpessoais, como briga entre vizinhos, brigas em bar, discussão política, questões passionais, que resultam nos altos índices de feminicídios”, explica Daniel. Esses dados também fazem parte do Atlas da Violência.

Para o policial militar Pedro dos Santos*, a questão da valorização do profissional também é importante. “Tudo hoje está sendo negligenciado, desde a seleção até a ida para aposentadoria. Os profissionais de segurança precisam e devem ser valorizados, bem remunerados, bem selecionados, bem formados e bastante cobrados e vigiados”. Para ele, combater o crime é importante, mas apostar apenas no confronto dará resultados mais imediatos e midiáticos do que efetivamente práticos.

Para a socióloga Giane, a profunda desigualdade social e racial do Brasil tem impacto direto não apenas na segurança, mas também na educação, cultura, acesso à justiça, etc. “Compreendemos que a segurança pública não poder ser tratada com soluções simplistas, deve ser pensada de forma ampla e que envolva políticas sociais, inclusivas e preventivas.”

*Nome fictício. O policial não quis se identificar por medo de represálias.

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