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​Quais os gadgets mais procurados na 25 de Março para o Natal da Crise?

Enquanto acompanhava o anda-e-para da saída da estação de metrô São Bento, em São Paulo, me preparava mentalmente para a missão de percorrer os points da rua 25 de Março, tradicional emaranhado de lojas na capital, chamado por órgãos oficiais de turismo de “o maior centro de comércio da América Latina”. O objetivo? Saber quais eram os gadgets tecnológicos do momento, os líderes de atenção, os principais procurados para revender e presentear –uma lista de presentes complicada já que, em 2016, devemos ser atingidos pela crise econômica. Na próxima vinda do Santa Claus, segundo pesquisa realizada pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) em todas as capitais, três em cada dez compradores pretendem adquirir menos presentes. Apesar da crise, bem, há a crise.

A luz do sol das 10 horas da matina de uma quarta-feira quente invadia o túnel da saída do metrô. Ao perceber a galera descendo e subindo inclinada na diagonal, desconfio que estou na famosa Ladeira Porto Geral. Dou poucos passos na calçada e noto uma movimentação brusca na parte superior da rua quando um rapaz negro, alto e bem magro, corre entre a apertada multidão, com velocidade que mescla desespero e leveza. Ele puxa nas mãos uma linha presa a uma pipa bem grande, de tecido – na minha época isso se chamava “maranhão”, não sei como ficou agora com a Nova Ortografia. Um policial militar, também negro, com a boina abotoada no ombro da farda, corre em perseguição ao rapaz. Os dois estão na descida e o ritmo das passadas é impressionante numa via tão lotada. A pipa do fugitivo fica enroscada em uma placa de trânsito, ele a deixa para trás e um segundo cara vem e a recolhe. Qual seria o motivo da fuga?

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Crédito: Felipe Larozza/ VICE

Logo vejo uma senhora idosa caída na calçada. Ela veste saia jeans longa e usa os cabelos brancos bem compridos com um rabo de cavalo até o meio das costas. Parece ser evangélica, talvez da Congregação Cristã. As pessoas estão levantando a mulher, que sobe um pouco a saia para conferir se os joelhos estão machucados. Um garoto segurando um mostruário de kit para banheiros de festa de casamentos exclama: “Ah, se fizessem isso com a minha vó, mano!” Penso comigo mesmo: o policial estava correndo atrás do sujeito, desaparecido em meio à massa humana, pelo fato de ter derrubado a senhora. Chego perto dela, que, amparada, já começa a voltar ao seu caminho inicial e, antes que eu perguntasse qualquer coisa, a própria senhora me questiona: “Você sabe por que ele estava correndo”? É, a desconfiança virou certeza. De fato eu estava na Ladeira Porto Geral, uma das mais turbulentas vias de acesso à Rua 25 de Março.


Crédito: Felipe Larozza/ VICE

Por mais que as calçadas da região estejam abarrotadas de lojas de todo porte, são as galerias que abrigam os melhores redutos para eletroeletrônicos. Duas delas, em especial, são as mais famosas para clientes do Brasil inteiro, na venda e manutenção desses aparelhos: o Shopping Mundo Oriental e a Galeria Pagé. Foi caminhando entre os boxes dessas galerias – por vezes sob as gotículas que são lançadas de aparelhos no teto, com a nobre missão de dar mais salubridade ao ambiente –, que tentei extrair o que há de mais procurado nas compras nos dias de hoje.

A vez dos mais malucos sonzinhos Bluetooth

Não foi preciso perguntar em muitos balcões para saber que o grande presente do final de ano são as caixas de som portáteis via Bluetooth. Interessante notar que tais produtos não se limitam aos padrões mais conhecidos internacionalmente, como os da marca JBL. O que impressiona é a variedade de versões, empoleiradas nas vitrines e à frente dos boxes. Os modelos mais caros, explica uma vendedora, são os que saem para serem utilizados no próprio comércio, tocando música na porta das lojas ou com aqueles aspirantes a locutor de FM anunciando ofertas no microfone – fiz muito isso na vida.

Crédito: Felipe Larozza/ VICE

Uma das caixas de som possui formato de ursinho preto, com uma luzes de LED acesas nas orelhas e umbigo, e me trazem uma sensação um tanto quanto apocalíptica de que o avanço tecnológico trouxe a degradação social. Lembro um pouco do planeta descrito nos episódios daquela série que você sabe muito bem qual, mas logo o cenário distópico desaparece, pois no urso está tocando Medo bobo, música de Maiara e Maraisa.

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Qual é o nome daquela série sobre tecnologia mesmo? Crédito: Marcelo Daniel

Há, também, o modelo portátil, arredondado, com ventosas e à prova de umidade, que pode ser fixado no azulejo do banheiro. Se sua casa possui apenas um lavabo, pule fora dessa novidade tecnológica, vai que seu marido resolve ouvir à Voz do Brasil durante a ducha. O preço das caixas variam entre R$ 50 e R$ 250.


Crédito: Felipe Larozza/ VICE

Menos interessantes tecnologicamente falando, os modelos que simulam réplicas de heróis e carros esportivos também têm publico cativo: a criançada. Não são Bluetooth, possuem apenas entrada USB e custam a partir de R$ 35. Se caixa de som desse em árvore, a 25 seria um pomar.

Tecnologias para o melhor amigo do paulistano (o carro)

Essa onda de filmagem dentro de carro já é bem batida, o que mudou foi a tecnologia. A era digital deixou os dispositivos menores, com melhor qualidade de áudio e vídeo e, é claro, com preços mais acessíveis. À época do lendário quadro de TV “Táxi do Gugu”, imagino que as câmeras deveriam ser bem maiores e, provavelmente, o cameraman devia ser montado junto com o automóvel, em alguma fábrica no ABC.


Crédito: Felipe Larozza/ VICE

Na 25 de Março, por R$ 60 é possível adquirir uma câmera para seu carro, que pode ser acoplada com uma ventosa no vidro e que grava som e imagem. A tela do dispositivo possui luzes de LED para gravações em ambiente escuro e, como uma câmera de selfie, é possível se observar o tempo todo enquanto rola a filmagem. Se por um acaso quiseres filmar o quadro ‘Uber do Gugu’, aqui é o lugar ideal para se equipar.

As caixinhas de realidade virtual

Até hoje, 2016, para mim, Marcelo, o único benefício real que os recursos de realidade virtual me proporcionaram foi aquele vídeo da senhora gritando com medo do simulador de montanha-russa num shopping.

No entanto, cada vez mais, testemunhamos o advento dessa tecnologia e a inserção desses recursos em nosso cotidiano, como é o caso do VR Box. Muito vendido nas galerias tech da rua 25 de Março, esse aparelho custa R$ 60 e, na verdade, funciona como um suporte para o seu smartphone. Alinhando o device com o seu aplicativo próprio, o usuário tem acesso a jogos e outras atividades de realidade virtual. É possível acoplar um fone de ouvido e, em algumas atividades, utilizar a câmera frontal do telefone celular para complementar a experiência.


Crédito: Felipe Larozza/ VICE

O showroom das cargas portáteis

Existe coisa mais terrível no mundo do que a bateria do seu smartphone acabar bem na hora que você vai capturar uma raridade no Pokémon GO? Existe, sim. Perder o emprego ou ter um familiar doente, por exemplo. No entanto, de fato incomoda bastante ter alguma atividade interrompida porque o celular está sem carga.

Para não ficar na mão, os carregadores portáteis têm sido extremamente procurados em seus diversos modelos. Nos valores R$ 30, R$ 50 e R$ 90, quanto mais caro, mais carga segura e, consequentemente, mais tempo você vai ter que aguentar a “playlist fooooooda” do Spotify do maluco, que só tem rock progressivo.


Crédito: Felipe Larozza/ VICE

Nem tão procurada como os modelos anteriores, há a versão de carregador portátil que, além da energia elétrica, tem opção de recarregar por meio da energia solar, já que uma das faces do dispositivo possui células fotovoltaicas. Carregado, ele ainda funciona como uma lanterna estranha. Custa R$ 40.

No futuro, os engraxates serão drones

Mano, o negócios mais louco que existe são os drones, né? Sejam as polêmicas intervenções militares que utilizam esses recursos, as revoluções que essa tecnologia faz no planejamento agrícola ou mesmo naquele casamento da sua prima, que ela contratou o drone por R$ 3 mil e a câmera só filmou o telhado do barracão da cerimônia.


Crédito: Felipe Larozza/ VICE

Quanto custa um drone? O modelo mais popularizado, segundo o vendedor, da marca Syma, sair por R$ 530, pronto para fotografia e filmagem. Há ainda um modelo pequenino, com um joystick, que também filma e fotografa, por R$ 250.

A missão de encontrar o santo graal dos games

Badulaques e gadgets à parte, havia em mim um outro interesse paralelo nessa recente incursão à rua 25 de Março. Alardeiam por aí nos últimos tempos sobre a existência de uma caixinha, pequena, discreta, com algumas saídas USB e outra HDMI. Dentro dela, o verdadeiro “Eldorado” da galera que curte games nascida entre o anos 1980 e 1990, que eu costumo chamar de Geração Que Ainda Usava Xerox Autenticado. Atari, Nintendinho, Master System, Mega Drive, Super NES, Neo Geo, Fliperama… Meu amigo… Reza a lenda que esse gadget carregaria milhares de títulos dessas plataformas – inclusive os da série Samurai Shodown.


Crédito: Felipe Larozza/ VICE

Pensei comigo mesmo que, provavelmente, estaria procurando essa belezura em um local bastante adequado, já que há uma infinidade de boxes dedicados à cultura do videogame. Negativo e inoperante, meu caro. Vendedores gesticulavam a cabeça com sinal de não, outros faziam o semblante como se desconhecessem esse misterioso produto. Na verdade, eu estou criando esse suspense todo, mas já está bastante disseminada essa tecnologia, trata-se de produtos como o Infanto, que é um console que reproduz mais de 6 mil títulos de diversas plataformas. Claro que há toda uma névoa ao redor do seu nome, afinal, trata-se de um fruto da pirataria.

Antes de desistir dessa jornada, recebo uma dica. Discretamente, um dos vendedores me diz: “Esse videogame você vai encontrar nesse boxe aqui ó” – e escreveu o número em um cartão de visitas. Fui até o local como um espião soviético na Guerra Fria, desviando dos milhares de cases e capas protetoras para telefone celular e tablet (seriam esses comércios as novas paleterias mexicanas?).

Enquanto não chegava ao local indicado, comecei a mentalizar que esse encontro seria um verdadeiro portal, um vortex que ligaria passado, presente e futuro. Mas não era nada disso. O que vi foi um balcão bem movimentado, repleto de clientes, e um senhor de bigode, vestindo camisa com alguns botões abertos na região do peito, mostrando um certo cansaço diante do grande número de atendimentos. Ao lado dos produtos eletrônicos ele mantém um freezer e, acredite, uma gôndola com alguns salgadinhos industrializados. Havia ainda uma estufa fazia – provavelmente devem rolar uns kibes e umas coxinhas. Como uma mistura entre Tim Maia e a própria deusa indiana Shiva, ele atendia clientes na pequena lanchonete com uma das mãos e, ainda, separava joysticks antigos de Playstation com a outra.

Crédito: Felipe Larozza/ VICE

Por mais improvável que se desenhasse, imaginei que ali talvez fosse o local ideal para ter essa verdadeira pepita de ouro do mundo dos games. Expliquei o que buscava com a ansiedade no olhar do adolescente que acaba de descobrir que todo dia, após a meia-noite, passa mulher pelada no Multishow. Ele interrompeu minha pergunta, com tom de pressa, pois eu havia cortado a fila para pedir essa informação e, empunhando um geladíssimo refrigerante Dolly de dois litros na altura do ombro, respondeu: “Ih rapaz… eu até sei do que você está falando, mas, isso aí é só na internet”.

Certamente, na internet seria mais fácil, mais rápido, sem todo esse calorão. Mas entre cliques, códigos de segurança de cartão de crédito e atualizações de Adobe Flash Player, eu jamais teria a humanidade e a riqueza de sentimentos que só um dia de sacoleiro na rua 25 de Março podem proporcionar.

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Foto de um console com mais de 6 mil jogos comparado, em escala, a um copo de cachaça de uma equipe de futebol brasileira. Crédito: Marcelo Daniel