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Quando a alimentação saudável se transforma em medo de comida

Jenna Strong mudou seus hábitos alimentares em busca de um futuro mais saudável. Ela e sua esposa Kate começavam a pensar em ter filhos, mas compreendiam que isso não seria possível sem passar por uma reeducação alimentar.

“A gente dividia uma pizza grande de pepperoni, uma garrafa de dois litros de Coca-Cola e um pacote de biscoitos no jantar”, conta Strong. “Na verdade, esse era nosso jantar favorito.”

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Ela conta que teve que chegar ao 136 quilos (divididos em 1,67 m) antes de decidir mudar. “Comecei com o básico. Troquei o que comia por versões light, dietéticas, tudo o que se faz em uma dieta tradicional. Foi um bom começo. Depois disso comecei a fazer escolhas cada vez mais saudáveis.”

Em pouco tempo, Strong começou a se exercitar. O reality show The Biggest Loser, conta, era sua maior motivação. Com esse novo estilo de vida, os quilos logo sumiram. Em dois anos, ela perdeu 56 quilos por meio de “escolhas intuitivas” em relação à comida, exercícios e controle de porção.

Strong começou a estudar para se tornar uma personal trainer, motivada pelo desejo de ajudar outros a atingirem suas metas. Enquanto isso, os quilos continuavam a sumir. Ela perdeu mais 22 quilos naquele ano e chegou a pesar cerca de 50 quilos.

“Todos diziam que eu estava ótima”, diz. “Comecei a usar roupas que não usava antes. Eu podia fazer compras em qualquer loja e amava me ver em fotos. Tudo aquilo era muito novo.”

Em certo momento, porém, suas escolhas saudáveis tomaram um rumo preocupante. As mudanças físicas e mentais começaram a preocupar seus amigos e parentes: seu cabelo começou a cair, seus seios diminuíram para o manequim 36 e ela não menstruava há mesessintomas clássicos de deficiência de proteínas, ferro e vitamina A. Strong ignorou todos esses sinais.

“Eu tremia e chorava, completamente em pânico. Foi aí que percebi que tinha um problema. Eu estava com medo da comida”.

Foi necessário um ataque de pânico para que Strong começasse a entender a gravidade do problema. “Eu e Kate havíamos passado a noite inteira fazendo compras. Naquela época eu só comia o que eu mesmo cozinhava e não tinha trazido nenhum lanche. Entrei em pânico. Mesmo na frente do buffet de saladas, eu só conseguia dizer ‘isso não é orgânico’. Eu tremia e chorava, completamente em pânico. Foi aí que percebi que tinha um problema. Eu estava com medo da comida.”

O medo de comida não é um problema novo, mas só agora ele está começando a ser visto como uma forma de transtorno alimentar. Um sinal disso é o fato da Associação Psiquiátrica dos EUA analisar sua possível inclusão na próxima edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM). Esse medo é chamado de ortorexia, um termo cunhado em 1997 pelo Dr. Steven Bratman.

Bratman explica que o ato de comer de forma saudável não é, em si, uma doença. A obsessão pela ideia de comer “bem”, sim. Ele cunhou o termo para acabar com o ar de santidade que cerca as comidas saudáveis e para explicar a seus pacientes como algo que faz bem para o corpo pode ser ruim para a saúde mental. Ao serem diagnosticados com uma doença, seus pacientes foram capazes de compreender que aquele comportamento não era saudável.

O medo de comida está se tornando cada vez mais comum, diz Jim White, nutricionista e porta-voz da Academia Americana de Nutrição. É comum se viciar na sensação de emagrecimento, diz White, mas existe outro fator em jogo. “As pessoas estão controlando suas dietas de forma não sustentável. Nossa sociedade está começando a cortar grupos alimentícios importantes. Não coma laticínios, não coma carboidratos. Como isso pode ser realista na sociedade em que vivemos?”

Embora as dietas mais extremas funcionem por uma ou duas semanas, cortar grupos alimentícios inteiros, como o glúten ou derivados de leite, pode causar a deficiência de importantes vitaminas e minerais, disse White. Isso torna o corpo mais suscetível à doenças. “Não dá para brincar com o glúten”, disse. “Algumas comidas — ou a falta delas — podem ser prejudiciais para o corpo.”

Crédito: @jofoodie/Flickr

Esse tipo de ansiedade relacionada à comida é o que leva à alimentação desordenada, afirma Marcia Herrin, fundadora do Programa de Prevenção, Conscientização e Tratamento de Transtornos Alimentares da Universidade Dartmouth. Em uma entrevista à PsychCentral, ela disse que “a ideia de que algumas comidas supostamente nocivas devem ser evitadas por completo parece razoável, mas não é. Se uma comida fosse realmente prejudicial, ela não seria comercializada. Em grandes quantidades, qualquer comida pode ser prejudicial. Até água demais pode matar.”

Herrin acrescenta que limitações aparentemente inofensivas podem ser essenciais para identificar uma ansiedade grave antes que ela prejudique a saúde do paciente. Segundo ela, esses são alguns dos sinais de alerta: “Se você pensa no cardápio do estabelecimento antes de aceitar um convite para jantar; se você não consegue viajar por medo de ter que comer outro tipo de comida; se você não puder comer um bolo de casamento”.

Caso você apresente algum desses sinais, o Centro de Recuperação de Transtornos Alimentares Mirasol oferece um questionário que pode te ajudar a determinar se você está sofrendo de ortorexia. Em caso de resultado positivo, o centro recomenda que você procure um terapeuta especializado em Terapia Cognitivo-Comportamental, que ajudará a identificar a raiz dessa ansiedade.

Doenças como câncer, diabetes e transtornos coronários também podem levar à ortorexia. A relação de Danielle Adams com a comida era saudável até ela ser diagnosticada com câncer de mama, pouco depois dos 30 anos. “Meus amigos começaram a me dizer que o açúcar alimenta o câncer, e que se eu não parasse de comer, o câncer iria voltar, independente do meu tratamento”, conta. “Eu estava tão assustada que acreditei neles”.

Adams passou por várias rodadas de quimioterapia — tudo isso enquanto ela se matava de fome. “Eu estava sempre com fome, e os médicos diziam que eu tinha que comer, mas eu tinha muito medo”, conta. “Meu marido me obrigava a tomar uma vitamina de manhã, e isso era tudo que eu comia durante o dia”.

“É como se meu cérebro estivesse quebrado”

Já fazem mais de dois anos que Adams foi diagnosticada com câncer e, embora sua fobia alimentícia já esteja controlada, ela ainda lida diariamente com o medo. “Ainda checo as embalagens, pensando se aquilo irá trazer meu câncer de volta. Às vezes pulo o café da manhã, o almoço e o jantar. É como se meu cérebro estivesse quebrado, mas nesse ponto esses pensamentos nem me servem mais.”

Durante o processo de recuperação de Strong, ela largou o curso de personal trainer para cozinhar para pacientes com câncer; seu plano era impedir que outros passassem pelo que ela passou. “Meu amor pela culinária e meu desejo de ser saudável me levaram a virar uma chef particular, de certa forma”, diz.

Mas a proximidade com pessoas tão fragilizadas abalou mais uma vez a relação de Strong com a comida. “Comecei a achar que tudo me daria câncer”, conta. “Eu pensava que, se eu quisesse ser saudável, deveria comer o que essas pessoas [pacientes com câncer] comem”.

Atualmente, Strong tenta equilibrar a alimentação saudável e suas fobias. “Não posso negar o poder da comida. Ela tem uma importância emocional enorme. A comida está relacionada à cultura, à economia, às nossas infâncias e à forma como criamos nossos filhos”, diz. “Existem muitos fatores, e muitos deles extremamente pessoais. Não podemos deixar que a publicidade e a mídia nos digam o que comer.”

Tradução: Ananda Pieratti