Tecnología

Quando o Armamento Pesado Falha Feio

A comemoração do Dia da Independência dos Estados Unidos de 2010 é uma lembrança de sangue e dor para Sean McMahon.

Cinco anos atrás, o soldado do exército americano foi incumbido de testar uma nova metralhadora M2, de calibre .50, recém-entregue no campo de tiro da sua unidade, a duzentos metros da Base de Operações Avançadas de Kunduz, no Afeganistão. Depois que McMahon atirou com sua antiga arma, o sargento de sua equipe lhe entregou a nova.

Videos by VICE

Quando McMahon pressionou o gatilho, a metralhadora de torre não respondeu. Ele removeu a munição, inspecionou a arma e a preparou, mais uma vez, para atirar. Apertou o gatilho. De novo, nada. Depois de alterar o modo de automático para semiautomático, McMahon atirou pela última vez. Foi nesse momento que a arma explodiu, e o invólucro das balas rasgou sua perna direita.

“Olhei para baixo e vi apenas meu joelho e uma poça de sangue”, lembra McMahon. “E a primeira coisa que me veio à mente foi: ‘Puta que pariu, detonei minha perna!’”

Na hora, McMahon foi encaminhado a um hospital das redondezas. Depois, retornou aos Estados Unidos para um tratamento adicional. Os ferimentos do soldado não cicatrizaram direito. Coágulos de sangue se formaram nas veias. Segundo os médicos, ele jamais conseguirá correr ou saltar novamente. Diagnosticado com traumatismo crânio-encefálico e transtorno de estresse pós-traumático, McMahon se aposentou do exército em março de 2012.

Após o incidente, segundo McMahon me contou, sua unidade se recusou a usar as novas metralhadoras M2 enviadas pelo Pentágono.

Sean McMahon, 2014. Crédito: Damien Spleeters

A metralhadora M2 é a simplicidade em forma de máquina mortífera. Apelidada de “Ma Deuce”, a arma se alimenta de uma cartucheira de cápsulas BMG de calibre .50, e é usada pelo exército americano desde os anos trinta.

Contanto que esteja carregada e haja um atirador para pressionar o gatilho, a operação da M2 é simples. A reação em cadeia começa quando o percussor detona a estopilha e gera uma explosão no invólucro da bala. O projétil é empurrado para fora do cano. Depois, o ricochete da explosão joga a culatra para trás, expele o cartucho usado e recarrega a arma com um novinho em folha.

A culatra é o coração que bombeia a metralhadora. Se estiver danificada ou for mal fabricada, capaz que sobre espaço e o cartucho não fique bem encaixado na arma. Isso pode resultar em ruptura do invólucro, danificar a arma e ferir o operador. Foi o que provavelmente aconteceu com McMahon, um dos muitos veteranos das guerras do Iraque e do Afeganistão que sustentam que problemas decorrentes de peças defeituosa representam um perigo fatal.

Enquanto fuzileiros navais e soldados como McMahon lutavam no Iraque e no Afeganistão, o Pentágono enviou peças de artilharia defeituosas a eles, segundo registros que jamais haviam sido revelados antes, obtidos pelo Motherboard. Examinei milhares de páginas de auditorias do Departamento de Defesa, bem como relatórios de falta de qualidade, contratos, correspondências e registros de tribunais, e entrevistei dezenas de oficiais militares, ativos e aposentados, inspetores de controle de qualidade, especialistas em armas e veteranos sobre o escopo do problema. Minha pesquisa desvelou milhares de metralhadoras defeituosas e outras peças de artilharia, como culatras, placas traseiras, percussores, pinos extratores e miras, utilizadas em campo ao longo da última década, colocando em risco a vida de soldados e fuzileiros navais.

O governo americano não testou a qualidade das peças. Além disso, enquanto o exército continuava reportando problemas no campo de batalha, as autoridades levaram meses para descobrir onde a maior parte dos produtos defeituosos tinha ido parar. Ainda assim, o Pentágono assinou novos contratos com os mesmos fornecedores e abdicou de testes de qualidade pelo caminho. Registros também mostram que os fornecedores do exército americano cometeram erros na fabricação de peças sensíveis de artilharia depois que o governo renunciou aos testes de qualidade e, em geral, levaram meses para resolver.

As peças problemáticas afetam, em particular, dois sistemas muito importantes do exército: a metralhadora leve M249 e a metralhadora pesada M2, o modelo que explodiu nas mãos de McMahon. Em 2012, o exército americano alegou ter mais que 54 mil M2s no inventário. Cerca de 80 mil M249s foram produzidas até 2008, de acordo com a fabricante FN Herstal. Quando as peças essenciais dessas duas armas estão defasadas, as armas emperram. Às vezes, explodem.

Hoje há três cicatrizes em carne viva na perna direita de McMahon. Poucos meses após o incidente, ele alegou irritabilidade e isolamento. Também contou aos médicos que não conseguia dormir, segundo os registros do Departamento de Questões Referentes aos Veteranos de Guerra. A dor na perna era amena, mas estava sempre presente. Ele também ouvia um zunido.

Será que existem outros Sean McMahons por aí, com estilhaços nas pernas? E com tantas armas defeituosas em circulação hoje, quantas tropas correm risco de explosão?

Ilustração: Colin Snyder

A metralhadora do soldado Robert C. Oxman emperrou quando ele estava no meio de uma batalha ferrenha, a curta distância, com combatentes do Talibã, no Vale Korengal, no Afeganistão, em 2009.

“Quando a arma falha em combate, afeta o raciocínio”, explica Oxman, que fazia parte da Primeira Infantaria. Ele comentou que é a pior hora possível para uma arma emperrar. “Você entra em pânico, sua frio. Tem que tirar os olhos do alvo. Quando você manuseia uma metralhadora em combate, não é uma boa hora para tirar os olhos do alvo.”

A unidade de Oxman operava o posto avançado de Korengal, próximo à vila de Wanat, onde nove soldados americanos foram mortos e 27 ficaram feridos durante um ataque do Talibã a suas posições no dia 13 de julho de 2008. Em registros públicos e uma investigação confidencial, o exército alega que diversas armas emperraram em combate. A causa do problema é desconhecida.

Em quase todas as instâncias, o governo declarou que tomaria medidas para reforçar o controle de fornecedores problemáticos. Mas parece que peças ruins ainda chegam ao campo de batalha.

De acordo com uma auditoria de 16 meses sobre peças para metralhadoras M2, realizada em 2010 por um inspetor geral, a agência do Departamento de Defesa (DoD) responsável pela compra e entrega de peças de artilharia para as tropas, a Agência de Logística de Defesa (DLA), falhou em inspecionar diversas peças que adquiriu e enviou ao exército. Como resultado, o relatório afirma “um risco maior foi conferido aos soldados”. Não bastasse isso, a agência de logística não processou a maioria dos relatórios que recebeu do campo sobre a falta de qualidade das peças para metralhadoras M2.

Ao ser contatada por email, a DLA disse que, desde a auditoria do Inspetor Geral do DoD, a agência implementou “diversas melhorias em processos e programas, projetadas para aperfeiçoar a qualidade do ciclo de aquisição.”

No entanto, centenas de páginas de registros, obtidos por meio da Lei de Liberdade de Informação (FOIA), abrangem mais de 10 anos de atividade e oferecem um panorama melhor dos problemas de qualidade reportados em campo. Alguns são críticos. Em um dos casos, o governo, em suas investigações internas, declarou que as armas poderiam “parar de funcionar como resultado do defeito, o que poderia resultar em danos à ou perda da vida do operador em combate”.

Embora o governo tenha notado com frequência que os defeitos decorrem de “acabamento ruim”, ou que “nem todas as operações de produção são concluídas, nem todas as inspeções exigidas são realizadas”, o exército continua comprando peças de fabricantes recém advertidos. Nos diversos relatórios de qualidade, os mesmos nomes ligados a problemas de qualidade vêm à tona. Certas empresas aparecem mais de dez vezes. Alguns fabricantes produziram peças ruins quando foram liberados dos testes de qualidade, e o governo só descobriu o problema quando alguém mais à frente da cadeia de fornecimento emitiu uma reclamação.

No caso de um fabricante, a Sigma Manufacturing Industries, algumas peças renderam duas advertênciaspor problemas diferentes. Em 2005, um relatório de qualidade revelou que o ferrolho para M2 da Sigma era muito delicado. Todos os estoques do exército americano foram rastreados, e o vendedor retrabalhou as peças e as enviou de volta ao governo. Dois anos depois, as tropas sinalizaram um novo problema — dessa vez, os orifícios da peça estavam pequenos demais.

Em quase todas as instâncias, o governo declarou que tomaria medidas para reforçar o controle de fornecedores problemáticos. Mas parece que peças ruins ainda chegam ao campo de batalha. Em junho de 2009, por exemplo, a equipe do DoD que investigava as reclamações sobre garfos problemáticos em lançadores de granada acoplado, modelo M203, escreveu: “A mesma (…) reclamação foi reencaminhada dia 10 de setembro de 2008” e, desde então, mais peças foram enviadas “apresentando o mesmo problema”. Segundo a reclamação, o lançador de granada não se fixava aos rifles dos soldados.

Além dos Procedimentos Alternativos de Liberação — sistema de dispensa em que um fornecedor com quem o governo já trabalhou pode pular alguns testes de qualidade —, algumas peças defeituosas podem ter chegado ao campo simplesmente porque não havia pessoas o bastante para localizá-las. Várias vezes, em torno de 2006 e 2007, no alto da guerra no Iraque, o DoD recebeu reclamações de qualidade acerca das peças para metralhadoras M2, mas não conseguiu rastrear os estoques “devido à falta de recursos do sistema de fornecimento”. Diversas unidades baseads em Mosul, Tal Afar e Kirkuk, no Iraque, encontraram peças de M2 defeituosas. Algumas peças, fornecidas pelo mesmo fabricante, a empresa Grauch, já haviam sido investigaas antes, mas, desta vez, o governo não tinha como examinar os depósitos “devido à falta de dinheiro”.

O Pentágono está ciente do perigo das peças de artilharia defeituosas. Uma reclamação de 2013 observa que um ferrolho de M249 defectivo, que estava sob investigação, poderia ter causado “danos internos às armas, descarregando estilhaços”. O mesmo relatório afirma que o defeito foi advertido primeiro quatro anos antes, em 2009, mas, na época, foi considerado um caso isolado e não investigaram mais a fundo. “Era para todo o estoque defectivo ser removido na época da investigação anterior, mas a peça citada no relatório atual deve ter chegado, inadvertidamente, ao sistema de fornecimento”, observou o investigador.

O soldado do exército americano Robert C. Oxman com uma Mk 48 (uma variante da metralhadora leve que compartilha peças com a M249, mas tem um calibre 7.62 x 51 mm NATO), perto do posto avançado de Korengal, na província de Kunar, Afeganistão, 2008-2009. Crédito: cortesia de R. Oxman

Tropas destacadas como McMahon e Oxman enfrentaram as consequências de trabalhar com armas defeituosas, e agora pagam por isso. Em um caso de 2009, uma unidade reportou que peças defectivas de amortecedores de metralhadoras XM296 acopladas a helicópteros Kiowa OH-58D foram sinalizadas por “causar falhas no funcionamento das armas/emperrar as armas durante operações sensíveis”. Segundo o relatório, a “unidade mencionou que é um problema contínuo há mais de ano”.

Mas peças de metralhadoras são baratas, e o “baixo custo” do material nem sempre garante uma investigação completa por parte do governo. Em 2010, um caso de ferrolhos ruins de M2 foi arquivado, e só poderia ser reaberto cao houvesse “outros problemas de qualidade” com o fornecedor. A tal empresa, Commercial Machine, foi liberada de testes preliminares de qualidade.

Em 2006, o exército americano emitiu uma mensagem geral, aconselhando todas as tropas a verificar os ferrolhos das metralhadoras M2. A mensagem começa com um aviso: “haverá mortes, ferimentos graves e danos a equipamentos militares se as ações especificadas nesta mensagem não forem implementadas”. Coube às tropas inspecionar as metralhadoras e remover as partes defectivas na hora. O fabricante, a United Standard Industries, não realizou o devido tratamento térmico da peça, o que poderia causar “ruptura do invólucro do cartucho” após o operador atirar.

Basicamente, o cartucho poderia explodir dentro da arma. Exatamente o que aconteceu com McMahon.

Troca de emails entre funcionários da DLA e da DCMA, tentando localizar as peças defeituosas das metralhadoras M2. As agências do DoD estão batalhando para encontrar as peças na cadeia de fornecimento e avaliar os riscos. A DLA relutou em abdicar das peças, e algumas delas foram entregues a unidades do Iraque.

A United Standard Industries, baseada em Illinois, forneceu milhares de ferrolhos de M2 para o exército americano desde 2003. “A USI se orgulha de sua qualidade, serviço, atenção a detalhes e trabalho dentro dos parâmetros competitivos de custo”, declara a United Standard Industries em seu site. “Nosso Departamento de Controle de Qualidade utiliza técnicas e equipamentos de ponta, e conta um equipe de inspetores extremamente capacitados.”

Mas a United Standard Industries também produziu peças de artilharia defectivas, que o governo enviou às tropas. Bancos de dados online de peças indicam que a empresa assinou um novo contrato de 16 milhões de dólares com o exército americano para fornecer os mesmos materiais poucos meses depois de receber uma advertência.

Não são problemas isolados, mas sintomas de uma questão ainda mais profunda.

A edição de dezembro de 2006 da publicação militar PS, the Preventive Maintenance Monthly, que dá dicas ao exército americano desde a guerra na Coreia, sobre como cuidar do equipamento, informou os leitores que “alguns ferrolhos mal fabricados adentraram o sistema e precisam ser eliminados imediatamente”. O artigo conta que as peças não passaram pelo devido tratamento térmico na fábrica, e “como resultado, os ferrolhos geram problemas de espaço livre quando são disparados”.

Sobra espaço na arma, e o cartucho não se encaixa direito. Um espaço de sobra errôneo pode resultar na explosão da arma e ferir o operador. Na hora de trocar o cano de uma metralhadora M2 — operação frequente —, o usuário precisa verificar se o espaço de sobra está na medida certa. O exército afirma que vários incidentes com metralhadoras M2 parecem ter ocorrido por conta de um espaço vazio incorreto e, na maior parte das vezes, os soldados levaram a culpa.

Para ajudar os soldados a localizar os ferrolhos defectivos, o exército tomou a medida incomum de identificar o fabricante falho por meio do número do registro na revista PS. Era a United Standard Industries.

A empresa não respondeu nossos emails com perguntas específicas e solicitações de comentários.

Faz anos que o exército sabe que armas defeituosas são enviadas às tropas.

“Reporte Peças Ruins”, a PS apelou na edição de janeiro de 2014. “Profissionais de reparação de armas, se vocês notarem que as peças que solicitaram para consertar as armas da sua unidade contêm defeitos, é importante enviar um relatório de falta de qualidade do produto (PQDR).” Caso contrário, o artigo afirma, “O Exército não saberá que existem peças defeituosas rodando o sistema de fornecimento.”

Mas investigadores do Departamento de Defesa e reparadores de pequenas armas contam que soldados e fuzileiros navais raramente reportam peças defeituosas ao governo.

“Em combate, ninguém perde tempo com isso”, disse Kevin Holland. Holland serviu como armeiro no Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos de 2001 a 2006. Hoje, ele trabalha como reparador de pequenas armas para o Departamento de Defesa. “Se enviassem peças defeituosas para nós, descartaríamos e substituiríamos pelas peças boas em mãos”, acrescenta.

E embora o Pentágono tente localizar e trocar peças defectivas, o departamento acaba recorrendo às pessoas que mais dependem dele com uma questão fundamental. Todo mês, a PS pergunta aos soldados: “Você apostaria a sua vida (agora) nas condições do seu equipamento?”

Ilustração: Colin Snyder

Em 2006, o exército americano comissionou um estudo do Centro de Análises Navais, uma instituição de pesquisa e desenvolvimento financiada pelo governo federal que serve às agências de defesa, para avaliar a experiência dos soldados em termos de confiabilidade de armas. O relatório, entitulado “Soldier Perspectives on Small Arms in Combat” [A Perspectiva dos Soldados Sobre Pequenas Armas em Combate], entrevistou mais de 2.600 soldados, de cinco divisões, que vivenciaram trocas de tiros no Iraque ou no Afeganistão.

Quando perguntaram aos soldados se já tiveram problemas com armas emperradas em combate, quase um terço reportou falhas com metralhadoras M249. Quarenta e um por cento desses lapsos tiveram um forte impacto: os soldados não conseguiram atirar “durante grande parte do combate, ou mesmo durante todo o combate”, segundo o relatório.

O estudo do centro não investigou a causa das falhas, mas alegou que a quantidade de munição disparada, as desmontagens e limpezas da arma e a quantidade de lubrificante aplicado não tiveram efeito signficativo nos casos relatados. Isso sugere que outro fator, um problema mais profundo, relacionado à qualidade das armas e suas peças, está em jogo.

A seção do exército americano que comissionou o estudo não respondeu às nossas perguntas escritas e solicitações de comentários sobre o estudo.

Outros serviços também foram impactados pelo desempenho da M249.

“Se uma arma falha, pode gerar caos completo”, o ex-sargento do Corpo de Fuzileiros Navais Jonathan Marohn explicou. “Para o atirador de M249, essa é a arma principal. Se emperrar, basicamente, ele está ferrado.”

Marohn, que foi enviado três vezes ao Iraque e uma ao Afeganistão, com o 1o Batlhão, 2os Fuzileiros Navais, e com o 1o Batalhão, 8os Fuzileiros Navais, lembra que testemunhou a M249 falhando diversas vezes. Ele também descreveu os danos táticos que uma falha pode apresentar. “Você não vai conseguir cobrir os movimentos de alguém e suprimir o inimigo”, ele contou. “Pode ser perigoso para o esquadrão.”

Peças de artilharia com defeitos que emergem no campo de batalha representam uma ocorrência comum, e o exército americano chegou a abordar o problema em tirinhas.

Na edição de agosto de 2009 da PS, a caricatura de uma metralhadora M249 com um semblante surpreso no rosto informo a um soldado americano — que, sem sucesso, está tentando atirar em um inimigo invisível e distante — que seus esforços são inúteis.

“Putz, estou emperrada”, diz a arma. “O pino extrator não está funcionando direito. Só dá para atirar quando você colocar um novo.” O desenho da metralhadora mais comum das Forças Armadas dos Estados Unidos apareceu no topo de um artigo entitulado “Extraia Pinos Extratores Ruins”.

Crédito: PS/US Army

O pino extrator é uma peça minúscula, porém essencial, da metralhadora. Ela ejeta um cartucho usado para liberar espaço para um novo. Quando quebra, pode fazer com que a arma emperre ou exploda, e é um exemplo adicional de peças defectivas que fizeram por onde e adentraram o campo, onde as tropas enfrentavam as guerras do Iraque e do Afeganistão.

“Alguns pinos extratores ruins, de metralhadoras M249, foram parar no sistema de abastecimento”, a PS observou em um artigo de agosto de 2009. “Precisam ser recolhidos o quanto antes.” Os autores, civis do Departamento do Exército, se deram ao trabalho de explicar aos soldados as consequências de acionar uma arma com um pino extrator defectivo, que pode “quebrar o ferrolho, ou soltar-se dele, fazendo com que a M249 pare de atirar”. Um pino extrator defeituoso também pode gerar um aquecimento, e o cartucho pode explodir antes da hora, dentro da arma.

Quando uma peça defeituosa — seja um pino extrator, uma placa traseira, um percussor, ferrolho, o que for — é formalmente reportada, “mesmo se não apresentar defeito na hora da verificação, tentamos ser proativos”, Kevin Holland me disse. No cargo de reparador de pequenas armas, terceirizado pelo DoD, ele fazia parte de uma equipe que inspecionava as armas que seriam enviadas para cada unidade no estrangeiro. Trabalhou para o Pentágono em Fort Dix, Nova Jersey, de outubro de 2009 a março de 2010.

“Toda arma foi verificada, e todo pino extrator teve que ser substituído, fosse a peça defectiva ou não”, Holland lembra, em referência ao caso da peça defeituosa de M249. Outro especialisma em armas, que ainda trabalha no Fort Dix e prefere manter o anonimato, disse que era para os pinos extratores serem substituidos em toda e qualquer metralhadora M249.

Cada pino extrator novo custa em torno de um dólar, segundo um banco de dados online privado que, há anos, pesquisa preços de peças de artilharia.

“É a burocracia em jogo”, disse Holland. “Todo mundo quer produzir as armas do exército americano, mas tudo que é feito para o governo é feito pelo licitante mais barato.”

“Quando o armamento pesado falha em um tiroteio, sinceramente, você pensa: ‘Puta que pariu!’.”

Em maio de 2007, a empresa General Manufacturing Co., do distrito de Bethel Park, Pensilvânia, fechou um contrato de cinco anos e dois milhões de dólares para fornecer diversas peças de M249, inclusive pinos extratores. (Em seu site, a empresa diz: “Nós nos dedicamos para prover aos nossos combatentes peças da mais alta qualidade que um soldado pode imaginar.”)

A General Manufacturing confirmou que foi selecionada, mediante licitação, para fornecer pinos extratores para metralhadoras M249. “A licitação foi uma resposta para repor as peças defectivas, produzidas incorretamente por outro fabricante”, Mike Fastuca, vice-presidente de produção, afirmou em uma declaração escrita. Em 2008, os investigadores do DoD receberam um relatório de falta de qualidade em um único extrator fabricado pela General Manufacturing. A empresa o considerou um caso isolado e optou por substitui-lo sem uma investigação.

Outra empresa, a Tri-Technologies Inc., foi advertida, em 2008 e 2009, por oferecer pinos extratores que estilhaçavam após a instalação. O contrato desses pinos defectivos foi estipulado em 2005. A Tri-Technologies não respondeu diversos pedidos de comentários.

Crédito: PS/US Army

Outros problemas foram reportados com a M249. A edição de fevereiro de 2009 daPS retrata outra M249 avisando um soldado que não vai conseguir atirar direito a mais de 300 metros de distância do alvo. “Algumas alças de mira defeituosas chegaram ao campo, para metralhadoras M249”, consta no artigo. “Dá para continuar a usar uma M249 enquanto você espera uma mira nova. Só não conte com precisão a mais de 300 metros de distância.”

Segundo uma circular do exército, distribuída em junho de 2008, as armas com mira defeituosa foram enviadas aos usuários de agosto de 2006 a janeiro de 2008. O espectro de números de série indica que o defeito pode ter impactado até 12.550 armas.

Crédito: PS/US Army

Em 2012, o exército americano avisou que “uma pequena quantia de percussores ruins para metralhadoras M249” estavam em campo. O percussor é projetado para acionar a estopilha do cartucho na câmara, acendendo o propulsor para atirar o projétil. Uma arma de fogo com um percussor defeituoso pode não atirar ou atirar para o lado errado.

“Capaz que os percussores ruins não sejam impulsionados completamente pelo ferrolho, ou que sejam forçados demais, causando acidentes”, segundo um artigo da edição de outubro de 2012da PS. As peças defasadas foram fabricadas “durante ou antes de dezembro de 2011”.

Em outras palavras, faz anos que o exército sabe que armas defeituosas são enviadas às tropas. E em pelo menos uma das instâncias, o governo sabia que as peças estavam com defeito antes de enviá-las as tropas que precisavam delas.

Em março de 2007, a Northside Machine Co., uma pequena empresa situada em Dugger, Indiana, fechou um contrato para produzir cerca de 500 placas traseiras para metralhadoras M2.

A montagem da placa traseira é delicada, pois é uma parte fundamental da arma; ela acomoda o mecanismo do gatilho. Essa peça é definida pelo governo como “essencial para a preservação da vida em situações emergenciais e essencial para o desempenho do sistema ou produto final, cuja falha afetaria negativamente a realização de uma operação militar”.

O ex-fuzileiro naval Kevin Holland explicou, em termos burocráticos, a M2: “Quando o armamento pesado falha em um tiroteio, sinceramente, só resta pensar: ‘Puta que pariu!’.”

“Não há muito o que fazer”, acrescentou Holland, que hoje é reparador de armas e, às vezes, trabalha para o governo. Ele já esteve no Afeganistão e no Iraque como reparador de pequenas armas. “De qualquer forma, é uma situação péssima.”

Ilustração: Colin Snyder

Para evitar a compra de peças ruins de artilharia, o governo aplica testes de qualidade. Pelo menos, em teoria.

Regulamentos federais indicam que testes de qualidade “são apropriados quando o produto adquirido sob um contrato prévio apresenta algum problema durante sua vida útil”. As normas do Pentágono estipulam que a agência pode exigir que fornecedores façam um “teste preliminar” de peças de artilharia, como placas traseiras, para identificar possíveis imperfeições. Basicamente, o fornecedor teria que fabricar uma quantidade menor de peças e enviá-las ao governo para um controle de qualidade muito antes do contrato. Isso daria ao governo tempo o bastante para se certificar de que as peças são boas. O contrato de março de 2007 especificava que esse teste era um requerimento. A Northside, no entanto, foi liberada.

A empresa forneceu as peças, exatamente 482 placas traseiras de M2, em outubro e novembro de 2007. No entanto, em dezembro, contatou o governo — quando realizou uma inspeção nas peças de reposição, a Northside notou que as placas traseiras de M2 que havia enviado não foram produzidas corretamente. O erro poderia causar “interferência” quando a peça fosse colocada na extremidade traseira da arma, segundo documentos obtidos através da Lei de Liberdade de Informação.

A Northside avisou a Agência de Gestão de Contratos de Defesa (DCMA), uma seção do Pentágono de monitoramento de licitações, assumindo total responsabilidade, e solicitou a devolução de todas as peças para conserto. Em uma carta que ainda enviaria à agência, a empresa identificou três erros, cometidos pelo funcionário que confugurava a máquina para fazer a peça, pelo operador da máquina e pelo diretor de controle de qualidade. A Northside prometeu consertar as peças e reenviá-las prontamente em duas semanas.

“Minha preocupação é disribuírem essas peças e alguém morrer por isso”

Ao receber o aviso da empresa, a agência de logística do Pentágono que comprou as peças foi aconselhada a etiquetá-las e guardá-las até a conclusão de uma investigação que não deveria levar mais de uma semana. Contudo, em janeiro de 2008, quando a agência vasculhou depósitos em busca das peças, nenhuma foi reportada em estoque; o material já havia sido enviado às tropas americanas no Iraque.

Alguns meses depois, registros não revelados até então mostraram que Elizabeth Stange — na época, diretora do escritório da agência de contratos em Indianápolis — enviou uma mensagem ao Coronel Dion King — na época, diretor do escritório de Detroit —, dizendo que a DLA “não estava inclinada a deixar as peças de lado até isso se resolver”.

“Moral da história: a arma não vai funcionar com essas peças”, o Coronel King escreveu, no dia seguinte, a um oficial do exército americano. Na mesma mensagem, enviada três meses depois do primeiro relato do problema, o Coronel King notou que o Pentágono ainda precisava determinar se o erro colocava a vida dos soldados em risco. “Não sabemos se a peça gera um risco de segurança, nem mesmo se dá para instalá-la em uma arma carregada”, escreveu o coronel.

“Minha preocupação é disribuírem essas peças e alguém morrer por isso”, ele acrescentou.

Nos dias seguintes, autoridades do Pentágono de Alabama, Indiana, Michigan, Nova Jersey e Ohio trocaram pencas de emails, tentando localizar as peças defeituosas. Por fim, Michael Friedman, então Diretor de Logística e Integração da Picatinny Arsenal em Nova Jersey, informou seus colegas que uma reclamação havia sido feita no Centro de Suporte de Pequenas Armas de Balad, no Iraque.

“Infelizmente, essas peças chegaram ao campo de batalha”, Friedman escreveu. “Tudo que sabemos é que essas peças NÃO vão caber no sistema das armas.” E acrescentou: “É uma peça de demanda alta, então apresentar um material que não está em conformidade certamente significa más notícias, sem contar a posição ruim do fornecimento.”

Segundo o pessoal responsável, a peça não cabia na arma. Se os soldados tentaram forçar o encaixe e atirar com arma desse jeito, não sabemos. A questão é que o diretor da DCMA imaginou que alguém poderia se machucar ou morrer e, mesmo assim, as peças foram enviados.

Friedman me contou, ao telefone, que as peças defectivas “já têm tempo, que aconteceu duas vezes nos tempos idos de 2007 e 2008”, e acrescentou que “não são mais comuns”. Ele disse que não estava autorizado a comentar o que havia mudado no procedimento.

Em abril de 2008, mais de cem dias depois da Northside ter notificado o Pentágono pela primeira vez sobre a peça com defeito, a agência de logística pediu ajuda. “Preciso me certificar de que as unidades em campo estão cientes do problema, e que retornarão o material”, escreveu o Supervisor de Produtos da DLA Donald Robinette. “Divulgaremos um alerta”, adicionou, “mas não sei se chegará a todas as unidades em campo. Se alguém puder me ajudar com isso, agradeço.”

Robinette não retornou nossos telefonemas e emails.

Leia mais: Registros militares da FOIA detalham o problema do Pentágono com armamentos

Meses após o relato do problema, a maioria dos itens defeituosos continuavam sem explicações. O exército americano, contudo, solicitou novas peças urgentemente, para sustentar um programa de remodelação da M2, agendado para começar em fevereiro de 2008. Então, em janeiro de 2008, a agência de logística iniciou uma compra emergencial de mais três mil placas traseiras e, dia 22 de abril, enquanto a maioria das peças defectivas ainda estava desaparecida, a Northside ganhou mais uma licitação pelos mesmos itens, um contrato de 68 mil dólares.

Mais uma vez, os testes foram dispensados.

Um contrato adicional pela mesma peça para metralhadoras M2 se seguiu em 2009, com os testes novamente dispensados. Mas peças defeituosas continuaram a rodar o sistema: as tropas não pararam de emitir reclamações, sinalizando problemas com as placas da Northside em abril e junho de 2009. A Northside não respondeu os emails com perguntas específicas e solicitações de comentários, declinou as perguntas sobre um ex-inspetor de qualidade e se recusou a conversar comigo quando visitei a sede da empresa.

Em uma resposta de email, a DLA disse que, assim que recebeu notificação do defeito, “tomou medidas para localizar o material entregue sob esse contrato. Ao determinar que todas as peças foram enviadas do nosso estoque ao cliente militar, emitimos um alerta às unidades em campo. Em resposta ao alerta, as unidades confirmaram que as placas recebidas não encaixavam direito. Todos os clientes que responderam ao nosso alerta receberam placas novas, nos conformes.”

Quanto à ausência de Teste Preliminar do Item (FAT), a DLA explicou que “Embora a NMC [Northside Machine Co.] tenha ganhado outra licitação para produzir o item, em abril de 2008, sem a exigência de testes preliminares, a licitação incluía, sim, a demanda por um controle de recebimento por parte da DCMA e um Teste de Verificação do Produto (PVT) na NMC antes de entregarem o produto, para garantir que as peças fornecidas fossem adequadas. Diferente do FAT, que verifica apenas a competência do fabricante, o PVT é uma ferramenta de inspeção e aprovação utilizada pelo governo na fonte, antes da entrega, e é considerado um meio mais confiável para assegurar a conformidade das peças.”

O Teste de Verificação do Produto foi incorporado em três contratos de placas traseiras com a NMC, inclusive na licitação que resultou em peças defeituosas.

“Eu gostaria de dizer que isso é uma surpresa para mim”, um investigador de defesa me contou acerca das placas traseiras da M2, “mas toda hora eu vejo isso: uma empresa que levanta suspeitas e continua fornecendo para o governo. O Departamento de Defesa é uma organização gigantesca, com diversas agências que não necessariamente conversam entre si. Nem sempre há coordenação. De acordo com o bom senso, o ideal seria testar as peças de uma empresa que já forneceu itens defectivos no passado.”

Em vez de uma fraude descarada, o investigador, que pediu para permanecer anônimo pois não está autorizado a conversar com a impresna, tende a culpar “a incompetência e o desleixo” dos fornecedores e do governo.

O ex-coronel King, que, em 2008, temia que alguém morresse por conta das peças defeituosas, me contou: “Existe uma boa chance de terem realizado uma queima de arquivos, dado que são publicações internas”. King se lembrou de quando pediu à agência de logística para tirar as peças defectivas das prateleiras e enviá-las de volta ao fabricante; “foi muito complicado”. Ele enfatizou que, com sistemas de artilharia mais antigos, como a M2, “há poucas peças para comprar, e não há muitos proponentes”.

Os componentes terrestres e marítimos da agência de logística contam com mais de 24 clientes e 10 mil fabricantes. No site, a agência diz que gere mais de 2 milhões de itens diferentes e declara cerca de 5 bilhões de dólares em vendas anuais.

Andrew T. Pool, ex-inspertor de qualidade da Northside, processou a empresa em 2009. Pool, contratado em 2005 pela Northside como inspetor de qualidade, e demitido em 2007, após, supostamente, reclamar de testes de qualidade forjados, alegou que a empresa estava ciente que fornecia peças defectivas de M249 ao governo.

No caso de Pool, a Northside negou qualquer delito, e o caso foi encerrado em 2012. A investigação do governo sobre as alegações de fraude foram inconclusivas. A Northside ainda trabalha para o governo.

Registros jurídicos e um excerto de um depoimento detalham como a Northside contratou Pool sem se certificar de que ele era qualificado para inspecionar peças de armas no nível exigido pelos padrões do governo. Ele não foi capaz de medir as peças com os instrumentos requeridos.

De acordo com as condições do acordo, nem Pool nem seu advogado podem comentar o processo. A Northside declinou todo e qualquer comentário. Os registros do governo e entrevistas mostram que as alegações do caso Northside estão longe de serem isoladas.

Na auditoria de 2010 sobre a cadeia de fornecimento das peças para metralhadoras M2, o Inspetor Geral do Departamento de Defesa concluiu que os fabricantes das armas, parceiros da agência de logística, “forneceram pelo menos 7.100 peças impróprias em 24 licitações”.

Ademais, a auditoria afirmou que os funcionários do Pentágono “nem sempre seguem as diretrizes federais e da DLA para garantir uma inspeção governamental adequada e eficiente” de peças de M2.

Além disso, no relatório, consta que a agência de logística “omitiu ou dispensou requerimentos de testes preliminares da licitação”. A realização das medidas de garantia de qualidade teriam auxiliado a agência de logística a “determinar se os fabricantes poderiam fornecer peças adequadas de reposição”, segudo o relatório.

Inclusive, o Inspetor Geral analisou milhares de peças sensíveis de metralhadoras M2 entre maio de 2008 e setembro de 2009, e descobriu que um quinto das licitações produziram peças defectivas.

Dodig m2 Quality d 2010 035

Auditoria de 2010 do Inspetor Geral do Departamento de Defesa acerca de licitações para peças para metralhadoras M2. O IG descobriu grandes buracos no controle de qualidade da DLA.

O Inspetor Geral descobriu que as tropas americanas tiveram que esperar por milhares de peças essencias de M2 durante longos períodos por conta dessas falhas na cadeia de fornecimento. Confome umadeterminação do governo, as peças são “essenciais para a preservação da vida em situações emergenciais e essenciais para o desempenho do sistema ou produto final, cuja falha afetaria negativamente a realização de uma operação militar”.

Soldados que receberam peças defeituosas para suas armas devem notificar a agência de logística. Nem Oxman nem McMahon reportaram problemas. No entanto, os relatórios do Inspetor Geral mostraram que o governo falhou em processar adequadamente a maioria dos relatos de falta de qualidade que recebeu do campo, sobre as peças defectivas.

Por exemplo, um fabricante que fornece barras de gatilho — peça que conecta o mecanismo do gatilho ao mecanismo de ignição de uma arma — pôde enviar as peças diretamente para os clientes, sem inspeção do governo, com base em seu histórico de desempenho. Em 2008, uma unidade do exército americano, baseada em Bagdá, no Iraque, relatou que a curva traseira da barra do gatilho fora fabricada à direita, em vez de esquerda. No fim das contas, a Evans Machining Service, Inc., fabricante, assumiu responsabilidade total e se propôs a substituir mais de 1.400 peças defectivas. Onze meses depois da licitação inicialmente exigir a entrega das peças, a empresa havia substituído apenas metade. A Evans Machining Service não respondeu o pedido de comentário.

O Inspetor Geral disse que, para determinar se um teste preliminar é apropriado, a agência de logística “precisa considerar problemas anteriores de qualidade do produto, especificações de desempenho e a complexidade ou sensibilidade da produção”. Em 76 por cento dos contratos analisados pelos auditores do DoD, a agência de logística não incluiu um requerimento de teste preliminar. Em 27 por cento dessas licitações, em que a inspeção não ocorreu, os fabricantes forneceram peças com defeito.

Por exemplo, os auditores descobriram que a agência de logística fechou um contrato de percussores sem incluir provisões de qualidade o bastante, apesar dos problemas de qualidade apresentados anteriormente pelo fabricante, identificados pelos soldados. A agência de logística “continuou a comprar peças do mesmo fabricante sem exigir que submetesse os itens a um teste preliminar”, a auditoria do DoD declarou.

O Coronel Ryan Kivett, diretor de operações de fornecimento terrestre e marítimo da DLA entre 2009 e 2011, e chefe da equipe de 2011 a 2012, se recusou a comentar o caso.

Por conta dos problemas de qualidade identificados na auditoria de peças para metralhadoras M2, o Inspetor Geral disse: “O governo gastou pelo menos 655 mil dólares em fundos que poderiam ter uma aplicação melhor”, e a agência de logística “perdeu a oportunidade de obter aproximadamente 405 mil dólares em compensação, do fabricante, por entregas atrasadas”.

Embora a DLA alegue que incorporou diversas “melhorias, projetadas para aperfeiçoar a qualidade ao longo do ciclo de aquisição” desde a auditoria, uma avaliação de diversos relatos de falta de qualidade, obtidos através da FOIA, mostra que peças defeituosas ainda circulam depois de 2010.

Ilustração: Colin Snyder

“Temos um número extremamente alto de ferimentos em soldados, que poderiam ser evitados, por conta de regulações indevidas de espaço de sobra e ignição em metralhadoras de calibre .50”, o ex-Sargento-mor Kenneth O. Preston escreveu em setembro de 2008. Preston declarou que, no ano fiscal de 2007, 25 entre 42 problemas relatados com a metralhadora foram causados por um ajuste indevido do espaço de sobra, e no ano fiscal de 2008, 44 entre 63 casos resultaram de problemas de espaço de sobra.

“Os soldados mais novos não têm as aptidões mecânicas e habilidades que os soldados tinham antes, na hora de precisar entender como funciona uma metralhadora e como as configurações são importantes”, Preston, que agora trabalha para a associação do exército americano, contou. “Antes do 11 de Setembro, o espaço de sobra não era um problema. Foi só depois do 11 de Setembro, e especialmente no caso do Iraque, que virou um problema. Tivemos que treinar e enviar unidades muito rápido. A M2 estava em todas as caçambas.”

Havia 150 mil soldados no Iraque na época do 11 de Setembro, Preston explicou, e “um a cada cinco ou sete” desses indivíduos manuseou uma metralhadora M2.

Os outros defeitos, não citados por Preston em sua carta aberta, são “desgastes, erros básicos e cartuchos rompidos”, descreveu. Preston me contou que não estava ciente do fato de que as partes defeituosas adentraram a cadeia de fornecimento. “Todas as peças são feitas nos Estados Unidos”, disse ele, “sob um controle exigente de qualidade”.

Só em 2010 é que o exército americano decidiu modificar o design da M2 para eliminar a necessidade de calibração manual após toda troca de cano, operação que aumenta o risco de acidentes e o tempo de exposição ao fogo inimigo. “A reformulação do projeto não estava no orçamento”, disse Preston. “Mas, recentemente, surgiu a possibilidade de realizarmos um aperfeiçoamento de baixo custo. É bom para os contribuintes e para os soldados.” Naquele ano, o exército optou pela General Dynamics para redesenhar a arma.

“Qualquer acidente que resulte em tempo perdido devido a um ferimento, ou que envolva danos de propriedade de mais de 5 mil dólares, deve ser investigado e reportado”, Larry Kulsrud, Comandante de Investigações de Acidentes do Centro de Prontidão/Segurança em Combate, disse em uma entrevista.

O Centro de Segurança recebe e processa cerca de 8 mil relatos de acidentes terrestres e aéreos por ano. Quando solicitamos um banco de dados de todos os acidentes envolvendo pequenas armas, como rifles e metralhadoras, desde 2002, no Iraque e no Afeganistão, o centro forneceu registros de somente 700 casos.

Entre eles, cerca de 60 incidentes parecem muito semelhantes à explosão que depositou estilhaços no corpo de McMahon no Dia da Independência, em 2010, com soldados “atingidos na perna” quando suas metralhadoras M2 “quebraram e explodiram” durante testes. Nos anos de 2008 e 2009, ocorreu o dobro de acidentes do tipo, em comparação a outros anos, segundo os registros fornecidos pelo Centro de Segurança.

O número de acidentes causados pelas falhas das armas é, em última instância, uma incógnita. O banco de dados está longe de ser completo, com muitos acidentes não reportados, ou parcialmente reportados. O incidente de McMahon não consta na base de dados do centro.

Ilustração: Colin Snyder

Nascido em Somerville, Nova Jersey, Sean McMahon se alistou em outubro de 2009. Após quatro meses de treinamento básico em Fort Benning, Geórgia, onde aprendeu a desmontar, limpar, inspecionar, remontar e atirar com a metralhadora M2, o soldado McMahon foi enviado a Fort Drum, Nova York, base da 10a Divisião de Montanha, onde passou por mais um treinamento de artilharia. No dia primeiro de abril de 2010, a unidade de McMahon partiu para o Afeganistão.

Como atirador de M2, McMahon praticava os cuidados e manutenção da arma todo santo dia, e passava horas no campo de tiro ao qual tinha sido designado, segundo arquivos do tribunal.

Depois que a arma de McMahon explodiu sobre ele, o exército emitiu um relatório sobre o incidente, concluindo que fora causado por um erro de McMahon ao “não parafusar o cano na arma completamente e não conferir o espaço de sobra”. No relatório definitivo, o exército confirmou as conclusões. Definiram que investigações adicionais não seriam necessárias.

Em junho de 2012, logo após se aposentar do exército, McMahon processou o fabricante, a empresa General Dynamics Armament and Technical Product, divisão da General Dynamics, alegando que a arma estava com defeito. McMahon e seu advogado refutaram as conclusões do relatório do exército, destacando uma discrepância no documento, que catalogou o evento como ocorrido no dia 6 de julho de 2010, quando McMahon estava hospitalizado em Kunduz, de acordo com os registros médicos.

A metralhadora problemática foi produzida numa licitação de 26 milhões de dólares, pactuada em julho de 2007, para a produção de duas mil armas. O envio de um relatório de testes preliminares não foi requisitado. Documentos do tribunal mostram que a M2 em questão foi entregue ao governo em abril de 2010, junto com outras 144 metralhadoras. O exército “inspecionou e aceitou” a remessa, segundo registros do próprio exército.

“Agora, sequer posso proteger a minha comunidade. Isso machuca.”

Recentemente, a General Dynamics Armament and Technical Product foi integrada à General Dynamics Ordnance and Tactical Systems, cujo vice-presidente e diretor geral, Brian Berger, é também presidente do comitê executivo de pequenas armas da Associação Industrial de Defesa Nacional dos Estados Unidos (NDIA). A NDIA é uma associação que conecta o governo e autoridades militares a profissionais da indústria. O comitê de pequenas armas presidiu, no passado, um congresso sobre peças de artilharia defectivas, a gestora de eventos Rebecca Danahy contou em um email.

No processo, a General Dynamics afirmou que as metralhadoras M2 que fabricou “foram submetidas a medidas rigorosas de controle de qualidade, criadas e conduzidas pelo ou em nome do exército americano”. A empresa também disponibilizou registros que mostravam que a metralhadora fora testada, e que o exército inspecionou e aceitou a arma em abril de 2010. O caso foi encerrado em setembro de 2014.

A General Dynamics não está autorizada a comentar qualquer aspecto específico do litígio. “A General Dynamics conduz testes rigorosos de qualidade e segurança para garantir que cada arma fabricada seja compatível com o padrão militar”, um representante da empresa escreveu como resposta à nossa solicitação de comentário. “Caso desvios sejam descobertos no material, os elementos inadequados são retirados imediatamente da linha de produção, e ações corretivas são tomadas para corrigir ou substituir o material imprório.”

Quando entrou no exército, McMahon tinha em mente tornar-se policial após o período de serviço. Seu pai era policial. Ele cresceu com isso.

“Agora, depois que saí, não posso seguir esse caminho, por conta da deficiência”, disse ele. “Não é nem o fato de não poder mais servir o meu país. Agora, sequer posso proteger a minha comunidade. Isso machuca. Mas ainda posso trabalhar. Ainda posso caminhar. Levo uma vida normal. Não me afetou demais. Mas, definitivamente, afetou algo que eu sempre quis fazer.”

Esta investigação teve apoio do Centro Toni Stabile de Jornalismo Investigativo, instituição da Faculdade de Jornalismo da Universidade Columbia.

Com complementos de Brian Anderson.

Tradução: Stephanie Fernandes