Quando trabalhar na Disney significa ter uma vida decadente em motel barato

As dezenas de motéis cercando a faixa de 24 quilômetros da Highway 192 logo antes do Disney World contêm um segredo: nas últimas duas décadas, eles cada vez mais servem como lar para os empregados da Disney. Às vezes os funcionários ficam nos motéis temporariamente enquanto procuram moradia, outros são obrigados pelos recursos escassos e outras circunstâncias a morar neles por meses e até anos.

Clarid Patterson, coordenadora de alimentação do Disney World, mora num motel desde 2013, logo depois de começar a trabalhar na empresa. Na época, ela tomava conta da mãe, que tinha Alzheimer, e da melhor amiga, que tinha problemas renais que exigiam hemodiálise.

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“Minha mãe morreu e tudo piorou porque eu não tinha mais a renda da aposentadoria dela”, me contou Patterson. “Tentei conseguir benefícios públicos como cupons de alimentação, mas me disseram que eu ganhava muito. Como você pode estar ganhando tanto se não consegue pagar suas contas no final do mês?”

Mesmo quando faz hora extra além de suas 40 horas semanais, ela não consegue economizar o suficiente para arranjar um apartamento com seu salário de US$11,65 por hora. (O salário-mínimo na Flórida é de US$8,25, e o valor por hora mais barato do Disney World é de US$10.) Os aluguéis em Orlando estão entre os que mais sobem nos EUA; em 2017, os aluguéis médios aumentaram 5,6%, duas vezes a média nacional, segundo a empresa de dados imobiliários Yardi Matrix. Um apartamento de um quarto custa em média US$1.100 por mês, mas não é só o aluguel que impede Patterson de se mudar. Ela também está presa porque os proprietários fazem exigências para os possíveis locatários que são difíceis de atender para trabalhadores que recebem salário-mínimo como ela.

“Alguns lugares não aceitam taxa de inscrição, outros exigem isso, ou não me qualifico porque não ganho três vezes o valor do aluguel”, disse Patterson. (Ela muitas vezes paga mais que um terço de seu salário para ficar no motel, ela acrescentou.) “Quem mora sozinho não consegue ter sua própria casa. Você precisa morar com várias pessoas, e pode não se sentir confortável com elas, mas precisa sobreviver. A Disney precisa nos dar um pouco mais para termos uma vida mais digna.”

Patterson e outros funcionários da Disney me disseram que temiam que os motéis os despejassem se eles falassem com a mídia em sua propriedade. Patterson disse que o motel em que ela está aceita estadias maiores, então, pelo menos, ela não precisa trocar de quarto com frequência. As taxas semanais flutuam sem aviso, mas ela afirma pagar uma média de $230 por semana. As lavadoras e secadoras disponíveis raramente funcionam, ela disse, os quartos não possuem cozinha, e os moradores do motel podem ser despejados se tiverem qualquer fonte de calor nos quartos. Não é incomum a água ser cortada no prédio todo se um apartamento tem problemas de encanamento, segundo Patterson.

Ela é membro do Unite Here 737, um sindicato de trabalhadores de serviços, um entre os seis de Orlando que representam 38 mil Membros do Elenco do Disney World (o termo do parque para seus empregados). O grupo de sindicatos pediu que a Disney aumentasse o salário-mínimo do parque de $10 para $15 a hora em negociações no último ano, o que Patterson diz que permitiria que ela finalmente se mudasse.

No dia 2 de maio, a gerência do Disney World ofereceu duas propostas. A primeira era aumentar os salários $0,50 por hora anualmente – uma oferta que 93% dos membros dos sindicatos já rejeitaram numa votação em dezembro. A segunda proposta, que os sindicatos estão considerando, aumentaria os salários para $15 por hora até 2021 em troca de diminuição de horas extras, férias e proteções empregatícias já acordadas nos últimos contratos com a Disney. (Patterson acredita que esse último acordo vai resultar na diminuição de sua jornada semanal de 40 para 32 horas.)

“Propomos um aumento de 50%, o maior que já oferecemos, o que estabeleceria um caminho para o resto da indústria para um salário inicial de $15 por hora começando em 2021, um dos mais altos da Flórida Central”, me disse a porta-voz do Disney World Andrea Finger por e-mail.

A Disney não responde a perguntas específicas sobre salários. Quando perguntei se a empresa sabia quantos empregados moravam em motéis, um porta-voz respondeu “Não tenho esse número”. (A Disney é uma investidora da VICE Media, a empresa dona da VICE.com.)

O Disney World respondeu às alegações de salários baixos numa postagem de site que diz: “Concordamos que nossos Membros do Elenco merecem um aumento, e é por isso que oferecemos um aumento de 6-10% nos próximos dois anos para todos os Membros do Elenco do Service Trade Council Union (STCU)”. O site também diz que empregados STCU de período integral que não recebem gorjetas ganham $13,34 por hora, quando as horas extras são computadas, e que o Disney World doou $3,7 milhões para organizações de auxílio a sem-tetos em 2017.

Mas um empregado do Disney World que disse ganhar $13,02 por hora, perto da média citada pelo site, ainda está tendo problemas para pagar as contas. Ele me disse que trabalha no parque há 17 anos, e não quis usar seu nome por medo de perder o emprego. “Com 40 horas por semana, tenho cerca de $120 extras depois de pagar o aluguel a cada semana e por volta de $100 por semana para alimentação e outras despesas diárias fora o transporte”, me disse o funcionário, que mora num motel com um colega de trabalho há quase três anos.

Para alguns, morar num motel significa não só não ter amenidades como uma cozinha ou máquina de lavar confiável; eles ficam desabrigados quando não conseguem pagar as diárias dos quartos. “Eu pagava por três ou quatro noites por semana, o que eu conseguia com o salário semanal, nas outras noites eu e minha filha de 12 anos tínhamos que dormir no meu carro”, disse uma empregada do Disney World há quatro anos, que pediu para não ter o nome divulgado. “Muitas vezes eu estacionava na propriedade da Disney, porque sabia que era mais seguro.”

Essa funcionária só conseguiu escapar desse ciclo com ajuda de uma organização sem fins lucrativos para mães solteiras sem-teto chamada HOME, que oferece serviços de alojamento temporário, mas encontrar moradia permanente ainda é um desafio. “Você pode gastar $200 para fazer uma inscrição e checagem de antecedentes para alugar um apartamento, e ainda assim ser rejeitada”, ela me disse.

Funcionários da Disney dizem que é difícil encontrar trabalhos com remuneração melhor – o parque é um empregador tão grande na área de Orlando que estabelece o padrão de salários, segundo um relatório de 2007 de uma equipe de economistas que examinou os efeitos dos salários baixos entre 1998 e 2006. E alguns me disseram que gostam de trabalhar para a Disney e o parque, só gostariam de ganhar um pouco mais. “Amo o que faço, apesar do salário baixo”, me disse o homem que trabalha no parque há 17 anos.

Trabalhadores do Disney World protestando por melhores salários em março. Foto pelo autor.

Funcionários da Disney em Anaheim, Califórnia, encaram problemas similares. Karen Dist, de 60 anos, trabalha na cozinha da Disneyland há 12 anos e mora num motel com a filha e as duas netas desde 2011. “Vivo de um cheque para o outro, pago $260 por semana. Para alugar um apartamento de dois quartos para nós quatro, pagaríamos $1.800, e um apartamento de um quarto sairia por $1.350”, me disse Dist.

“Com esse aumento, eu poderia guardar algum dinheiro. Agora não tenho nenhuma economia. Seria bom se eles aumentassem o salário, acho que ajudaria muita gente”, me disse Dist, que atualmente recebe $13 por hora. “Eu fazia muita hora extra. Eles não te recompensam, mesmo se você pegar turnos de outras pessoas. É difícil viver com esse salário. Os benefícios médicos são bons, mas você precisa ter um dinheiro guardado. Preciso de sapatos ortopédicos… Tenho dor nas costas todo dia, porque sou baixinha e estou sempre me esticando e dobrando, mas me esforço o máximo que posso.”

Dist me disse que depende de alguns dólares extras que consegue todo mês reciclando garrafas e latinhas para pagar despesas médicas.

A Walt Disney Company está negociando com os sindicatos que representam alguns dos trabalhadores da Disneyland. Além disso, uma aliança de sindicatos atualmente está apoiando uma proposta de votação na cidade de Anaheim para obrigar grandes empregadores, como a Disneyland, a pagar pelo menos $15 por hora, e aumentos que atinjam $18 por hora até 2022. Empresários locais dizem que isso levaria a perda de empregos e redução de horas de trabalho para financiar o aumento.

No Disney World, segundo o presidente do Unite Here 737 Jeremy Haicken, uma votação similar não seria possível porque o parque é parte de uma municipalidade chamada Reedy Creek Improvement District, onde a empresa tem amplos poderes. Mas negociações entre a empresa e os trabalhadores sindicalizados do parque continuam, e os sindicados parecem estar levando a última proposta – que aumentaria os salários, mas limitaria horas e benefícios – a sério.

“Essa proposta é um passo importante nos nossos esforços para conquistar um salário digno para todos os trabalhadores de hospitalidade da Flórida Central, mas precisamos considerá-la com cuidado”, os sindicatos disseram aos empregados do Disney World numa declaração. “O aumento proposto pela Disney viria às custas de outras proteções-chave, de hora extra a férias, e seus direitos dentro do trabalho. Se fecharmos o acordo, queremos que ele seja justo.”

Enquanto isso, muitos trabalhadores estão lutando para sobreviver.

“Vivo da mão para a boca”, me disse Patterson. “Tento fazer o que posso com o pouco que consigo.”

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