Eu sei que não é um rosto ali em cima. Sei que é só uma imagem de satélite tirada do Google Earth, e acontece que, por conta da perspectiva extrema, possui uma semelhança quase que sobrenatural com um rosto sorridente, mesmo que seja só uma formação geológica esquisita.
Mas sério: olha bem pra esse bagulho. Não parece um rosto? É claro que parece um rosto. Não consigo ver de outro jeito. E, de verdade, isso acontece cada vez mais no meu cotidiano. Não consigo deixar de ver rostos enquanto olho cada vez por mais tempo para o brilho na tela. Há algo de errado comigo?
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Seres humanos têm o dom de ver rostos onde eles não existem. Este curioso fenômeno psicológico é conhecido como pareidolia – uma combinação das palavras gregas “para” (παρά), além ou ao lado, e “eidolon” (εἴδωλον), forma e imagem — e é ligada a nossa tendência automática de ver atributos faciais a partir de estímulos ou dados vagos e aparentemente aleatórios. (Podemos programar computadores para fazer o mesmo, mas falo disso depois.)
É o mesmo fenômeno que acontece quando se vê o fractal, apropriadamente intitulado, “Orgia Fractal” , o primeiro fractal a ser banido, em que não se consegue ver nada além de imagens NSFW. É por isso que pessoas veem Jesus em torradas, ou um homenzinho em Marte. É por isso que não consigo, em um primeiro momento, deixar de antropomorfizar este adorável aparelho de som caseiro.
É uma predisposição inata e quase universal ver rostos em todos os lugares, algo talvez melhor resumido pelo finado Carl Sagan em O Mundo Assombrado Pelos Demônios. “Assim que o bebê consegue ver, ele reconhece faces, e sabemos agora que essa habilidade está instalada permanentemente em nossos cérebros”, escreveu Sagan.
“Os bebês que há 1 milhão de anos eram incapazes de reconhecer um rosto retribuíam menos sorrisos, eram menos inclinados a conquistar o coração dos pais e tinham menos chance de sobreviver”, continuou. “Nos dias de hoje, quase todos os bebês identificam rapidamente uma face humana e respondem com um sorriso bobo.”
E então eu rio, e o Homem Verde nas montanhas sorri de volta. Mais do que qualquer outra coisa, talvez seja porque a internet nos permite dar uma volta pelo planeta em alturas dignas de satélites sem nem levantarmos da cadeira que este tipo de pareidolia digital não me deixe em paz.
Aqui, outros padrões geográficos não vistos emergem. Coisas tomam forma. Rostos aparecem. Veja só o GoogleFaces, um projeto que usa um algoritmo de busca independente “pairando sobre o mundo para encontrar todos os rostos escondidos na Terra”. Tantos rostos assim.
É NORMAL QUE AS PESSOAS VEJAM CARACTERÍSTICAS INEXISTENTES PORQUE OS CÉREBROS HUMANOS FORAM FEITOS PARA RECONHECEREM ROSTOS
Retomando minha pergunta: o que há de errado comigo? Pelo visto, nada.
Em abril, uma equipe de neurocientistas chineses e canadenses publicou uma pesquisa no periódico Cortex em apoio à teoria de que, de fato, fomos criados para reconhecer rostos humanos em dados aleatórios.
No estudo, os pesquisadores monitoraram a atividade de voluntários por meio de ressonância magnética, que detectava a atividade de áreas no cérebro envolvidas no processamento de estímulos visuais, características visuais neste caso, como consta nesta matéria do The Independent. O estudo apontava a região fusiforme da face como essencial para esta reação inata.
“A maioria das pessoas acha que você tem que ser mentalmente anormal para ver estes tipos de imagens, então quem relata estes fenômenos geralmente é ridicularizado”, declarou o Professor Kang Lee, da Universidade de Toronto, que liderou o estudo, em entrevista ao The Independent.
“Mas nossas descobertas sugerem que é normal que as pessoas vejam características inexistentes porque os cérebros humanos foram feitos para reconhecerem rostos”, continuou Kang Lee, “então mesmo quando há a menor sugestão de características faciais, o cérebro interpreta aquilo automaticamente como um rosto”.
Mesmo quando há a menor sugestão de características faciais é o ponto-chave. Se precisarem de mim, estarei contando os milhões de rostos como olhos em zero na edição eletrônica do Googolplex Written Out. (Porque é claro que isso existe.)
Tradução: Thiago “Índio” Silva