Ontem (19), aconteceu o quarto grande ato do Movimento Passe Livre (MPL) na cidade de São Paulo deste ano. E o que já era notável nos últimos protestos, ficou ainda mais evidente: a participação das mulheres na linha de frente da luta contra a tarifa.
Reunido no cruzamento das avenidas Faria Lima e Rebouças, no bairro de Pinheiros, o grupo se dividiu em duas partes para chegar até o Palácio dos Bandeirantes, onde ficam as instalações do governador Geraldo Alckmin (PSDB), e até a Prefeitura Municipal, comandada pelo prefeito Fernando Haddad (PT). Mais uma vez, o Passe Livre bradou contra o aumento da tarifa do transporte coletivo, que foi de R$ 3,50 para R$ 3,80 no dia 9.
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É complexo mensurar se os atos têm crescido ou diminuído. Os números divulgados pelo movimento e pela polícia sempre divergem brutalmente. Porém, é inegável a relevância dos secundaristas, que ocuparam as escolas estaduais, nos atos recentes. O vigor dos jovens que conseguiram revogar a reorganização escolar proposta pelo governo de Geraldo Alckmin chega até a quebrar a sisudez do Passe Livre. Um exemplo são as releituras da funkeira MC Carol, que surgem entre latas, tambores, mãozinhas pro alto e cantorias. “Ai, caralho. Bateu uma onda forte. Vencemos nas escolas, vamos vencer no transporte”, cantam os estudantes, inspirados pelo refrão de “Bateu uma Onda Forte“.
Assista ao vídeo: “São Paulo: Educação Ocupada”
A presença das meninas na linha de frente das escolas ocupadas, que cunhou a hashtag “#LuteComoUmaGarota” e originou memes internet afora parece fazer cada vez mais sentido dentro do Passe Livre. Desde o primeiro ato deste ano, na maioria das vezes são as mulheres do grupo que puxam os jograis e tomam a frente durante as caminhadas que acontecem pela cidade.
Para Laura Viana, que integra o movimento desde 2011, esse crescimento de participação é real. “Quando entrei em contato com o MPL, uma coisa que me assustou é que pareceu um ambiente muito masculino. E isso foi mudando bastante dessa época [pra cá]”. Para ela, o boom recente do feminismo influenciou consideravelmente a presença das mulheres. “Acho que é um momento de crescimento geral da participação feminina na política não-institucional como um todo. Passamos a nos sentir mais aptas a disputar esses espaços”, acrescentou.
Outro fator que amplia a participação das mulheres na luta pelo transporte é a maneira como são afetadas pelo aumento da tarifa. “[Nós, mulheres] ganhamos menos, logo, a tarifa afeta mais nossa renda. Fazemos mais turnos de trabalho entre casa-trabalho-creche, ou seja, pagamos mais passagens”, destaca a militante.
A PARTICIPAÇÃO DE BLACK BLOCS, CICLISTAS E MTST
Na última sexta-feira, ciclistas paulistanos se reuniram para a “1a Grande Bicicletada Contra o Aumento da Tarifa” na Praça do Ciclista. “Do mesmo jeito que lutamos, apoiamos e fizemos presença em escolas ocupadas por secundaristas contra a reorganização, também apoiamos a tarifa zero para geral”, escreveu no Facebook Henrique Espírito Santo, organizador do evento.
Agora, os adeptos da bicicleta também engrossam o caldo nos atos do Passe Livre. O grupo ganhou até nome com direito a trocadilho: Bike Bloc.
Entretanto, não é a turma da bike que aguça o ódio das publicações online. Um texto recente acusa o MPL de abrir espaço para black blocs – presentes desde 2013 nos atos – provocarem terrorismo nas manifestações. Vitor explicou que “existem muitos comentários na internet e o MPL não se pauta por eles”.
Foto: Felipe Larozza/VICE
O que serve também para quem se irrita com o fato de os protestos acontecerem sempre durante a semana e no horário de pico, – fazendo com que o já caótico trânsito paulistano fique ainda pior. “Quando travamos as avenidas, travamos a movimentação das mercadorias, do dinheiro”, relata o integrante. “Provocamos pessoas que se dão muito bem com o nosso sufoco: essa corja de empresários muito ricos.”
O alvo das manifestações também é pensado estrategicamente. “É muito importante nos preocuparmos em pressionar as duas esferas do poder público que estão igualmente envolvidas no valor da passagem do transporte”, justificou Vitor sobre a ida até o Palácio e a prefeitura. “Também existe a questão de tentar capilarizar e espalhar a luta social pela cidade.”
Às 17h de ontem, enquanto o MPL se concentrava em Pinheiros, o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) protagonizava protestos simultâneos nas regiões sul e leste de São Paulo – o que foi bem visto pelo Passe Livre. “O apoio e a participação ativa [das pessoas] propondo coisas e tomando ações próprias por fora do MPL são fundamentais pra garantirmos conquistas sociais”, enfatizou Vitor. “O MPL não é a totalidade da luta social e do transporte. É uma parte disso. É uma parte desse processo que depende, sim, de vários setores da sociedade.”
PREFEITURA, PALÁCIO E O SALDO DO DIA
As manifestações de terça-feira chegaram até os destinos finais acompanhados pela Polícia Militar, que novamente usou a tática do “envelopamento”, em que os manifestantes andam pelas ruas cercados por duas fileiras compostas pela Tropa do Braço, grupo da PM especializado em artes marciais. Tudo foi tranquilo até o Palácio dos Bandeirantes, no bairro do Morumbi. Já o ato que caminhou até a Prefeitura sofreu repressão policial. Por volta das 22h, bombas de gás lacrimogêneo preencheram o ar na região da República, onde manifestantes teriam tentando pular a catraca do metrô e ateado fogo em lixeiras.
No Facebook, o Passe Livre informou que cerca de 30 mil pessoas estiveram presentes ontem, incluindo os atos do MTST que aconteceram durante o dia e o Trancamento da Ponte Estaiada. Já a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) informou que, ao longo dos trajetos que foram até a Prefeitura e o Palácio, 1.200 pessoas compareceram.
Dois manifestantes foram detidos. “A dupla estava com diversos objetos na mochila, entre eles, um martelo e um estilingue – possivelmente para serem usados contra policiais”, informou, em nota, a secretaria.
Durante a noite, um momento peculiar acometeu as redes sociais do movimento. Ao compartilharem um post da cantora Elza Soares, que demonstrou apoio à causa, o MPL questionou se ela seria “a mulher do fim do mundo” (frase que dá título ao seu disco mais recente) ou a mulher do fim da tarifa. Elza respondeu chamando-os de “meus amores”. “Estou com vocês até o fim”, publicou.
Foto: Felipe Larozza/VICE
A agenda de manifestações não para: na próxima quinta-feira (21), acontece o quinto ato organizado pelo MPL. Desta vez, no Terminal Parque Dom Pedro II, na região central de São Paulo.