Briar quer ser o chat à prova de balas no Brasil

O desenvolvedor Michael Rogers trabalhava no LimeWire em 2009 quando um ativista iraniano o surpreendeu. Em busca de chat livre de censura, o homem perguntou se seria possível usar a conexão P2P do software para se comunicar com seu grupo. “Eu trabalhava em questões como essa em meu doutorado, mas na época disse que não seria seguro. Só seria viável se construíssemos algo mais adequado”, conta Rogers. “Com o fim do LimeWire, peguei as ideias e comecei a trabalhar nisso.”

O tempo passou e muita coisa mudou. Aquele ativista, membro do Movimento Verde Iraniano, conseguiu brechas para organizar protestos que contestavam o resultado da eleição presidencial do país. Rogers, por sua vez, de olho nas ferramentas usadas ali e em outras manifestações pelo mundo, se empenhou em criar o app de conversação mais casca grossa contra a vigilância: o Briar.

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Longe de ser rival do WhatsApp, o projeto, em fase de beta público, quer ser ponto de apoio para quem mais demanda por privacidade e segurança: ativistas e jornalistas.

Ao contrário dos apps de chat tradicionais, o Briar não depende de servidor central e as mensagens são sincronizadas diretamente entre os aparelhos. É aí que fica interessante: caso a rede de internet esteja com baixa qualidade, o Briar pode sincronizar as mensagens via Bluetooth ou Wi-Fi — em caso de proximidade entre os participantes da conversa — mantendo a informação fluindo em situação de crise, isto é, offline. Se a conexão estiver boa, pode sincronizar por meio da rede Tor — que proporciona o anonimato ao navegar — e protege usuários, seus contatos e as conversas de vigilância.

Para efeito de comparação, o WhatsApp, embora ofereça encriptação de ponta-a-ponta, depende de servidores centrais e fica a mercê de um takedown — quando a Justiça determina que suspendam o acesso à rede do aplicativo (como ocorre no Brasil) ou corta por completo as conexões na região (como acontece no Irã e outros países). Em suma, pode falhar.

Assim, a principal vantagem do Briar é permitir alternativas seguras como a rede Tor ou peer-to-peer (P2P), tornando-o praticamente impossível de ser bloqueado por entidades ou governos. Além disso, essas mensagens são encriptadas e não levam nenhum metadado, assim como ocorre com outros apps tipo Signal e Tor Messenger.

“O que estamos tentando fazer com o Briar, porém, é ser tão útil e seguro quanto o Signal, enquanto também protegemos os metadados e podemos operar sem acesso à internet”, pontua Rogers.

“O que estamos tentando fazer com o Briar é ser tão útil e seguro quanto o Signal enquanto protegemos os metadados e podemos operar sem acesso à internet”

Foco em problemas partilhados no Brasil

Para o app funcionar, sete pessoas espalhadas pelo mundo se envolveram no projeto, apoiado por ONGs e instituições como Small Media, Open Internet Protocols, ACCESS e Open Technology Fund.

Como em muitos programas de código aberto, a maioria do grupo nunca se reuniu e alguns não tem endereço fixo. A turma colabora remotamente de diferentes países. Um deles responde do Brasil: Torsten Grote.

“Usamos ferramentas de colaboração modernas, como o GitLab, que nos permitem coordenar o nosso trabalho em diferentes fusos horários sem nos reunir pessoalmente”, conta ao Motherboard o alemão que mora há dois anos em Florianópolis e prefere o clima brasileiro.

Torsten Grote, desenvolvedor alemão no Brasil. Crédito: Divulgação/ Briar Project

Ciente das últimas investidas locais em derrubar o WhatsApp em função de processos judiciais, ele explica que, com o lançamento do Briar, surge uma boa solução.

“O Brasil precisaria bloquear toda a rede Tor (que é usada para muitas outras coisas) para conseguir bloquear o Briar. Para combater esses tipos de ataques, planejamos introduzir pontes (bridge relays) que permitiriam se conectar à rede Tor, mesmo que seja bloqueada”, conta. “A última medida que o Brasil poderia tomar é bloquear a internet inteira. Se isso acontecer, as pessoas ainda podem se comunicar por redes WiFi e Bluetooth”, completa. “Em muitos países ao redor do mundo, desligar a internet tornou-se um instrumento para reprimir os protestos. Se o Brasil decidisse fazer o mesmo, o Briar pode funcionar como meio seguro.”

Além da troca de mensagens, o Briar pode permitir que as pessoas criem espaços virtuais seguros via fóruns e blogs. Lá podem debater qualquer tópico, planejar eventos e organizar movimento.

Telas do app. Crédito: Briar Project

De acordo com Rogers, cerca de 70 mil pessoas baixaram a versão beta do aplicativo, metade pelo Google Play e a outra metade por meio da loja de aplicativos F-Droid. Atualmente, na versão de testes, o app permite que seja usado por apenas 100 dias, o que implica criar uma nova conta quando a versão do Briar 1.0 for lançada, até o final de abril.

O mensageiro tem alguns pormenores como só adicionar pessoas via QR Code. Em tese, o sistema deixa incluir nos contatos apenas quem o usuário encontrar pessoalmente “trocando os código de barras” para que ninguém se passe por você. Compartilhá-lo de outras formas é complexo, já que o app impede screenshots. Você pode também “apresentar contatos entre eles” e ampliar a rede. O aplicativo, vale dizer, não tem suporte a mídias.

“Estamos planejando adicionar suporte para fotos nos próximos meses. Vídeo é mais difícil, pois há brechas de segurança na biblioteca de mídia do Android”, diz Rogers. Quem dá outra dica do que ainda está faltando é Grote. “Planejamos ainda suporte para WiFi-Direct.”

Grosso modo, Wi-Fi Direct é o Wi-Fi que conhecemos, sem a parte da internet. Ou seja, para tarefas simples usam-se conexões simples, que não passam pela grande rede como já se usa entre smartphones e notebooks com impressoras sem fio e outros aparelhos de IoT.

Sobre monetização, a equipe entende que ainda não há caminho definido para o app continuar gratuito e melhorando. Hoje são apenas doações. “O que pode vir a gerar algum rendimento são as modificações personalizadas para pessoas querendo fazer versões em modo white label do Briar ou trabalhos de consultoria relacionados”, diz Grote.

Para um futuro mais diatante, o equipe do Briar pretende recursos como a sincronização de dados para fazer mapeamento de crises e também a edição colaborativa dos documentos.

Testando o app

Em um mês de uso, com poucos contatos adicionados, foi possível ter uma prévia do quão útil os adicionais de fábrica do Briar podem ser. O blog publicável dentro do mensageiro funcionou como um diário de bordo, com detalhes de uma rápida viagem pessoal para um grupo de amigos que se interessou em acompanhar. O fórum resolveu questões comuns a pessoas de diferentes grupos que não se conheciam, como uma central de de sugestão de filmes para um feriado prolongado — ainda que o ambiente não permita colar fotos ou links.

A troca de mensagens fluiu naturalmente como deve ser: rápida e com confirmação de leitura — incluindo emojis, para quem não vivem sem eles — e em todas as conexões: 4G, Wi-Fi e Bluetooth (online e offline). O app fica devendo, no entanto, o suporte a mídias. A insistência em validar a senha toda vez que for usado (por segurança) pode incomodar.

É claro que o Briar está longe de ser uma solução comparável aos divertidos aplicativos de mensagens disponíveis no momento, com chamadas de áudio e vídeo, cheios de GIFs, emoticons e jogos como o Facebook Messenger ou mesmo com inteligência artificial como o Google Allo. Ainda assim, é o mais seguro. E essa sensação, como sabemos, é cada vez mais importante na esfera digital.

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